Com 4 livros publicados entre 2019 e 2021, a série “A Passa-Espelhos” é escrita por Christelle Dabos e já foi lançada integralmente no Brasil pela Editora Morro Branco

Sobre o Livro

Iniciando em “Os Noivos do Inverno”, a Passa-Espelhos é uma série de quatro volumes que acompanha a jovem animista Ophelie, uma museóloga que vive em um universo dividido em arcas, cada uma com um deus familiar representante que determina qual estilo de magia irá predominar para os membros daquela linha hereditária. Como integrante da arca Anima, Ophelie é uma animista capaz de ler objetos com o toque de suas mãos, assim como ela guarda uma habilidade desenvolvida quase que acidentalmente quando criança: Ophelie é uma passa-espelhos, ela consegue utilizar espelhos para ir de um ponto a outro dentro de determinadas localizações territoriais

Apesar das suas habilidades, Ophelie sempre se sentiu deslocada em relação ao resto de sua família e via na figura do tio-avô sua principal fonte de conforto. Contudo, a rotina de Ophelie muda quando, após rejeitar inúmeras vezes o casamento com primos e conhecidos da própria arca, Ophelie descobre que as autoridades administrativas de sua terra natal arranjaram para ela um casamento com Thorn, um intendente da arca Polo, regida pelo deus Farouk, que fica num clima inóspito e que possui um sistema administrativo e social muito diferente do que a arca que Ophelie sempre conheceu. 

No princípio, éramos um. Mas Deus não nos achava suficientes para satisfazê-lo, então Ele começou a nos dividir. Deus se divertia muito conosco, mas logo se cansava e nos esquecia. Deeus podia ser tão cruel e indiferente que me apavorava. Deus também sabia ser carinhoso e eu o amei como nunca amei ninguém.

Sem ter como recusar o casamento, Ophelie parte com sua tia para o Polo, onde conhece seu tempestuoso e frio noivo. Thorn é uma persona non grata na sua arca por lidar com as denúncias, burocracias e fiscalizações e, rapidamente, Ophelie descobre que no Polo, circular em sociedade é sempre um risco eminente de se criar um escândalo, uma inimizade ou um crime. 

Com famílias se degladiando em busca de poder e ameaças por todos os lados, Ophelie vai ter que descobrir como se encaixar em um local tão hostil e distinto de tudo que ela conhecia, assim como terá de lidar com a personalidade de seu noivo e os segredos que, aos poucos, ambos terão de descobrir sobre o próprio mundo e sobre eles mesmos


Minha Opinião

Com uma proposta narrativa bem original e trabalhando com dois personagens tão diferentes do conceito de “herói” que fantasias normalmente possuem, “A Passa-Espelhos” é uma série que em seu começo acerta pelo trabalho detalhado e calmo que dá para o desenvolvimento de seus personagens e das suas histórias. Isso se reflete tanto na exploração das tramas políticos e da revelação de segredos sobre esse universo mágico, quanto também no romance: Thorn e Ophelie não poderiam ser personagens mais distintos e o romance entre os dois, inicialmente contratual, desenvolve-se no típico slow burn que exige bastante paciência dos leitores para ver acontecer. 

É esse começo singelo, lento, mas bem desenvolvido que conquista os leitores e justamente é esse também o calcanhar de Aquiles da série: nos últimos livros, quando o final já principiava a chegar, o fato de as respostas estarem sendo dadas subitamente por conta do final eminente tira o leitor da história, além de ser possível perceber a repetição de certos arcos e uma frustração com a construção de um mistério específico que começou a ser desenvolvido apenas no terceiro volume da série. 

É assim então que a série se consagra em duas frentes: os dois primeiros livros, mais calmos e que firmam a apresentação daquele universo e desses personagens de forma bem desenvolvida, detalhada e bem abordada, e os dois últimos, um pouco mais apressados e com mudanças súbitas de trama que anteriormente – ou com mais tempo – teriam sido reveladas pelo plot com um pouco mais de calma. 

Nesse panorama, de fato, “Os Noivos do Inverno” e “Desaparecidos em luz da lua” podem ser entendidos como os melhores volumes da série. É neles que temos tempo de qualidade para conhecer os personagens que vamos acompanhar até o quarto volume e são esses dois volumes que permitem firmar o encantamento com o leitor. Ophelie, apresentada no primeiro livro como uma personagem muito tímida e retraída, cresce do primeiro para o segundo e vemos seu amadurecimento de forma incisiva. Sua expressão muda conforme ela é vítima das armações políticas que a arca do Polo fornece para ela e acompanhar seu crescimento é sem dúvida um dos melhores aspectos da história. 

Um pouco mais devagar, mas igualmente bem feito, Thorn é um personagem difícil de gostar no começo, mas seus pequenos momentos de quebra de personagem revelam o potencial que existe por trás da persona fria e distante que ele demonstra ser no começo. Fiel aos deveres e com enorme senso de justiça, ver Thorn se revelar um homem apaixonado por uma causa e pelas pessoas que ama é certamente um dos pontos altos da saga como um todo e é muito do que torna os dois últimos livros da série um pouco mais satisfatórios. 

Ophélie avançou devagar. No instante em que os braços de Thorn a acolheram, alto, baixo, esquerda e direita voltaram aos respectivos lugares. Ela encontrara, finalmente, um ponto de referência.

O romance entre esses dois personagens é construído a passinhos de tartaruga, o que é justamente o triunfo dessa história: ambos são personagens que expressam muito pouco o que pensam ou sentem e ver o esforço que eles precisam fazer para se entenderem é empolgante e fascinante. É quase impossível terminar o primeiro livro achando que há algo de bom vindo para esse casal nos próximos, mas milagres acontecem e os dois se tornam, aos poucos, um dos melhores elementos da série. Bons personagens sozinhos e ainda melhores juntos, Thorn e Ophelie são elementos inesquecíveis e o que garantem que o leitor seja capturado do começo até o final, pois há um senso de urgência muito grande em descobrir como que eles vão sair das situações perigosas em que se metem. 

E é justamente no polo das “situações” que enquadra-se a segunda melhor parte da série: o mundo fantástico que a autora criou. Deslumbrante nos dois primeiros volumes e só um pouco atrapalhado nos últimos, esse universo mágico é bem especial e bastante inovador, a separação entre as arcas atiça a curiosidade dos leitores, a presença dos deuses familiares é sempre um mistério e toda a conspiração da trama a respeito de quem foi o criador deste mundo e desses poderes gera muita especulação durante a leitura. O final é que talvez deixe a desejar pela introdução súbita de elementos que podem funcionar como resposta aos mistérios, mas que não entregam tudo que prometeram. Porém, o brilho original ainda está lá e a autora ainda tempera essa concepção mágica com tramas políticas muito bem amarradas

Nesse cenário, é o clima constante de desconfiança e de tensão que mantém o leitor encantado com essa história. Como leitora, lembro de não confiar em nenhum personagem por mais de cinco páginas, pois há sempre alguém disposto a trair a Ophelie ou alguém que ela conhece. Essa incerteza sobre em quem confiar e no que acreditar é um dos maiores pontos da narrativa

É de fato um pouco frustrante que uma trama com tantos personagens bem feitos e com tanto potencial fantástico tenha ficado confusa e apressada nos volumes finais. A Memória de Babel e A Tempestade de Ecos são os dois últimos livros que se beneficiariam de um planejamento de texto um pouco mais centrado e mais calmo. As perguntas são respondidas, mas de forma apressada e sem explorar o potencial que os personagens possuem. Se os dois primeiros livros conquistam cinco estrelas, os dois últimos perdem uma por conta desse planejamento mal direcionado. Ainda há pontos positivos, claro, os personagens seguem carregando a narrativa da melhor forma possível, mas o desfecho precisaria de mais para honrar com tudo que havia prometido anteriormente. 


De todo modo, apesar do final, a série da “Passa-Espelhos” é uma narrativa fantástica, única e muito instigante, que traz dois personagens bem diferentes do conceito de heroísmo que conhecemos. Com um excelente romance e um universo mágico bem especial, a série da “Passa-Espelhos” é uma excelente recomendação para todos que apreciam o gênero fantasia.

A PASSA-ESPELHOS

Autor: Christelle Dabos

Tradução: Sofia Soter

Editora: Morro Branco

Ano de publicação: 2018

Honesta e cabeça-dura, Ophélie não se importa com as aparências. Mas, por baixo de seus óculos de aros largos e cachecol desgastado, a garota esconde poderes únicos: ela pode ler o passado dos objetos e atravessar espelhos. A vida tranquila que leva em Anima se transforma quando Ophélie é prometida em casamento a Thorn, herdeiro de um distante e poderoso clã. Agora, ela terá que deixar para trás tudo o que conhece e seguir seu noivo até Cidade Celeste, a capital flutuante de uma gelada arca conhecida como Polo. Ali, o perigo espreita em cada esquina, e não se pode confiar em ninguém. Sem se dar conta, Ophélie torna-se um peão em um jogo político mortal, capaz de mudar tudo para sempre.

Relacionados

Destaques

Insta
gram

[jr_instagram id='3']

Parceiros