Por onde começar a discutir um filme que já recebeu todos os elogios? Por onde começar a abordar uma história que aconteceu de verdade? Falar sobre Ainda Estou Aqui é muito difícil por inúmeras razões, mas principalmente porque é um filme que transborda.

A direção de Walter Salles e o roteiro de Murilo Hauser e Heitor Loreg trazem para a tela algo quase impossível de se explicar: a pungência de se estar sem rumo. Adrian Teijido assume a fotografia, que ocupa olhos e ouvidos, complementada pela trilha sonora de Warren Ellis.

A sinopse é, por outro lado, bem simples. Acompanhamos a família Paiva no Rio de Janeiro de 1970: Rubens, Eunice e seus cinco filhos. Juntos vivem anos dourados à beira da praia apesar da crescente repressão da ditadura civil-militar. Até que o pai da família é levado pelas forças armadas para depôr – e nunca mais volta. Eunice, por outro lado, é eventualmente liberada, apenas para ter de lidar com a dor na família de uma perda indefinida e reivindicar justiça a um Estado que nega que algo tenha sequer ocorrido.

Acho que primeiramente vale lembrar o que Ainda Estou Aqui não é. O longa não é um documentário: independente de ser baseado na biografia de Eunice Paiva e na experiência de vida do autor (Marcelo Rubens Paiva, filho do casal), há um fio condutor que se confunde com a ficção, e a trama não tem pretensões de se fazer didática. Não espere explicações do passado ou contextualizações – aqui o palco é das emoções. A produção também não é hollywoodiana no sentido tradicional; não é uma trama de vingança, nem cheia de reviravoltas ou dramatizações intensas.

Como é que alguém entra na tua casa, leva o teu marido, leva ele preso e depois diz: “Sumiu”?

Isso dito, Ainda Estou Aqui é uma obra de arte, em sua trama contida e cheia de sutilezas. É uma história que desespera, que tira o fôlego, que arranca lágrimas. Arranca mesmo, porque, quando vemos, já estamos imersos no pânico da situação e é quase impossível entender a força da protagonista a cada decisão que precisa tomar.

E se não posso elogiar a personagem em si, apenas admirar a existência de Eunice Paiva, posso me juntar ao coro de vozes que reverenciam a atuação de Fernanda Torres. Da mesma maneira que a mulher cujo papel assumiu manteve a família de pé, a atriz mantém os olhos presos nela a todos os momentos.

Aliás, já disse, mas volto a dizer, é impossível de desviar os olhos desse filme. São poucos os rompantes de acontecimentos, mas, enquanto sétima arte pura, consegue contar a história da ruptura de 6 vidas, em tom, cores, cenários. Tudo se junta para fazer com que o público sinta a garganta presa desde o primeiro momento em que tudo desmorona, e não deixe de chorar até os últimos instantes – nos quais Fernanda Montenegro, com pouco menos de 10 minutos de tela, consegue arrematar brilhantemente a dor que o filme transmite.

Se é necessário que faça uma ressalva, não o faço ao longa. Faço ao fato de que, por mais essencial que seja a repercussão dessa história, no melhor sentido do contar para não reviver, é preciso ter em mente que isso tudo se passou com pessoas de muito dinheiro, com oportunidades muito pouco limitadas. Então, sem desmerecer a importância de que isso seja discutido, e que o que aconteceu na ditadura ganhe a proporção mundial que tomou nos festivais de cinema, é preciso lembrar que está sendo retratada uma realidade muito específica.

Eu já volto.

Não me lembro de um filme que tenha me feito compartilhar tão profundamente o luto de seus personagens, um luto repleto de camadas e complexidades, permeado pelo não saber. Poderia dizer muito mais, mas escolho encerrar esse texto compartilhando como foi o final da transmissão na sessão de cinema em que fui: com quase nenhuma cadeira disponível, podia só se ouvir alguns barulhos de choro, até que todos aplaudiram.

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Diretor: Walter Salles

Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Humberto Carrão, Bárbara Luz, Valentina Herszage, Fernanda Montenegro

Ano de lançamento: 2024

No início da década de 1970, o Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família Paiva – Rubens, Eunice e seus cinco filhos – vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece.

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