A mercadoria mais preciosa: uma fábula é o livro do autor francês Jean-Claude Grumberg, publicado em 2019 pela editora Todavia.

Autor de diversas peças, roteirista de cinema (Truffault, Costa-Gavras) e de televisão. Jean-Claude recebeu diversas premiações, incluindo o prêmio Molière.

Sobre o livro

Em um bosque, viviam pobre lenhador e pobre lenhadora, esta desejava uma criança para amar, ao contrário de seu marido que era agradecido por não ter mais uma boca para alimentar. A fome assolava o país, fruto da grande guerra contra os sem corações que mataram Deus.

Pobre lenhador realizava seu ofício – fora requisitado para trabalhos de interesse público – e em contrapartida recebe um salário de miséria. Enquanto isso, pobre lenhadora percorria a floresta recolhendo qualquer coisa que pudesse ser aproveitada como utensílio ou alimento.

O único passatempo de pobre lenhadora era ver passar o trem de mercadorias, as margens da floresta. Acenava para os deuses do trem e esperava receber algum presente que matasse sua fome ou acalentasse sua alma. Todavia, as únicas coisas que recebia eram alguns bilhetes, mas pobre lenhadora nunca aprendeu a ler e não queria dividir com seu marido, que muito pouco sabia, os presentes recebidos, por isso os guardava com carinho.

Na primavera de 42, sim, por pouco eles não lhes deram um fim, sem saber, aliás, que seriam dois. Mas sua esposa, depois de refletir, desejara guardá-los. Ela terminou dando à luz dois serzinhos já judeus, já fichados, já classificados, já procurados, já perseguidos, uma menina e um menino, já berrando em coro como se soubessem, como se compreendessem.

Em um dos trens, havia uma família judia. Enquanto a doce mãe acalentava os filhos gêmeos que choravam de fome, o pai se angustiava com a incerteza de seus destinos. Não sabia para onde estavam sendo levados e o que seria feito de sua família.

Em um momento de desespero, após avistar uma silhueta que corria em direção ao comboio, o pai toma uma decisão alarmante. Pega um dos filhos, embrulha em um xale e o joga pela lucarna do trem, para horror da esposa e dos outros passageiros.

Pobre lenhadora, então, realiza seu maior sonho. Os deuses do trem, finalmente, sorriram para ela e a tornaram mãe, uma mãe sem leite, de um bebê faminto, em um rigoroso inverno de um país miserável. Mal sabe nossa pobre lenhadora do perigo que corre ao abrigar esse pequeno tesouro. A vida de pobre lenhadora, nunca mais será a mesma.


Minha opinião

Deparei-me com a capa em uma de minhas peregrinações on-line e resolvi comprá-lo. Não sabia o que esperar, pois era o meu primeiro contato com o autor, mas fui positivamente surpreendida.

A história gira em torno de um casal de lenhadores e de uma família judia deportada da França para a Polônia. Em um ato de desespero o pai joga um dos filhos pelas grades para uma mulher no bosque. Pobre lenhadora leva o bebê para casa, não sabe muito da guerra que assola o país. Quando o marido chega, logo é informada do perigo que correm ao abrigar um judeu. Pobre lenhador quer deixar a criança onde foi encontrada, mas pobre lenhadora não permite que ele “devolva” o presente recebido.

Quando a pobre lenhadora, por sua vez, estendeu-lhe a criança, recuou ainda mais, como que atingido em pleno peito, enquanto repetia mecanicamente que não queria mais ver nem alimentar aquela coisa, enquanto reprimia, no mais profundo da escuridão de sua carcaça, a vontade de responder àqueles braços esticados, oferecidos, de agarrar a criança para apertá-la contra o rosto, contra a barba.

É nítido que pobre lenhadora não sabe o que está acontecendo, ela acredita que há mercadorias no trem e que os passageiros estão indo para um lugar melhor, quando na verdade estão sendo levados para um campo de concentração para serem assassinados, servirem de experimento ou de mercadoria. Nossa pobre lenhadora não tem contato com mais ninguém, apenas com o marido, por isso sua alienação. Pobre lenhador acredita nas propagandas contra os judeus, que mataram Deus, que são ladrões e os culpa pela miséria causada pela guerra, mas a convivência faz com que ele perceba que a criança é tão humana quanto ele e não uma mercadoria, alguém que merece amor e proteção.

A família judia é mais uma vez separada quando no campo de concentração. O pai recebe a incumbência de raspar os cabelos dos crânios que servirão de perucas e vive atormentado pelo que fez. Uma hora tem esperança que a filha sobreviveu, noutro se culpa por ter tirado a criança da mãe para morrer sozinha de fome e frio.

O tempo passa e as duas famílias sofrem por causa da guerra. É extremamente doloroso e angustiante ver o que acontece com cada um deles, impossível não se apegar e desejar que fiquem em segurança. É um livro que merece ser lido.

O autor é descendente de judeus, teve o avó e o pai (Naphtali Grumberg e Zacharie Grumberg) transportados nos comboios que levavam homens, mulheres, crianças, idosos e deficientes para o campo de concentração. Em visita ao Memorial da Deportação dos Judeus da França (Le Mémorial de la Déportation des Juifs de France) em Israel – criado em 1978 por Serge Klarsfeld a partir das listas alfabéticas dos judeus da comunidade judaica na França –, que serve de jazigo de família, o autor teve conhecimento de um casal com seus filhos gêmeos que foram levados de Drancy para um campo de concentração.

Abraham e Chaïga Wizenfeld, assim como seus filhos gêmeos Fernande e Jeannine, nascidos em Paris, no Décimo Arrdissemnet, no dia 9 de novembro de 1943, deixaram Drancy no dia 7 de dezembro desse mesmo ano, ou seja, vinte e oito dias depois de seu nascimento. Comboio número 64.

O livro tem uma escrita fluída e um narrador que interage com o leitor. Apesar de ter apenas 71 páginas, os personagens são bem construídos e a história se desenvolve plenamente. O único ponto negativo está na revisão, que deixou passar alguns erros de português.

A mercadoria mais preciosa foi o único livro que reli logo após o término. Concluída a releitura, a história ainda não me deixava, é um livro que penetra na nossa alma. Fiquei muito interessada em ler mais a respeito. Alguns livros vieram a minha mente durante a leitura, então, se você já leu Toda a luz que não podemos ver, O diário de Anne Frank, A guerra que salvou a minha vida e Pax, provavelmente vai gostar de A mercadoria mais preciosa.

A MERCADORIA MAIS PRECIOSA: UMA FÁBULA

Autor: Jean-Claude Grumberg

Tradução: Rosa Freire D’Aguiar

Editora: Todavia

Ano de publicação: 2019

Conto admirável e perturbador sobre o Holocausto, o livro é destinado a leitores de todas as idades. Um casal de lenhadores observa, diariamente, comboios atulhados de gente passarem diante de seus olhos. Ingênua, a mulher sempre espera por um aceno ou mesmo um presente. Para onde vão essas pessoas, ela se pergunta. Até que alguém joga o presente que ela jamais pensou receber: um bebê. Neste breve relato, o autor, à maneira das fábulas, fala de um dos capítulos mais tenebrosos da história da humanidade: a deportação de milhões de judeus para os campos de concentração nazistas.

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