Fera é o primeiro livro adolescente de Brie Spangler, publicado no Brasil em 2017 pela editora Seguinte.

Sobre o livro

Ser diferente na escola nunca é fácil, né? É comum em livros de temática LGBT focarmos sempre nossa leitura (ou nossa escrita, no caso dos autores) no sofrimento do personagem em questão – pelo menos nas obras dessa temática que eu já li. Porém, em Fera a autora irá propor uma mudança de perspectiva: o nosso personagem principal, o Dylan, é um homem heterossexual, branco e cisgênero que tem como melhor amigo o menino mais popular da escola. Mas nem tudo são flores.

“Encostado na parede gelada do porão, observo as partes vazias onde ficavam os espelhos. Pensando bem, o que eles refletiriam se existissem? Eu sorrindo enquanto converso com Jamie. Sim, eu veria um grande sorriso de bobo e alegre no meu rosto porque falar com ela é como um dia de sol no meio do inverno, o que é bem raro em Portland. Dois minutos no telefone com ela bastam para que eu me sinta bem.”

Dylan tem aproximadamente um metro e noventa, é um adolescente largo e extremamente – extremamente – peludo. Essas características fazem com que ele seja chamado de “Fera” pela escola toda, e faz com que ele seja motivo de riso para todos eles. E, adivinha só: ele se acha incluído por ser motivo de chacota, especialmente porque o criador dessa agitação em torno dele é o seu melhor amigo.

Apesar da aparente inclusão, nossa narrativa vai começar com uma tentativa de suicídio por parte do Dylan. Em busca de auxílio em um grupo de terapia, ele conhece e se apaixona perdidamente por uma garota chamada Jamie… que ele posteriormente descobre ser uma menina transgênero. Ou seja, em meio aos seus próprios problemas de aceitação em relação ao seu corpo, Dylan também terá de enfrentar o dilema de estar apaixonado por uma menina que nasceu no corpo de um menino – algo que ele desconhece completamente.


Minha Opinião

É comum em livros jovem adultos focarmos na escola, assim como nos sofrimentos e nas felicidades que ela pode trazer. Entretanto, no geral nossas histórias são narradas por personagens estigmatizados socialmente: gays, lésbicas, negros, bissexuais, transexuais, etc. E confesso para vocês que me surpreendi positivamente com a ideia de Brie Spangler de mostrar justamente a estigmatização de personagens heterossexuais. Ou seja, a autora mostra que não é por Dylan ser um homem heterossexual que ele não sofre com as masculinidades impostas a ele. Há, inclusive, um documentário maravilhoso chamado The Mask You Live In, que mostra a grande pressão que homens sofrem ao se enquadrarem no “padrão” da masculinidade. E Dylan com certeza seria um desses homens a sofrerem: ele não aceita seu corpo, ele tem problemas familiares, mas não pode falar sobre seus sofrimentos com ninguém, porque “homem não chora” e conversas entre dois homens não deveriam ter troca desse tipo de informação. Com uma abordagem que mostra essa relação, a autora ganhou vários pontos comigo.

“Se fôssemos embora para um lugar onde ninguém nos conhecesse, seríamos livres. Poderíamos dar as mãos sempre que quiséssemos e não ligar para o que as pessoas pensam, porque seríamos como qualquer outro casal, o que de fato somos, mas não teríamos que responder nenhuma pergunta.”

E mais pontos ainda foram ganhos ao tratar da transexualidade: com um caráter tão sensível quanto pedagógico, Brie Spangler vai nos narrando as dificuldades (e também felicidades!) de Jamie, ao mesmo tempo que vai – aos poucos – nos educando para pensar a diversidade. Isso não é fácil de fazer! É comum vermos em livros LGBT que os autores esquecem completamente de um ou de outro ponto desses que levantei.

E, ainda falando em pontos positivos, creio que a obra trata muito bem de relacionamentos abusivos. Como contei para vocês lá em cima, o melhor amigo do Dylan “inclui” ele na escola, fazendo ele ser falado por todos – por ser motivo de conversa e de riso, uma vez que ele é uma fera. É interessante notar que JP – o melhor amigo – também enfrenta uma série de problemas familiares, mas ele não dá espaço para os problemas de Dylan: para JP, ele sofre mais que todos e não há nada mais importante do que a sociabilidade que ele faz na escola. Então, a relação entre os dois é de um extremo abuso psicológico, mas que para o Dylan é normal. Nosso personagem principal está tão acostumado a ter apenas esse tipo de amizade que ele a naturaliza – e isso me deixou completamente mexido. Em vários momentos, fiquei com vontade de socar o JP – e isso é maravilhoso, pois o livro estava mexendo comigo!

Porém, se para Dylan nem tudo são flores, para o livro também. Ao tentar retirar o estereótipo de certas pessoas (como os transexuais), a autora recai em novos estereótipos: uma mãe excessivamente preocupada, por exemplo, que mais parece uma super-espiã, que coloca aplicativos ocultos no celular do filho para descobrir onde ele está e coisas parecidas. Por mais que eu saiba que essas figuras existem na realidade, o uso constante delas me irrita: por que sempre colocamos a figura da mãe como uma enlouquecida pela segurança do filho? Não há outras formas de representar mães – que podem igualmente ser conflitos para os filhos? Afinal, concordemos: o livro é adolescente; ou seja, todo o tipo de pai e mãe seria um conflito.

Nesse sentido, alguns diálogos e situações da obra me irritaram. Além das conversas com a mãe, exemplo disso é o fato de que Dylan “não sabia” que Jamie era trans, apesar de ela contar para ele nas primeiras cinquenta páginas do livro. De acordo com a autora, isso teria acontecido porque Dylan estava prestando atenção em outra coisa quando Jamie falou isso e, quando foi perguntado se ele achava isso ok, ele só assentiu. Ah, pelo amor da Deusa! Não me venha com essa desculpa esfarrapada, Brie Spangler!

De forma geral, o livro me agradou muito, apesar de algumas irritações. Antes de terminar, também queria ressaltar dois pontos importantes: em primeiro lugar, vocês viram que capa maravilhosa?! De cair o queixo, né? Em segundo lugar, algo que achei extremamente sensível por parte da autora é que, no final do livro, ela fez questão de colocar os telefones e contatos para centrais de ajuda anti-suicídio e de valorização da vida, bem como um glossário explicando o que é um transexual, um cisgênero, etc. Pontos para Grifinória – quer dizer, para Brie Spangler!

FERA

Autor: Brie Spangler

Editora: Seguinte

Ano de publicação: 2017

Dylan não é como a maior parte dos garotos de quinze anos. Ele é corpulento, tem quase dois metros de altura e tantos pelos no corpo que acabou ganhando o apelido de Fera na escola. Quando ele conhece Jamie, em uma sessão de terapia em grupo para adolescentes, se apaixona quase instantaneamente. Ela é linda, engraçada, inteligente e, ao contrário de todas as pessoas de sua idade, parece não se importar nem um pouco com a aparência dele. O que Dylan não sabe de início, porém, é que Jamie também não é como a maioria das garotas de quinze anos: ela é transgênera, ou seja, se identifica com o gênero feminino, mas foi designada com o sexo masculino ao nascer. Agora Dylan vai ter que decidir entre esconder seus sentimentos por medo do que os outros podem pensar, ou enfrentar seus preconceitos e seguir seu coração.

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