Anita, do autor Thales Guaracy, foi publicado no Brasil em 2017 pela editora Record.

SOBRE O LIVRO

Convido vocês a fazermos uma viagem ao Brasil de 1845. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, imperava o clima bélico: estavam todos prontos para a Guerra dos Farrapos, que se arrastaria por dez anos e que oporia tropas imperiais e tropas gaúcho-catarinenses. Se focamos na cidade de Lages (SC), veremos uma típica família imperial brasileira: uma mãe que, após a morte do marido, se vê forçada a casar (ou vender?) sua filha de 14 anos com um sapateiro que a maltrata para poder sustentar o restante da família.

“Aqui me chamam de Aninha do Bentão, disse ela. Seu nome então é Ana, disse ele. Na Itália, quando temos carinho por uma Ana, ela fica sendo Anita. Ah, pode ser Anita, então: ela finalmente sorriu, satisfeita que ele a visse com outro nome, ou como outra pessoa (…). Anita era sua verdadeira identidade, a mulher que via dentro de si mesma. Anita, repetiu em voz alta, e em silêncio, pensou: Anita Garibaldi.”

Nesse retrato familiar, vemos Aninha do Bentão, que repugnava seu marido sapateiro. Uma moça que sonhava em escapar da realidade em que vive e que acaba fugindo de sua casa para lutar na Guerra dos Farrapos, onde conhece o amor de sua vida, Giuseppe Garibaldi. Nesse contexto, Thales Guaracy nos contará a vida de Aninha do Bentão, que se tornou Anita Garibaldi, a “heroína dos dois mundos”. A viagem proposta pela obra passará pela vida de Anita, por sua relação amorosa com Giuseppe e seus atos de guerra em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e na Itália. Mas será que estamos todos prontos para embarcar nela?


MINHA OPINIÃO

Em minhas leituras, as formas da escrita dos autores sempre afetam muito meu ritmo de leitura. Em Anita, Guaracy conseguiu chegar ao ponto de tornar uma situação tão desumana quanto a guerra em poesia pura: tanto nos momentos de romance, quanto nos momentos de combate, somos tomados por essa escrita inebriante, que dá aquela leve vontade de devorar o livro todo em um dia só.

“Com Anita, Giuseppe não precisava abandonar seus sonhos, porque eram os sonhos de ambos. Um dia, tudo poderia acabar com uma bala qualquer, mas toda vida acaba um dia, de uma forma ou de outra; seria melhor, nesse dia, que tivesse vivido plenamente.”

Porém, um livro que se propõe a nos levar a uma viagem histórica não se sustenta apenas com poesia. É preciso ter um mínimo de verossimilhança com a história do nosso país, assim como com a história italiana, para criar tal enredo. E percebi – com muita felicidade! – que Thales Guaracy fez essa tarefa com maestria! Enquanto ele pinta o quadro geral do livro, também dá pinceladas do contexto histórico, para compreendermos melhor como e porque aconteceram a Guerra dos Farrapos e a guerra pela independência da Itália. E, além disso, o autor não se esquece das minorias (como é muito comum, diga-se de passagem): ele nos lembra, em dados momentos, da presença dos lanceiros negros na Guerra dos Farrapos, assim como nos (re)lembra da importância das mulheres na história.

Enquanto professor de história, eu com certeza o utilizaria em sala de aula de forma didática, até porque ele conta com pouco mais de duzentas páginas. E, como eu falei, ele toca numa questão que me é muita cara: a presença das mulheres na história. O movimento de procurar e analisar as relações de gênero, assim como a presença feminina, é muito recente na disciplina. Assim, esse tipo de recorte é um tanto marginal, assim como os recortes de sexualidade. Me parece muito interessante que o autor tenha escolhido narrar justamente a vida de Anita, e não de Giuseppe! Afinal, ela foi tão importante quanto ele – e é impossível falar de um sem falar do outro.

Nesse sentido também acho que ele operou outra situação com maestria: Guaracy nos mostrou mesmo os limites das mulheres naquele contexto. O romance não é uma narrativa idealista sobre como as mulheres deveriam ter sido vistas, mas sim sobre quais eram as possibilidades da Anita naquele momento. Assim, colocam-se questões da época que são, ainda, muito atuais: por que não temos (muitas) mulheres nas carreiras militares? Como conciliar a maternidade e o trabalho (ou a vida!)? Como alcançar uma maior igualdade entre os gêneros?

“Amaldiçoou a natureza humana, egoísta, insensata e atroz; para combater a bestialidade do homem, o bem toma o mesmo molde do mal; a defesa da civilidade se dá com a mesma selvageria. Seria mais fácil os homens se espelharem nas crianças: nelas estava a resposta, a sabedoria que tanto se procura; fazemos da existência uma enorme e sofrida elipse para concluir que é necessário voltar ao primordial.”

Há, porém, uma questão que me incomodou um pouco: a falta de capítulos. Em um livro de duzentas páginas, temos pouco mais que cinco divisões claras de narrativa, e isso atrapalhou a minha leitura. Se eu tivesse sentado e lido todo o livro em um momento só, não haveria problemas. No entanto, não vivemos mais o estilo de vida que nos permite fazer isso, porque no momento atual do capitalismo lutamos contra o tempo: “Tenho que pegar o ônibus, tenho que ir trabalhar, tenho que ir para a faculdade”. Assim, penso que uma divisão por capítulos tornaria a leitura mais gostosa, pois não me faria parar no meio de uma narrativa para recomeça-la novamente quatro horas depois.

Apesar dessa pequena crítica quanto à estrutura do romance, não posso deixar de elogiar todo o cuidado tido com ele. A Editora Record fez um trabalho muito bom com a capa e com a diagramação, que completaram a maravilhosidade que é esse livro. Tá mega recomendado, viu?

ANITA

Autor: Thales Guaracy

Editora: Record

Ano de publicação: 2017

Um romance sobre coragem, um romance sobre Anita Garibaldi. Neste romance repleto de beleza literária e cores realistas, tão chocante quanto maravilhoso, tão particular quanto universal, Thales Guaracy olha Anita pelos olhos de Giuseppe Garibaldi, a única pessoa que testemunhou por completo a vida da revolucionária. E assim desvenda e nos apresenta, com estilo único, pessoal e emocionante, a mulher que se atira sozinha sobre o exército inimigo; que corta os cabelos do marido por ciúme e o ameaça com um par de pistolas; que abandona os próprios filhos entre desconhecidos para atravessar um país conflagrado, escondida sob as cartas de um carro de correio, até uma cidade sitiada. E que aprendeu que “as causas perdidas são as mais certas”, tornando-se uma das mais extraordinárias personagens da história, considerada a “heroína de dois mundos”, precursora e símbolo do feminismo, representação de mulher forte e independente.

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