Por baixo dos números musicais e do humor sob medida para qualquer pessoa que se encaixe no estereótipo “tiazona” (eu!), tanto o primeiro Mamma Mia quanto o segundo carregam uma carga emocional deveras pesada e tocante. Se você estiver de coração aberto, vai se divertir e, provavelmente, também tê-lo despedaçado.

Pra quem não viu o primeiro Mamma Mia (e eu sugiro assistir o mais rápido possível; mesmo que não goste de musicais, esse é o filme que merece a chance de te seduzir): a história se passa em uma ilha grega, onde a mãe solteira Donna (Meryl Streep) comanda um hotel meio que caindo aos pedaços, que está prestes a hospedar o casamento de sua filha, Sophie. Sophie, que nunca conheceu seu pai, descobre que tem três possíveis progenitores e convida os três, em segredo, para a cerimônia (aqui entram Pierce Brosnan, Stellan Skarsgard e Colin Firth). Eventualmente tudo vira uma grande confusão, que se desenrola através de canções do ABBA.

Pois bem, essa sequência se passa alguns anos mais tarde e nossa protagonista faleceu, deixando a filha encarregada do hotel. Às vésperas da reinauguração do mesmo, Sophie nunca se sentiu tão conectada emocionalmente com sua mãe – é aí que somos levados ao verão de 1979, para mostrar a juventude de Donna, dessa vez vivida por Lily James.

Vamos por partes.

O núcleo no passado, que acompanha Donna em sua jornada até a Grécia, rende divertidíssimas sequências, principalmente musicais, em que vemos conhecer cada um dos possíveis pais de Sophie, jovens com quem Donna se envolveu semanas antes de engravidar. Essa história funciona porque já sabemos o final, sabemos que Donna termina sozinha na ilha com uma filha e sabemos que cada um dos jovens que ela conhece naquele verão cresce para se tornar os homens que nós conhecemos no primeiro filme; por isso, a diversão aqui está em descobrir não o que acontece, mas como acontece; quem eles eram quando se conheceram, como vieram a se apaixonar e quais canções do ABBA combinavam perfeitamente com as situações que viveram.

Lily James é a Donna perfeita. A atriz evita reproduzir os pesados maneirismos de Meryl Streep no primeiro filme, construindo sua jovem Donna de forma original, conectando as duas com pequenos detalhes aqui e ali. Ela acaba até ofuscando o restante do elenco jovem – que inclui Jeremy Irvine, Hugh Skinner e Josh Dylan -, pois irradia carisma toda vez que está em cena; consequentemente, seus números musicais são os que mais dão vontade de levantar e sair cantando no cinema, para acompanhá-la em suas aventuras gregas. Meus números favoritos são Waterloo, Mamma Mia e Knowing Me Knowing You.

Enquanto isso, no presente, Sophie recebe suas (fadas) madrinhas, Tanya e Rosie, vividas sem falhas por Christine Baranski e Julie Walters, no dia que antecede a inauguração do hotel. O local, rebatizado de Bella Donna, foi reconstruído para homenagear a mãe de Sophie, que faleceu em algum momento depois do primeiro filme. Juntam-se às três: Pierce Brosnan como Sam, o viúvo de Donna e um dos pais de Sophie, Stellan Skarsgard e Colin Firth, os outros dois, Andy Garcia, como o gerente do hotel e, para o grande final, Cher, interpretando a avó de Sophie (sim, temos três gerações de mulheres inspiradoras no mesmo filme: Cher, Meryl Streep/Lily James e Amanda Seyfried).

Depois de Vingadores: Guerra Infinita, tenho mais fé em filmes com largos elencos e núcleos paralelos, pois já vi que é possível fazê-los funcionar e dar a devida atenção a todos. Para isso, o segundo Mamma Mia usa uma artimanha oposta ao primeiro filme: em vez de jogar todos os personagens juntos de primeira e se desenvolver a partir das intersecções, a sequência vem trazendo os rostos do primeiro filme de volta aos poucos, usando alguns truques de roteiro clichês (o que não é nenhum desmerecimento) que tornam tudo ainda mais divertido e deliciosamente piegas.

E para contribuir com essa extravaganza, as músicas do ABBA continuam brilhando como pontos altos tanto na comédia quanto na carga emocional. Algumas canções do primeiro filme se repetem, mas não soa nem um pouco forçado – pelo contrário, Dancing Queen me fez chorar E querer dançar simultaneamente. Meus favoritos são Angel Eyes e Fernando.

Com tantos personagens em cena, números musicais e transições temporais, é uma grande qualidade de Mamma Mia 2 não ter se perdido no meio de tudo. Nem todos têm largos tempos em cena, mas todos têm tempo de brilhar. A dupla Tanya e Rosie, no entanto, são o que eu chamaria de “ponto alto”: elas são simplesmente divertidas demais pra ignorar. Pessoalmente, eu gosto muito de Amanda Seyfried e me sinto envolvido por todas suas personagens, mas aqui, até sua Sophie fica ofuscada por Christine Baranski e Julie Walters, com o timing perfeito de comédia e o balanço ideal entre ela e o drama. (O número musical de Angel Eyes brinca justamente com isso, tendo Sophie como “protagonista”, mas assumindo que é para suas madrinhas que estaremos olhando).

Ao culminar de todo a história, chega Cher, interpretando a mãe de Donna/avó de Sophie, que entrega um número musical ao lado de Andy Garcia num dos momentos mais icônicos do filme, e um dos meus favoritos (spoiler: ela canta “Fernando”). Contamos, sim, com algumas aparições de Meryl Streep, mas fica evidente que ela não é a protagonista aqui.

Paralelamente, no passado, Lily James ofusca todo o elenco jovem. Jeremy Irvine, que brlhou em Cavalo de Guerra há alguns anos, interpreta o jovem Sam de forma opaca, não servindo nem como galã. Os jovens Harry e Bill são um pouco mais interessantes: o filme dá dicas sobre a sexualidade omitida de Harry (que só sai do armário anos depois, nos eventos do primeiro filme) na divertidíssima performance da música Waterloo (a experiência no teatro certamente foi o que lhe garantiu o papel), e retrata Bill como um sedutor aventureiro que respeita e admira Donna e divertidamente se apaixona por ela em instantes. É uma pena que estes dois tenham menos tempo em cena, de fato.

Como uma sequência, Mamma Mia 2 não funciona muito bem: não há muito o que sequenciar, não há um enredo pendente que é desenvolvido agora, o roteiro no presente se baseia completamente no estado emocional de Sophie, e o passado é basicamente uma encenação da história que já conhecemos. Mas através da comédia e dos números musicais, o filme consegue fazer com que isso seja um espetáculo em si.

Veja bem, não funciona como uma sequência, mas uma revisitação à história original, um show tão deslumbrante quanto o primeiro e que aprofunda a personalidade e o emocional de nossos personagens queridos – principalmente os que enfrentam a perda de Donna, no presente. Ao acompanhar as escolhas da jovem Donna, refletimos sobre o poder que elas tiveram e como resultaram na mulher forte que é sua filha, na família que ela construiu e no hotel que ela levantou do chão. Ao contrastar mãe e filha, o filme nos faz questionar tempo, perda, aventura e a própria definição de família.

Não sei se deu pra perceber, mas adorei Mamma Mia: Lá Vamos Nós De Novo. Não é uma obra-prima muito coesa ou super profunda, e definitivamente não funciona se você não viu o primeiro filme – mas é um resultado doce e divertido dessa onda de revisionismo que Hollywood tem sofrido, onde sequências desnecessárias e remakes sem pé nem cabeça são feitos aos montes para os estúdios lucrarem em nostalgia. Mamma Mia 2 é um exemplo de como fazer algo apropriado para a indústria que também agrade o público.

MAMMA MIA: LÁ VAMOS NÓS DE NOVO

Diretor: Ol Parker

Elenco: Amanda Seyfried, Lily James, Meryl Streep e mais.

Ano de lançamento: 2018

Prestes a reinaugurar o hotel da família na ilha grega de Kalokairi, Sophie (Amanda Seyfried) mergulha numa jornada de memórias acerca do passado de sua mãe, Donna (Lily James/Meryl Streep). Para isso conta com a ajuda de suas “tias” Tanya e Rosie (Christine Baranski e Julie Walters) e seus três pais (Pierce Brosnan, Colin Firth e Stellan Skarsgard). Enquanto descobrimos como Donna descobriu a Grécia, a paixão e o amor por sua filha, também lidamos com o luto, o tempo e o amor em família – tudo regado a muitas canções do ABBA e uma aparição deliciosa de Cher.

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