Enclausurado é obra do genial escritor Ian McEwan originalmente publicado como “Nutshell” e trazido ao Brasil em 2016 pela editora Companhia das letras.

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SOBRE O LIVRO

“Deus, eu poderia viver enclausurado dentro de uma noz e me consideraria um rei de espaço infinito – não fosse pelos meus sonhos ruins.” – Shakespeare, Hamlet

Assim como na obra de Shakespeare, nosso protagonista vive um dilema de vida e morte. Preso na barriga de sua mãe Trudy, um feto de quase nove meses convive diariamente com os traços da ardilosa trama da mãe e seu tio Claude para dar fim a vida de seu ex marido e pai da criança, John. Um poeta aparentemente acabado emocional e financeiramente, no entanto herdeiro de um de um valioso imóvel.

Dali, nosso narrador vive dilemas um tanto complicados para apenas um bebê. Amar ou odiar sua progenitora que trama ardilosamente a morte de seu pai, a quem jamais iria conhecer além de pequenas e frágeis lembranças. E o quão perto era colocado do futuro assassino de seu pai em meio as relações dos amantes e o quanto isso modificaria partes de si e, mais importante, não poder fazer nada.

Porque o que ele pode fazer afinal além de esperar e divagar sobre questões da vida?


MINHA OPINIÃO

A escrita de McEwan é sem sombra de dúvidas, genial! Além de peculiares e inovadoras criações literárias o autor possui uma escrita fluida e intrigante que conquista o leitor já nas primeiras páginas. Em sua nova obra, o que mais chama a atenção e prende o leitor é um elemento comum a todas as histórias com as quais nos deparamos, no entanto, cheio de características fortes e próprias: o narrador.

A premissa, inspirada em Hamlet, tão conhecida e aclamada obra shakespeariana, está longe de ser comum! A peculiaridade do narrador não está somente no fato de ele ser um bebê que ainda não veio fazer parte do mundo efetivamente, vai mais além disso. Outros narradores incomuns já fizeram parte da literatura anteriormente, no entanto este nos é apresentando com características ainda mais diferentes, não somente quanto ao fato de “ser” inesperado, mas a forma com que um ser aparentemente tão frágil e tão dependente pode ouvir, refletir e participar de questões tão complexas da vida.

“Sempre vamos nos preocupar com o estado das coisas – é a contrapartida do espinhoso dom da consciência.”

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Com um humor ácido, sacadas inteligentes e reflexões filosóficas são apenas algumas de suas características aparentemente difíceis de serem engolidas, mas nada se compara a uma visão perturbadora, como o fato de o bebê também ser alcoólatra. O bebê se delicia quando a mãe se embebeda com os vinhos das melhores safras – e é capaz de identificar cada um deles.

Inicialmente, esse é o tipo de livro que pode incomodar ao leitor, tanto pelas deixas de pensamentos profundos, reflexões as quais temos medo de fazer por algum motivo, ou pelo simples fato de que talvez não quiséssemos pensar sobre isso. MxEwan tem uma uma perspectiva diferente que me fez lembrar outro autor: Valter Hugo Mãe, autor contemporâneo que traz reflexões “complicadas” sobre a vida. Não só pelo estilo de criação, mas também na forma de escrever, com parágrafos extensos, diálogos contínuos que não são separados por travessões ou mesmo parágrafos, o que é outro ponto que nos tira da zona de conforto.

No entanto, a maior reflexão talvez seja sobre o quanto adequamos nossos pensamentos ao “não pensar”, por exemplo, a ideia de que um pequeno ser, que ainda não veio ao mundo, pode nos ouvir, pode nos conhecer, entender nossos pensamentos e movimentos e o quanto pode ser afetado por isso. Inicialmente, tive raiva de Trudy por vê-la bebendo enquanto gerava um bebê, mas ai me perguntei se não ia sendo um pouco hipócrita, afinal, conheço várias pessoas que fazem o mesmo e não me incomodo. Dai percebi que quando vivemos a história, nos sentimos incomodados, e que o que me causou desconforto de fato não foi a bebedeira de Trudy em si, mas o fato de ela ter viciado um bebê! Me peguei perguntando se isso é realmente possível, mas, e se for?

Geralmente, damos pouca importância a uma vida que não seja a nossa, ou o quanto podemos ser irresponsáveis. A questão de um bebê conseguir ouvir o meio externo não é uma grande novidade, afinal, é um aspecto bastante próximo à nossa realidade. Várias gestantes colocam fones em suas barrigas para que seus bebês se sintam calmos, confortáveis, ao som de músicas clássicas ou o que quer que seja, então, se podem ouvir música, por que não, frases, pensamentos. E, claro, a pergunta que fica é o quanto isso pode interferir em sua formação.

Inicialmente a premissa da história nos faz esperar por grandes reviravoltas, planos mirabolantes, até mesmo, no meu caso, pensar que as tramoias de Trudy e Claude acabariam por saírem do controle. No entanto, o autor parece ter colocado toda a trama como secundária, algo para apenas nos fazer chegar aos questionamentos e reflexões a respeito do mundo em que vivemos e quão más ou ingênuas as pessoas podem ser/parecer. Apesar de parecer complexo demais, estranho demais, intolerável demais, acredite, você vai se surpreender!

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ENCLAUSURADO

Autor: Ian McEwan

Editora: Companhia das letras

Ano de publicação: 2016

O narrador deste livro é nada menos do que um feto. Enclausurado na barriga da mãe, ele escuta os planos da progenitora para, em conluio com seu amante — que é também tio do bebê —, assassinar o marido. Apesar do eco evidente nas tragédias de Shakespeare, este livro de McEwan é uma joia do humor e da narrativa fantástica. Em sua aparente simplicidade, Enclausurado é uma amostra sintética e divertida do impressionante domínio narrativo de McEwan, um dos maiores escritores da atualidade.

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