Estamos acostumados a ver os “filmes LGBTs” com algumas expectativas: os personagens sofrem, preconceitos são crueis, a marginalização machuca; são filmes que, através da compaixão, nos emocionam mostrando todas as formas como o mundo pode machucar estas pessoas. Me Chame Pelo Seu Nome nos emociona mostrando as formas como o mundo pode não machucá-las.

Calma, me empolguei. Vamos do início.

“Em algum lugar no norte da Itália”, Elio (Timothée Chalamet) é um adolescente no auge do processo de amadurecimento, na companhia de música clássica, muitos livros e seus pais, um casal de acadêmicos. Em todos os anos o pai de Elio (Michael Stuhlbarg) traz uma espécie de estagiário para auxiliá-lo em suas pesquisas sobre a história greco-romana ao longo do verão, e, em 1983, este universitário foi Oliver (Armie Hammer). Em seis semanas, Oliver e Elio se conhecem, se apaixonam e se despedem.

Me Chame Pelo Seu Nome é baseado em um livro, escrito pelo ítalo-egípcio-americano André Aciman, publicado em 2007 e amado por leitores ao redor do mundo. O filme, através da direção brilhante de Luca Guadagnino, põe na tela as palavras delicadas do narrador, nos emocionando a cada minuto que passa. O diretor, através de um olhar frágil e curioso, consegue por em audiovisual o sentimento raro que é o apaixonar-se.

Timothée Chalamet e Armie Hammer entregam atuações de quebrar o coração. O mais jovem (que está, a grosso modo, em todas as cenas do filme) dá a Elio a complexidade natural do período de amadurecimento, quebrando não apenas os estereótipos, mas também os limites narrativos – eu nunca imaginei que fosse assistir a um filme que contemplasse tanto os sentimentos que vivi quando eu mesmo passei por isso. A seu lado está Hammer, que vive um Oliver encantador, por vezes o estrangeiro misterioso e sedutor, por vezes o homem mais confortável do mundo; aqui, venci minha antipatia com o ator e me deixei apaixonar por ele assim como Elio. A dupla, dirigida por Luca, torna cada palavra um mistério e cada toque uma declaração de amor.

O roteiro é delicadamente escrito com maestria, acompanhando cada etapa da construção do relacionamento e arquitetando cada diálogo como se fosse um poema. O resultado é uma história com muitas facetas, diversas mensagens e muitas emoções.

(Antes de continuar acho que vale ressaltar que não falo aqui de sexualidade como homossexualidade ou bissexualidade, mas como a forma com que alguém exerce sua singularidade romântica-sexual. Também me posiciono contra esta rotulação: para a história e as reflexões que ela propõe, pouco importa se Elio e Oliver são bissexuais, heterossexuais ou homossexuais.)

Enquanto podemos resumir o filme como “Elio descobrindo sua sexualidade”, também sabemos que é tão mais do que isso. Tanto ele quanto Oliver trazem à tona perspectivas diversas sobre os papeis desempenhados por um relacionamento, tanto na esfera particular quanto social. As relações de Elio com Marzia e Oliver funcionam como um veículos para seu amadurecimento emocional – as alegrias e tristezas de ambas as experiências o atingem em cheio e, em seu apogeu, o adolescente se torna um homem.

O filme acompanha essa mudança simultaneamente sutil e estrondosa de forma delicada, e delinea este conflito numa cena brilhante entre Elio e seu pai – pessoalmente, a minha favorita. Questionando o significado de dor, felicidade, desejo e pertencimento, o filme é, finalmente, sobre a capacidade humana de sentir, e como devemos ser livres para isso.

Um homem descobrir que sente atração por outros homens em um mundo onde a heteronormatividade, a homofobia e a exclusão social são tantos é um processo difícil, e Me Chame Pelo Seu Nome, como eu disse no início do texto, se opõe à forma como outros filmes costumam tratar do assunto.

A família de Elio, a princípio ofuscada pelo romance dos protagonistas, é o verdadeiro personagem principal, construindo uma das mensagens mais importantes que o filme propõe: o quão benéfico pode ser este processo de descobrimento se o ambiente ao redor é acolhedor e receptivo. Pessoalmente, tudo o que desejei ao assistir ao filme foi que minha família fosse como a família de Elio – teria me poupado muito sofrimento.

Ao mesmo tempo, a angústia tem um papel importante na narrativa em outra mensagem sutil, mas poderosa proposta, dessa vez, pela jornada de Oliver. Do ponto de vista dele, passar um verão na Itália para descobrir-se perdidamente apaixonado por outro homem pode não ser tão romântico assim, uma vez que, ao final do verão, deve-se retornar aos Estados Unidos, ao mundo e à rotina.

Para Oliver, a história é sobre heterossexualidade compulsória e como as cordas da sociedade o impediam de se render aos seus sentimentos. Não é coincidência: Elio, pleno e determinado sobre suas descobertas, destrói as barreiras de Oliver e o mostra como podemos ser feliz se nos permitirmos sentir.

“É melhor falar ou morrer?” diz a mãe de Elio em uma cena da família, lendo uma passagem de Heptameron (de Margarida de Angoulême); para a história, é um ponto central. Para Elio, o melhor é falar, para Oliver, talvez o melhor seja morrer – mas nada disso interessa, porque os momentos vividos em algum lugar no norte da Itália em 1983 aconteceram e são lembrados, e talvez isso baste. Para nós, a questão ainda paira no ar, tensionando cada célula do nosso corpo, lentamente nos convencendo que a há esperança, que há, dentro de cada um, o necessário para encontrarmos a liberdade para sentir.

Me Chame Pelo Seu Nome me fez sentir muitas coisas e eu espero, do fundo do meu coração, que faça-os sentir também. Assim como as realidades de Chiron em Moonlight (2016) ou os doces sorrisos de Therese e Carol em Carol (2015) – duas obras sobre personagens LGBT que foram levadas a sério pela indústria nos anos recentes – este filme tem o poder de mudar e salvar vidas.

ME CHAME PELO SEU NOME

Diretor: Luca Guadagnino

Elenco: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg e mais

Ano de lançamento: 2018

O sensível e único filho da família americana com ascendência italiana e francesa Perlman, Elio (Timothée Chalamet), está enfrentando outro verão preguiçoso na casa de seus pais na bela e lânguida paisagem italiana. Mas tudo muda quando Oliver (Armie Hammer), um acadêmico que veio ajudar a pesquisa de seu pai, chega.

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