Um assassinato. Quatorze suspeitos estão presos em um trem encalhado em uma região desolada coberta de neve e frio. Quem morreu? Quem matou? Quais os motivos? Qual a arma do crime? Hercule Poirot, possivelmente melhor detetive do mundo e nosso protagonista, está encarregado de desvendar o assassinato no Expresso do Oriente.

Este mistério foi produto da imaginação de Agatha Christie em 1934 e também motivo de adoração pela crítica e pelo público quarenta anos depois, quando foi adaptado ao cinema por Sidney Lumet. Eis que a Fox escolhe Kenneth Branagh para dirigir e estrelar uma nova adaptação. A escolha não foi aleatória: foi Branagh o responsável primeiro Thor da Marvel, em 2011, a adaptação de Cinderella de 2015, o aclamado Hamlet de 1996 e o Frankenstein de 1994 – e talvez alguns de nós nos lembremos melhor dele por interpretar o mentiroso Guilderoy Lockhart, no segundo Harry Potter, há quinze anos.


O olhar mágico e imaginativo do diretor combina-se com a ambientação da história: um luxuoso trem que liga a Ásia ocidental à Europa no período entre guerras. Nele, temos (e vou listar, esperando que não esqueça ninguém) um vendedor de arte americano, seu contador e seu criado, uma governanta, um médico que serviu na Guerra, uma viúva caçadora de maridos, uma princesa russa e sua criada, um casal de duques do Leste Europeu, uma missionária, um professor universitário, o dono e o condutor do trem e, é claro, o detetive. (Ufa!) Cada personagem tem seu aspecto particular, sua história, seu sotaque, seu figurino e seu momento de brilhar. E um deles tem seu momento de morrer. A partir daí, depoimentos são recolhidos, mentiras são ditas e deduções são feitas – por eles e por nós.

A trama começa a se desenvolver com muita informação e só em algum ponto depois da metade do filme pude me localizar no trem, entender quem é quem e tirar conclusões. Quando assisti, não fazia ideia de quem era o assassino, e investigar o mistério junto com Poirot foi a melhor forma de entretenimento. Depois da confusão inicial, criam-se as dúvidas e as conclusões incorretas: a cada pista, um novo palpite.

É claro, este é o fruto de Agatha Christie, um dos maiores nomes na literatura de crime e suspense que o mundo já viu. No entanto, o roteiro de Michael Green não deixa tanto a desejar quanto poderia. A Fox se esforça para que a história se relacione com público apesar de ser tão apegada à sua temporalidade; e tem sucesso, tornando a trama atual e trazendo pinceladas de aspectos políticos e sociais latentes dos dias de hoje. Novamente elogio a direção, que traz ao espectador de 2017 este mundo de sete décadas atrás.

Pode-se dizer que o elenco também está afiado, mas fica evidente o maior conforto de alguns dos atores. Daisy Ridley, Michelle Pfeiffer e o próprio Kenneth Branagh foram, para mim, os pontos altos do filme – divertidos e cativantes, eu diria que são os protagonistas. Ainda assim, Judi Dench, Johnny Depp e Penelope Cruz (com aquele sotaque!) entregam performances boas, mas que podem ser conferidas em outros de seus filmes. Vale ressaltar o esforço da produção em retratar a diversidade: os personagens de Manuel Garcia-Rulfo e Penelope Cruz, de origem italiana e sueca no original, foram alterados para trazer representatividade hispânica ao longa. O design de produção e o roteiro ficam encarregados de evitar que nos percamos no número de personagens e em suas características e motivações – e eu diria que cumprem esta tarefa, mas apenas a partir do segundo ato.

Ao passo em que o filme tenta constantemente trazer a urgência e a gravidade do crime, também investe em tons quase cômicos e pouco orgânicos, principalmente ao redor do detetive Poirot e seus imensos bigodes. Nesse quesito, me lembrou muito Thor (2011), que tentava misturar ficção científica com fantasia, mas não conseguia deixar de parecer uma comédia. Apesar de fazer um bom trabalho de câmera, Branagh insiste em deixar o filme mais fabuloso, enquanto acompanhamos a investigação de um crime hediondo e desconfianças pesadas – nesse contraste fica evidente o desejo da Fox de trazer uma adaptação para todas as idades, impedindo que a seriedade da história se transporte para as telas, agradando mais parcelas do público, abarcando maiores quantias de bilheteria e emplacando mais blockbusters para enfrentar outras adaptações de livros e quadrinhos por aí.

No entanto, não desaprovo este esforço. O Assassinato no Expresso do Oriente é uma trama inteligente, delicada, um pouco confusa de início, mas que mostra a que veio ao longo de seu desenrolar. É uma história pertinentemente atual, sobre aspectos da vida em sociedade que continuamos questionando até hoje, como justiça, vingança e o significado de “certo” e “errado”; é também um filme que eu gostaria de ter assistido em minha pré-adolescência, em alguma tarde de domingo na Temperatura Máxima, cujo livro eu devoraria na semana seguinte.

PS (com um pequeno spoiler): gostaria de ressaltar que fiquei deliciosamente surpreso quando descobri que a vítima era o vendedor de arte (conhecido como “o gângster” nas artes promocionais), já que isso significaria não ter que passar o restante do filme acompanhando cenas com Johnny Depp, por quem nutro desgosto e desrespeito como pessoa e como ator – por motivos que vocês devem imaginar.

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ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE

Diretor: Kenneth Branagh

Elenco: Kenneth Branagh, Johnny Depp, Michelle Pfeiffer e mais

Ano de lançamento: 2017

O detetive Hercule Poirot (Kenneth Branagh) embarca de última hora no trem Expresso do Oriente, graças à amizade que possui com Bouc (Tom Bateman), que coordena a viagem. Já a bordo, ele conhece os demais passageiros e resiste à insistente aproximação de Edward Ratchett (Johnny Depp), que deseja contratá-lo para ser seu segurança particular. Na noite seguinte, Ratchett é morto em seu vagão. Com a viagem momentaneamente interrompida devido a uma nevasca que fez com que o trem descarrilhasse, Bouc convence Poirot para que use suas habilidades dedutivas de forma a desvendar o crime cometido.

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