A Mulher com Olhos de Fogo, escrito pela egípcia Nawal El Saadawi, foi originalmente publicado em 1975. Nesta edição, é um lançamento de 2019 da Faro Editorial.

SOBRE O LIVRO

Em uma mistura de ficção e não-ficção, Nawal El Saadawi irá nos apresentar a história de Firdaus, personagem real que a autora teve oportunidade de entrevistar às vésperas da execução de sua pena de morte.

“a história de uma mulher que, levada pelo desespero, acaba encontrando o mais negro dos finais”.

Quais são as razões por trás do assassinato que Firdaus supostamente cometeu? Por que apenas agora, no último dia de sua vida, resolve contar sua versão dos fatos? Até que ponto seu passado justifica seu presente?


MINHA OPINIÃO

A história de Firdaus é forte, poderosa e angustiante. A cada novo parágrafo vai ficando claro, para nós, o modo como o machismo de uma sociedade que não dá à mulher direito a nada, nem ao próprio corpo, pode ser danosa e perigosa a mulheres que teimam em reivindicar independência. É impossível não dar razão às ações de Firdaus, depois de acompanhar sua jornada e o tanto que sofreu nas mãos dos mais diversos homens.

“São todos iguais, todos uns canalhas imprestáveis, andando por aí com os nomes mais variados”.

É uma narrativa que produz, assim, uma reflexão muito interessante a respeito do poder feminino sobre o próprio corpo. Especialmente quando o único caminho que parece restar para Firdaus é a prostituição, a autora nos faz pensar sobre até que ponto a prostituição pode ser, ou não, o local de maior liberdade da mulher. Será que é assim, finalmente, que ela é capaz de conquistar sua voz e seu poder sobre o próprio corpo?

A questão da dignidade também é levantada com força, e ficamos nos perguntando até que ponto, de fato, uma prostituta não conserva mais dignidade que aquelas entre nós obrigadas a sobreviver de empregos de salários mínimos que mal são suficientes para pagar as contas. Observando a vida que ela levava como prostituta e como assalariada em uma grande empresa, é difícil discordar que a primeira era melhor que a segunda.

“Eu não passava de uma pequena pedra lançada nesse mar, e empurrada pelas ondas, atirada de um lado para outro, rolando e rolando até enfim ser abandonada em algum lugar na praia”.

É sempre muito complicado criticar algo em um livro que é baseado na história de uma pessoa real. Ainda assim, senti que, depois de ter passado coisas impensáveis nas mãos de homens que de início pareciam dispostos a ajudar, ela se permitir apaixonar-se tão facilmente por um homem que, mais uma vez, não a merecia, foi muito repentino e fez a narrativa perder um pouco da sua versossimilhança. É claro que acontece, mas senti que foi muito rápido. Como leitora, senti que precisava de mais desenvolvimento, de mais tempo, para verdadeiramente acreditar.

A bela edição da Faro foi traduzida do inglês, e não diretamente do árabe, mas, até onde é possível perceber, isso não afetou negativamente o texto. A força e o lirismo da prosa original permanecem, assim como a capacidade que a autora demonstra de nos encantar e alimentar nossa raiva ao mesmo tempo.

O que fica claro, ao final, é que Firdaus é maior do que uma vida; ela é a personificação da luta diária de milhares de mulheres. A própria história e ativismo de El Saadawi escapa pelas páginas e não podemos terminar essa leitura sem querer mais dessa importante força do feminismo no mundo árabe. É uma bela introdução ao lugar da mulher nessa cultura e ao quão danoso o machismo pode se mostrar.

A MULHER COM OLHOS DE FOGO

Autor: Nawal El Saadawi

Tradução: Fabio Albert

Editora: Faro Editorial

Ano de publicação: 2019

Esta ficção é baseada no relato verdadeiro de uma mulher que espera sua execução em uma prisão no Egito. Sua história chega até a autora, que resolve conhecer Firdaus para entender o que levou aquela prisioneira a um ponto tão crítico de sua existência.“Deixe-me falar. Não me interrompa. Não tenho tempo para ouvir você”, começa Firdaus. E ela prossegue contando sobre como foi crescer na miséria, sua mutilação genital, ser violada por membros da família, casar ainda adolescente com um homem muito mais velho, ser espancada frequentemente, e ter de se prostituir… até que, num ato de rebeldia, reuniu coragem para matar um de seus agressores, levando-a à prisão.Esse relato é um implacável desafio a nossa sociedade. Fala de uma vida desprovida de escolhas, mas que em meio ao desespero encontra caminhos. E, por mais sombrio que isso possa parecer, sua narrativa nos convida a experimentar um pouco dessa liberdade encorajadora através das transformações internas de Firdaus.O que acontece com ela é o despertar feminista de uma mulher.A AUTORA: NAWAL EL SAADAWI, 87, é uma escritora, ativista, médica e psiquiatra feminista egípcia. Saadawi foi presa pelo presidente Anwar al-Sadat em 1981 por supostos “crimes contra o Estado”. Ela escreveu muitos livros sobre as mulheres no Islã, e se dedica, em especial, à luta contra a prática da mutilação genital feminina no Oriente Médio. Nawal é tratada como “a Simone de Beauvoir do mundo árabe”.Seus livros já foram traduzidos para mais de 28 idiomas e são adotados em universidades do mundo inteiro. Seus discursos atualmente se concentram na crítica à tentativa de normalizar o que ela considera a opressão aos costumes das mulheres na África e Oriente Médio. Depois de quatro décadas da revolução islâmica, muitos já consideram normais as restrições aplicadas às mulheres, incluindo as próprias mulheres.

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