Os poderosos de Hollywood atacam novamente com mais um remake, reboot, sequência, roubo-de-nome – algum eles, ou todos ao mesmo tempo. O escolhido da vez é Jumanji e o resultado é divertido, nada além disso. Mas precisava ser?

Misturando muita ação na selva, com direito a motociclistas furiosos e fugas em helicópteros, e subtramas de drama coming-of-age, Jumanji: Bem-vindo à Selva entrega uma diversão esperta que, mesmo sendo completamente esquecida após a sessão, vale a pena o ingresso.

Em 1995, Robin Williams apresentou ao mundo o aterrorizante Jumanji: um jogo de tabuleiro que tem o poder de transportar o jogador para dentro do mundo em que se passa. Seu personagem ficou preso no mundo alternativo por quase 30 anos antes de retornar ao mundo real, trazendo o caos da selva para as ruas de uma cidadezinha americana. O filme, mesmo desequilibrado e criativamente restrito (dentro da sua própria proposta), foi um sucesso de público e perpetuou-se no imaginário de quem era jovem na época.

Agora, a fórmula se inverte: quatro jovens de 2017 encontram o jogo e acabam sendo transportados para o mundo de Jumanji. Bem-vindo à selva!

As atualizações da história são perceptíveis e divertidas – por exemplo, o jogo agora é um videogame, e não mais um tabuleiro – e grande parte do humor se baseia no vício em selfies ou nos arquétipos adolescentes atuais. Temos um nerd medroso, um jogador de futebol americano valentão, uma garota rebelde e uma “patricinha” que não larga o telefone. Ao serem arremessados para o mundo de Jumanji, nossos protagonistas assumem a forma dos personagens do jogo, ou seja, são estes adolescentes presos nos corpos de um explorador intenso, um sidekick irritado, uma musa assassina e um cartógrafo esperto. Respectivamente.

Ao longo da jornada por Jumanji, este grupo de desajustados deve cumprir as missões do jogo para chegar ao final e retornar à sua realidade.

Percebe a diferença entre o comprimento dos dois últimos parágrafos? Ela é gritante no filme.

O caso aqui é que o enredo de Jumanji: Bem-vindo à Selva é raso, simplista e seriado; de fato, parece que estamos vivendo um videogame, cumprindo as missões, contando vidas, passando de níveis e fugindo de um chefão. Honestamente, Pequenos Espiões 3-D já fez isso antes.

No entanto, o diferencial está nos personagens. Todo o humor que faz o filme valer a pena se extrai do contraste entre quem aqueles adolescentes são e os corpos em que eles estão forçados a viver. Já conhecemos aventuras pela selva e filmes sobre jogos de videogame, mas o que se mostra refrescante e hilário são as relações dos personagens, entre si e entre seus corpos.

Surpreendentemente se esquivando de problemáticas quanto ao gênero, a personagem Bethany – a viciada em selfies – na pele de Jack Black traz diversas gargalhadas de forma orgânica e natural (especialmente depois da introdução do personagem de Nick Jonas, um outro adolescente preso no jogo anos antes). Black e suas caras e bocas tornam Bethany humana, criando um laço que definitivamente não poderia ter sido criado por sua contra-parte no mundo real, a interpretação de Madison Iseman. O objetivo de desconstruir os estereótipos sobre a superficialidade da personagem é nítido (e é atingido!), ao passo que o filme tenta perdoá-la por ser “fútil”, dando tridimensionalidade ao arquétipo em que ela se encaixa.

Este aspecto – desmistificar o feminino nos filmes do gênero – também é presente na personagem de Karen Gillan/Morgan Turner, a rebelde Martha. No ano passado, quando surgiu a primeira imagem do filme, a polêmica foi grande: Gillan vestia um figurino absurdamente sensual para uma exploradora da selva. Na época, não sabia-se detalhes da trama – como a troca de corpos -, então a produção foi alvo de muitas críticas por ser sexista. No produto final, fica evidente que foi uma tentativa de criticar justamente o absurdo que é a presença de personagens seminuas em jogos violentos, mas uma tentativa superficial: depois de uma fala sobre o assunto, Martha simplesmente aceita que este será seu traje e a direção continua entregando cenas sexualizando-a em ângulos e enquadramentos desnecessários. Além disso, a atuação de Karen é a mais fraca entre os protagonistas, mas isso perdoamos, afinal ela está ao lado de veteranos da comédia.

Outro aspecto interessante é a presença de Dwayne “The Rock” Johnson: finalmente ele se encaixa! Depois de interpretar diversos policiais ou pais de família salvando o mundo de desastres naturais ou criminosos barra pesada – ou tudo ao mesmo tempo -, finalmente a sobrancelha do ator e o olhar intenso são bem utilizados, em Spencer. Inesperadamente, uma das melhores atuações de Johnson é, de fato, quando ele interpreta um adolescente medroso de 16 anos.

Kevin Hart e seus 1,63m de altura interpretam o anti-herói Fridge, completando o time. É ele o valentão jogador de futebol que mais reclama e culpa os colegas, fazendo o advogado do diabo no contexto – quando você e seus amigos são jogados para uma selva inóspita é natural que pelo menos um de vocês surte. O desenvolvimento de seu personagem com o de Dwayne Johnson/Alex Wolff tenta ser uma âncora da trama, mas acaba ofuscado pela desconstrução de Bethany e o romance envolvendo Martha e Spencer.

São estes quatro personagens que dão a Jumanji: Bem-vindo à Selva toda sua frágil alma. A jornada entre quem você é e quem você quer ser é vivida por todos nós no período de amadurecimento, e o filme faz com que os personagens a vivam enquanto enfrentam rinocerontes carnívoros e motociclistas assassinos. O teor dramático do filme não é tão poderoso quanto gostaria, mas consegue fazer emocionar e, quem sabe, influenciar alguns no público mais jovem a enfrentar seus medos e abraçar suas realidades.

Bem-vindo à Selva me fez aproveitar aquelas duas horas de filme junto aos protagonistas, gargalhando e aproveitando as piadas. Não mudou em nada minha vida ou minha percepção de mundo – algo que eu considero fundamental na produção de arte, então consequentemente não considero que este filme seja arte -, no entanto foi um produto que me proporcionou momentos de entretenimento bem humorado e descontraído; e isso é bom, não?

Concluí que, pelo menos nesse gênero, a linha entre bom e ruim é borrada demais para ser levada em consideração. Num contexto em que Hollywood produz cada vez mais blockbusters (principalmente os revisitados, que estão bombando mais do que nunca nas bilheterias), é interessante pensarmos no objetivo com o qual consumimos esses produtos.

Para esses filmes, acho que vale mais desconstruir a noção de “apesar de divertido, ele é vazio” e tentar compreender a perspectiva de que apesar de vazio, ele é divertido.

thumb_livro

4estrelasb

JUMANJI: BEM VINDO À SELVA

Diretor: Jake Kasdan

Elenco: Dwayne Johnson, Jack Black, Kevin Hart e mais

Ano de lançamento: 2018

Quatro adolescentes estão jogando um videogame cuja ação se passa numa floresta. Eles escolhem avatars para a aventura (intepretados por Dwayne Johnson, Karen Gillan, Jack Black e Kevin Hart). Mas um evento inesperado faz com que os jogadores sejam transportados para dentro do universo fictício, transformando-se nos avatars escolhidos.

Relacionados

Destaques

Insta
gram

[jr_instagram id='3']

Parceiros