A Balada do Black Tom é do autor Victor Lavalle e foi lançado pela editora Morro Branco em 2018.

SOBRE O LIVRO

Sobrevivendo em condições subumanas no Harlem, todos os dias o jovem Charles Thomas Tester vai à luta para ter o que comer. Morando com seu pai Otis que há muito já não pode trabalhar, Tester percorre as ruas entre o Queens carregando sua maleta de viola, mas sem ter um instrumento real dentro. Na verdade, o que ele carrega dentro daquela maleta é algo muito mais perigoso e maléfico do que qualquer arma humana: um livro com conhecimentos e magias ancestrais e que deve se entregue à uma velha bruxa.

Sua vida muda radicalmente quando ele conhece um estranho e solitário senhor rico que lhe faz uma grandiosa oferta: tocar em sua festa em troca de 500 dólares. Para um negro, 500 dólares é uma dádiva dos deuses. Logo Charles aceita o convite, mas ele sabe que há algum segredo por trás desse convite para tocar. Seu pai, ao ficar sabendo, adverte o filho do perigo que está correndo, mas mesmo assim, Thomas segue o combinado.

“Armas e distintivos não assustam todo mundo.”.

Ao ingressar na casa do senhor Robert Suydam, ele nota que há algo estranho naquela casa. Uma sensação de vigilância e sombras que se movem por todos os lados. Uma áurea obscura paira sobre aquele lugar, e quanto mais o jovem violeiro se mantém presente na casa, mais e mais ele é tomado por segredos que ameaçam a toda a existência do mundo. Ou seria a salvação? Diante de forças maiores que a compreensão humana, Thomas ficará cara a cara com a face do terror e precisará decidir se luta contra ela ou se permite que se espalhe por completo sobre nós.


MINHA OPINIÃO

Recriar uma história não deve ser tarefa fácil, ainda mais quando se trata de uma história clássica e muito polêmica. Esse foi o desafio do autor Victor Lavalle ao recontar Horror em Red Hook, mas sob o ponto de vista de um personagem negro e sem uso de termos racistas e xenófobos, como é o caso da trama original de Lovecraft.

Nesta história conhecemos Charles Thomas Tester, um rapaz jovial e um pouco acanhado que vive com seu pai Otis no Harlem, habitual bairro americano habitado por imigrantes e afro-descendentes, mas que também sofre os mais diversos preconceitos da sociedade branca. Entre um serviço e outro, que geralmente só lhe dá dinheiro suficiente para sobreviver poucas semanas, Thomas tenta passar sempre despercebido e longe de conflitos. Ele sabe bem o que é ser abordado pela polícia sem motivos, apenas por ser “de pele escura”. Ele sabe o que é ser vigiado a cada passo, como se fosse um bandido ou alguém perigoso, sem ao menos ser.

“Caminhar pelo Harlem logo de manhã era como ser uma gota de sangue dentro de um corpo enorme que desperta.”

Nos levando por ruas escuras e vielas aparentemente abandonadas, Victor nos mostra como era a dura realidade de um negro vivendo em um mundo onde o preconceito era fortemente difundido (não muito diferente de hoje em dia). Em vários momentos o personagem fala sobre como se sente perdido naquele lugar, desamparado e até mesmo assustado sem saber se voltará vivo para casa. Mas ele precisava escolher entre viver o medo ou não ter o que comer, e por isso, acabava aceitando qualquer tipo de trabalho, até mesmo os que lidavam com forças obscuras e perigosas à nossa realidade.

Neste ponto o autor transforma a sua história em algo surpreendente e assustador. O personagem cresce em presença e relevância, suas ações são direcionadas à sua mudança de personalidade e vemos então uma faceta latente do personagem. Todo o medo e repressão que sofrera até aquele momento torna-se em ódio e revolta, uma força maior do que ele próprio consegue controlar. A partir daí, o horror se instala e uma porta ao submundo é aberta.

“Dê às pessoas o que elas esperam e pode conseguir delas tudo o que precisa.”

Comparando com o conto original (que está presente também no livro), o autor conseguiu dar mais dinamismo e desenvoltura à trama. A forma como os personagens conduzem a narrativa é muito boa e vemos a imersão de Thomas ao mundo obscuro da magia aos poucos. A justificativa também para o que acontece é bem condizente com a realidade vivida pelo personagem e vemos que suas ações não foram de má fé, pelo contrário, foram motivadas por toda a crueldade do mundo que o cercava.

O bacana também é que o autor nos conta a história por dois pontos de vista: o primeiro começa com Black Tom e serve para justificar o que vai acontecer. O segundo ponto de vista é do policial Malone que, apesar de ser branco, não se mostra racista e em alguns momentos até percebe a injustiça sofrida por Tom. Malone é quem então vivencia todo o horror que atinge Red Hook e também se torna a única fonte sobre a verdadeira natureza dos acontecimentos ali presenciados.

CRÍTICA A LOVECRAFT

Disponibilizar o conto original escrito por Lovecraft e que serve de base para a trama de Victor tem um propósito e é bem simples e direto: possibilitar ao leitor conhecer o lado xenófobo e racista do autor clássico, que é tanto aclamado como pai do horror moderno e com base nisso tornar-se mais criterioso e reflexivo ao que lê. Citando as palavras da própria editora, “A responsabilidade do leitor contemporâneo é interpretar textos sob um olhar crítico.“.

“Ninguém jamais se vê como vilão, não é? Mesmo os monstros têm a si próprios em alta conta.”

De fato, o conto original tem uma áurea de  horror muito interessante e imersiva, mas ao mesmo tempo é repugnante ler um texto onde tantos termos depreciativos estão reunidos para caracterizar e descrever pessoas e culturas diferente da padrão branco-americano. Mesmo sabendo que H.P. Lovecraft é fruto de seu tempo (o racismo era “tolerável” nas décadas de 20, 30 e adiante), não se pode simplesmente fazer de conta que textos como esse não queimam a imagem do autor. É uma faceta inaceitável, principalmente vindo de alguém que devia escrever para todo mundo, e não apenas para um grupo ou classe. Isso leva também a um debate sobre a publicação ou não de autores e/ou histórias desse tipo. Devem ser banidas ou mantidas como forma crítica aos tempos modernos?

Recriar essa história repleta de preconceito pela voz e olhos de um personagem que é subjugado pela sociedade representa não apenas uma quebra de paradigma social, mas também é mostrar às pessoas que boas histórias podem sim ser contadas sem precisar conter tanto veneno dirigido ao outro, seja por sua cor, religião ou cultura.

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A BALADA DO BLACK TOM

Autor: Victor Lavalle

Tradução: Petê Rissati, Giovanna Bomentre

Editora: Morro Branco

Ano de publicação: 2018

“Um tributo e uma crítica a Lovecraft” – NPR As pessoas se mudam para Nova York em busca de magia e nada vai convencê-las que ela não está lá. Charles Thomas Tester luta para colocar comida na mesa e manter um teto sobre a cabeça de seu pai, aceitando fazer trambiques e trabalhos obscuros do Harlem a Red Hook. Ele sabe bem o tipo de magia que um terno pode proporcionar, a invisibilidade que um estojo de guitarra lhe oferece e a maldição escrita em sua pele, atraindo os olhares atentos de ricas pessoas brancas e seus policiais. Mas quando faz a entrega de um livro oculto a uma feiticeira reclusa no coração do Queens, Tom abre uma porta para um domínio mais profundo de magia – despertando a atenção de seres que deveriam permanecer adormecidos. Uma tempestade que pode engolir o mundo está se formando no Brooklyn. Será que Black Tom irá viver para vê-la se dissipar?

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