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Quando se fala em adaptações de quadrinhos para as telonas, ainda que a quantidade tenha aumentado recentemente, a qualidade segue entre a oscilação e inconsistência de materiais que nada ou pouco tem em comum com o material fonte. Muito poucas adaptações que eu assisti são tão boas quanto o material fonte, menos ainda são melhores (em minha humilde opinião apenas duas, Akira de 1988 e Estrada para Perdição de 2002).

No caso de Akira é mais gritante – ao remover várias tramas secundárias e barrigas da série, o roteiro se torna mais fluído, mais enxuto e efetivamente mais interessante – enquanto Estrada para Perdição recai mais nas sutilezas e vantagens óbvias que o meio cinematográfico oferece.

Nada contra o trabalho de Max Allan Collins e Richard Piers Rayner – pelo contrário, é graças ao excelente trabalho deles que se fundamenta a elevação da qualidade no cinema. Eu particularmente acho a graphic novel de 1998 muito bem escrita e uma história igualmente sólida e intrigante. Fascinante trabalho e uma de minhas histórias favoritas de máfia e crime (depois de 100 Balas, mas isso é outra história).

2076668-1A história de Collins/Rayner traz Michael Sullivan, braço direito (armado) do mafioso John Rooney na década de 30 nos Estados Unidos, na Chicago de John Nitti e Al Capone (os tempos do banimento ao álcool). Sullivan é um homem de família, casado e com dois filhos pequenos (Michael Jr e Peter). Durante uma noite de trabalho, o filho mais velho Michael Jr acaba se deparando com a realidade do serviço do pai, vendo-o executar um homem, e, isso acaba por condenar toda sua família, exceto os dois Michaels (pai e filho) que saem em uma viagem pelo interior do país em busca de vingança e redenção. Mas não é sobre isso que a história trata.

Apesar do tema violento, a trama é na verdade sobre família, sobre a conturbada relação entre pais e filhos, e, até mais que isso sobre como não escolhemos quem são nossos filhos (ou pais pelo que importa) – mas não obstante, que seja por instinto, orgulho ou lógica, qualquer pai fará tudo em seu poder para protegê-los.

No Brasil foi publicado na época do lançamento do filme pela Via Lettera (ainda se acha alguns exemplares se você garimpar bem, principalmente em sebos, mas vi uma cópia no Amazon.com.br), e mesmo nos EUA com o serviço Comixology (que eu já comentei em outras resenhas) não é exatamente o material mais fácil de se encontrar. Não teve republicações e acabou não migrando para a versão digital, e com isso o material é um tanto mais raro de se achar.

Com a transição para o cinema há uma elevação imediata somente com o peso do elenco com performances emblemáticas de Paul Newman(em seu último papel para o cinema, diga-se de passagem, e um ator que faz muita falta), Tom Hanks, Daniel Craig e Jude Law nos principais papéis antagônicos, o iniciante Tyler Hoechlin numa papel singelo como o filho do mafioso Michael Sullivan (Hanks) além de outros tantos brilhantes atores em papéis menores/secundários (Stanley Tucci, Dylan Baker, Jennifer Jason Leigh). Mas não é só isso.

A direção de Sam Mendes (sim, o cara que dirigiu os dois últimos 007, Skyfall e Spectre além de Beleza Americana – como o pôster faz questão de deixar evidente) age com um tom sóbrio e ao mesmo tempo sombrio. Clamando por atuações mais sutis e reservadas, que se valham menos de palavras e mais nas expressões faciais e gestos, enquanto a trilha sonora (espetacular trabalho de Thomas Newman) tem uma sinergia tão intensa com as cenas, integrando o espírito requerido para o tom de cada particular passagem (fascínio e paz em uma tomada aberta por exemplo enquanto suspense e intensidade durante uma cena de troca de tiros). Destaco uma cena fantástica que demonstra isso claramente, em minha opinião, em que o personagem de Hanks finalmente consegue executar o ponto chave de sua vingança, e a cena não conta com uma única linha de diálogo ou qualquer barulho e efeito sonoro da tomada. Tudo nessa cena é contado pela sutileza das notas de Thomas Newman e nas expressões e reações dos atores (é o breve close no rosto de Hanks que demonstra o vermelhidão em seus olhos e uma singela lágrima escorrendo – ainda mais singela em se tratando de uma cena no meio de uma chuva torrencial).

Um filme realmente espetacular que merece bem mais crédito do que recebe (o que é uma pena pois só não recebe tal crédito pela falta de prêmios recebidos, e não por falta de qualidade).


Informações bibliográficas:

Filme: Road to Perdition, (Dreamworks/Fox, 2002). 117 minutos.
Direção: Sam Mendes.
Graphic Novel:
Road to Perdition, (Vertigo Comics, janeiro de 1998). 304 páginas.
Roteiros: Max Allan Collins.
Arte: Richard Piers Rayner.
Nota: 9,5/10.


 

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