Persépolis é uma autobiografia em quadrinhos de Marjane Satrapi que originalmente foi publicada em 4 volumes pela editora Companhia das Letras, qual em 2007 relançou a HQ em um volume único.

Sobre o Livro

Marjane Satrapi, ou Marji, é uma garota iraniana que cresceu em meio a Revolução Iraniana e a guerra entre Irã e Iraque. Seus pais, que sempre foram muito modernos e politizados, faziam o possível para que as consequências daqueles tempos violentos não afetassem tanto a garota, tomando medidas bem radicais como mandar Marji para outro país quando ela tinha apenas 14 anos. Tomaram essa atitude porque confiavam na filha e acreditavam na educação e criação que tinham lhe dado.

“Na vida você vai encontrar muita gente idiota. Se te ferirem, pensa que é a imbecilidade deles que os leva a fazer o mal. Assim você vai evitar responder às maldades deles. Porque não tem nada pior no mundo do que a amargura e a vingança… Seja sempre digna e fiel a você mesma.”

Longe da família em um país completamente desconhecido, Marji tenta fazer o melhor possível com a liberdade e confiança que seus pais haviam lhe dado, pois era preciso fazer valer a pena a oportunidade que lhe deram de poder viver uma vida menos opressora, violenta e poder beber mais do copo do ocidentalismo, qual era acostumada antes da revolução. Nem tudo saí como planejado; Marji, no auge da idade, sem nenhuma supervisão familiar que pudesse controlar um pouco o vislumbre da garota acerca do desconhecido, acaba vivendo situações completamente sofríveis, qual certa vez quase lhe custou à vida.


Minha Opinião

Quando ganhei esse livro, há 6 anos atrás, não fazia ideia do que se tratava! Mas por ganhar de uma pessoa qual eu muito admirava, tinha a absoluta certeza de que o livro seria incrível. Eu não estava errada! Desde então, venho relendo esse livro e atazanando a vida de alguns amigos próximos até que eles o leiam também, e como o agradecimento de todos que leram esse livro por conta da minha chatice foi unanime, hoje venho contar alguns motivos pelos quais eu acho que vocês deveriam ler também!

Aqui nessa autobiografia, Marjane nos conta parte da sua infância, adolescência e início da vida adulta e em como foi afetava em todas as fases com os reflexos opressores da guerra. Antes da revolução iraniana, que aconteceu em 1979, quando ela tinha aproximadamente 10 anos de idade, era possível consumir cultura, não era obrigatório que as mulheres usassem o véu, até mesmo os homens possuíam mais liberdade em suas vestimentas, as escolas não eram separadas para meninos e meninas, entre outras coisas. Mas foi utilizado da voz da população para aplicar um golpe de estado, qual foi nítido perceber pelos resultados das eleições que computaram 99.9% para que a nova pessoa no poder fosse uma autoridade religiosa, que fez com que não houvesse diferença entre estado e religião, aplicando as leis do islamismo ao país.

As pessoas que viviam de forma mais moderna e avançada, como a família de Marji, sofreram bastante com a perda da sua liberdade de expressão, mas nem por 1 segundo deixaram de ser resistentes. Tiveram seus períodos de luto, mas seguiram na luta nos limites em que suas vidas não lhe fossem tiradas, e isso não evitava que apanhassem da polícia, fossem presos e tivessem que pagar multas caras para sair da prisão. Os protestos passaram a ser feitos de forma sutil, o quadrinho a seguir pode exemplificar melhor do que eu poderia explicar:

Ebi e Tarji sempre foram aqueles pais que confiavam de olhos fechados na criação que deram à filha, por isso não se importaram e fizeram questão de que ela fosse buscar uma vida melhor fora do Irã. Não dá pra saber se eles pensaram muito nos prós e contras de mandar uma garota de 14 anos para outro país, mas, a princípio, para eles, tudo era melhor do que estar vivendo em meio à guerra, correndo risco de que uma bomba caísse no telhado de casa a qualquer momento. Afora isso, tinha toda a ditadura que se instalou após o novo regime… escolas separadas, o uso obrigatório do véu, o zero acesso a cultura, entre outros, e os pais de Marji não queriam que sua filha fosse moldada por essa ditadura, tendo que fazer as coisas clandestinamente correndo o risco de ser pega.

É difícil falar sobre o que eu achei de uma história que é uma biografia, porque parece que estou dando pitaco na vida de outra pessoa, principalmente em momentos tão difíceis, mas me atrevo a dizer que a vida de Marji fora do Irã foi tão sofrida ou pior do que se ela tivesse ficado lá com sua família. Seria oprimida e correria risco de vida no Irã, mas pelo menos tinha sua família, amigos e uma casa para qual ela teria para onde voltar. Entretanto, todas as coisas ruins que lhe aconteceram serviram para que ela se tornasse a mulher que é hoje… Saber existir em equilíbrio com o bem e o mal, bom… talvez isso seja viver.

“Quando estamos com medo, perdemos todo o sentido de análise e reflexão. O medo nos paralisa. Além disso, o medo sempre foi a força motriz por trás da repressão de todos os ditadores.”

Num primeiro momento ela até que acha bom ficar sozinha na Áustria, sabe como é, adolescentes na flor da idade já achando que dão conta da vida sozinhos. Ela aproveita da liberdade e falta de supervisão e acaba se deixando influenciar por pessoas que não são lá as melhores companhias que se pode ter, se envolvendo com drogas e tendo contato com a vida sexual muito cedo. Marji também sofre preconceito por ser muçulmana, então acaba criando amizade com grupos que também são oprimidos de alguma forma, como os gays, lésbicas, punks. Infelizmente a maior vivência dela não é com eles, porque são pessoas diferentes, mas de bem, diferente daqueles que pareciam normais, mas só aprontavam. E foi com eles que ela passou a maior parte do tempo.

Entre trancos e barrancos tudo começou a desmoronar e até vida de sem teto ela viveu por um momento, tendo que dormir na rua e catando comida do lixo. Em um desses períodos mais difíceis ela acaba ficando muito doente e corre risco de vida. Carregada de dores, traumas, cansaço e saudades da família, ela opta voltar para o Irã após 4 anos fora. Mesmo retornado para sua terra natal em busca de refúgio no colo da família, as coisas não foram fáceis, como eu disse, ela trouxe consigo uma bagagem de muitos traumas, falta de autoestima, arrependimento das coisas horríveis que fez, quais ela implorava para que seus pais não lhe perguntassem nada sobre. E tudo que ela viveu conflitava com a pessoa que ela era, uma mulher que ansiava pela sua liberdade de expressão, de opinião, sexual.

“Acho que eu preferia correr sério risco a enfrentar minha vergonha. A vergonha de não ter me tornado alguém, a vergonha de não ter deixado meus pais orgulhosos depois de todos os sacríficios que eles fizeram por mim […] Peguei minhas coisas, pus meu véu na cabeça de novo… quanto às minhas liberdades individuais e sociais, paciência… eu precisava muito voltar pra casa.”

Uma alma feminista de volta ao país que mais ia contra todos os princípios que ela levantava a bandeira. Internamente, não lidou com todos esses conflitos de forma tranquila. Sem fazer esforços o leitor pode perceber o quanto ela foi infeliz por um longo período de sua vida, até tentou o suicídio em certo momento, pois a vida já lhe parecia insuportável e sem jeito. Nesse período de volta ao Irã, ela se impôs de todas as formas que pode, expressando a sua opinião sem medo das consequências, e isso mostrava a rebeldia de alguém que já não aguentava mais viver em meio a opressão.

Acompanhar a trajetória de uma garota que desde novinha já era muito politizada, culta, cheia de si, vendo seus valores escorrer por entre os dedos sem poder fazer muita coisa é completamente doloroso para nós que estamos lendo, principalmente quando nos damos conta de que aquilo ali que estamos segurando é um compilado de páginas que carregam lembranças de um período triste (mas que precisa ser conhecido).

Recomendo essa leitura para todas e todos que possuem compaixão e senso crítico. É um livro essencial para que tenhamos conhecimento do que aconteceu ao lado e o que as guerras e ditaduras causam em pessoas que presam pela sua liberdade em todos os sentidos. Ler Persépolis nos faz pensar em tudo que nós temos a perder caso algo parecido acontecesse (novamente) no Brasil.

PERSÉPOLIS

Autor: Marjane Satrapi

Tradução: Paulo Werneck

Editora: Companhia das Letras

Ano de publicação: 2007

Marjane Satrapi tinha apenas 10 anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita – apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa. 25 anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou.

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