Lançado em 2016 pela Companhia das Letras, A Queda do Céu é um livro de não-ficção que apresenta o relato de Davi Kopenawa gravado e transcrito pelo etnólogo Bruce Albert.

Sobre o Livro

A Queda do Céu, assim como apresenta o subtítulo de sua capa, é o relato de um Xamã yanomami, reunindo assim as palavras de Davi Kopenawa sobre a sua trajetória para se tornar um xamã, os anos de seu trabalho na Funai e as percepções dele e de sua cultura sobre questões ambientais, políticas e culturais.

“Vocês não me conhecem e nunca me viram. Vivem numa terra distante. Por isso quero que conheçam o que os nossos antigos me ensinaram.”

Em extensos capítulos, fotografias, textos de apoio e notas, o livro apresenta a cultura, a rotina e as visões de mundo dos yanomami, bem como as palavras dos xamãs que servem de alerta para aqueles que ainda se recusam a compreender o que já é óbvio: a destruição das florestas acabará não apenas com ela, mas com todos nós.


Minha Opinião

Conheci A Queda do Céu no primeiro semestre da faculdade quando uma professora mencionou o livro em uma palestra. Em seguida, várias vezes vi a referência ao livro seja em seminários, listas de indicação de obras da literatura indígena ou sendo citado como referência em algum texto, artigo ou livro. Foi só um tempo depois que decidi que o leria, principalmente influenciada pelo projeto para ler literatura indígena que foi organizado em abril pela Mayra, do All About That Book. Não tenho o costume de ler livros de não-ficção, mas A Queda do Céu foi uma interessante descoberta.

O livro é dividido em três partes, além de possuir as páginas iniciais dedicadas a introduções escritas por teóricos e as páginas finais voltadas para as notas e os anexos, escritos por Bruce Albert, o etnólogo que coletou os depoimentos de Kopenawa. As três partes do livro se interligam, mas cada uma possui um ritmo diferente no fluxo dos relatos. Davi Kopenawa relata todas as suas experiências como uma criança que cresceu numa região isolada e que foi depois vítima da presença de homens brancos que provocaram um surto de doenças no local, matando vários membros da sua comunidade. Ele então mora por um período numa região cercada por missionários, relatando essa experiência principalmente na segunda parte do livro.

É só quando adulto que Kopenawa vai trabalhar na Funai e passa a interagir de fato com os homens brancos. Essa trajetória é descrita com bastante ênfase em cima de momentos tanto de troca cultural quanto de cruéis amostras do preconceito que afetava a vida de Kopenawa ali. Além disso, conhecemos histórias angustiantes de homens brancos que tentavam invadir a região, que casavam com mulheres indígenas e as abandonavam grávidas ou que simplesmente levavam doenças para essas comunidades e depois iam embora, deixando um rastro de mortos para trás.

Também acompanhamos a dificuldade que era denunciar essas situações, o descaso das autoridades com o que se passava entre os habitantes nativos, o modo como se ignorava casos óbvios de corrupção que só promoviam o genocídio indígena e a morte dos animais e da floresta. É desolador acompanhar o quanto Kopenawa se entristecesse e fica com raiva dessas situações, e cada um desses momentos relatados fazem com que o leitor compreenda o porquê de ele ter se tornado a figura política que ele se tornou.

A segunda parte do livro tem um foco bem interessante na percepção dos yanomami sobre a formação do mundo. Temos com ainda mais força a presença dos Xapiri, que seriam entidades yanomami criadas por Omama, a figura central da cultura deles. Além da apresentação deles sobre como o mundo humano foi criado, tem-se ainda um extenso relato sobre como as missões cristãs interferiram na manutenção cultural dos yanomami e como Kopenawa se desfez dessa influência, que, em vários pontos, acabou nunca conquistando-o por ser passada por homens brancos que se diziam de fé, mas que praticavam tudo aquilo que diziam ser pecado.

“O dinheiro não nos protege, não enche o estômago, não faz nossa alegria. Para os brancos, é diferente. Eles não sabem sonhar com os espíritos como nós. Preferem não saber que o trabalho dos xamãs é proteger a terra, tanto para nós e nossos filhos como para eles e os seus”.

A terceira parte traz um aprofundamento na questão das causas indígenas, da luta de Kopenawa para falar aos brancos sobre os perigos que se encontram em continuar a exploração dos recursos da floresta e aborda também o processo de coleta dos relatos que iriam formar o livro. Há uma parte dedicada a falar das viagens internacionais que Kopenawa fez para falar sobre os yanomami e sua formação como xamã, o que traz um aspecto bem diferente, pois as viagens internacionais acabam abrindo espaço para que ele fale sobre as questões culturais de outros países, como as dos indígenas norte-americanos.

Mais do que uma resenha, meu interesse em falar desse livro é bem mais focado em ser uma indicação. Por ser um livro de não-ficção bastante longo, com extensas notas finais e conteúdos anexos, entendo quem tem receio de dar início a leitura. Tive sim algumas dificuldades no começo por conta da forma como a história é transmitida, pois sendo uma narração transcrita, a narrativa oral vem de forma diferente do que seria se fosse algo exclusivamente escrito. Relatos repetem-se, são redundantes em vários pontos e essa redundância foi estranha no começo da leitura, o ritmo demorou alguns capítulos para finalmente engatar.

“Os brancos se dizem inteligentes. Não o somos menos. Nossos pensamentos se expandem em todas as direções e nossas palavras são antigas e muitas. Elas vêm de nossos antepassados. Porém, não precisamos, como os brancos, de peles de imagens para impedi-las de fugir da nossa mente. Não temos de desenhá-las, como eles fazem com as suas. Nem por isso elas irão desaparecer, pois ficam gravadas dentro de nós. Por isso nossa memória é longa e forte.”

De um modo geral, A Queda do Céu não é uma leitura rápida e exige um foco para que o processo de ler seja apreciado por completo. Contudo, a partir da segunda parte, o modo de descrição dos relatos já se torna familiar e a leitura flui com maior rapidez. Além disso, os temas da segunda parte acabaram se tornando os mais interessantes e foi a minha parte favorita de ler.

É por essa razão que isso só poderia funcionar como uma indicação de leitura. Ler A Queda Do Céu é conhecer todo um universo que a nossa literatura e história ocidental canônica não disponibiliza e frequentemente apaga. É ver os efeitos cruéis e horríveis que a interferência na floresta causa, além de acompanhar episódios de injustiça que são desalentadores.

O livro nos permite ver aquilo que não queremos ver quando vivemos no dia a dia, abre nossos olhos para toda uma cultura do nosso país que não conhecíamos ou não queríamos nos esforçar a conhecer. É uma lição acompanhar a jornada de Kopenawa, e a leitura de A Queda do Céu é uma indicação que todas as pessoas deveriam se abrir para experimentar algum dia. 

A QUEDA DO CÉU

Autor: Davi Kopenawa e Bruce Albert

Editora: Companhia das Letras

Ano de publicação: 2016

Um grande xamã e porta-voz dos Yanomami oferece neste livro um relato excepcional, ao mesmo tempo testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e libelo contra a destruição da floresta Amazônica. Publicada originalmente em francês em 2010, na prestigiosa coleção Terre Humaine, esta história traz as meditações do xamã a respeito do contato predador com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. A queda do céu foi escrito a partir de suas palavras contadas a um etnólogo com quem nutre uma longa amizade – foram mais de trinta anos de convivência entre os signatários e quarenta anos de contato entre Bruce Albert, o etnólogo-escritor, e o povo de Davi Kopenawa, o xamã-narrador. A vocação de xamã desde a primeira infância, fruto de um saber cosmológico adquirido graças ao uso de potentes alucinógenos, é o primeiro dos três pilares que estruturam este livro. O segundo é o relato do avanço dos brancos pela floresta e seu cortejo de epidemias, violência e destruição. Por fim, os autores trazem a odisseia do líder indígena para denunciar a destruição de seu povo. Recheada de visões xamânicas e meditações etnográficas sobre os brancos, esta obra não é apenas uma porta de entrada para um universo complexo e revelador. É uma ferramenta crítica poderosa para questionar a noção de progresso e desenvolvimento defendida por aqueles que os Yanomami – com intuição profética e precisão sociológica – chamam de “povo da mercadoria”.

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