baleaaazul

“Baleiazzzul é brincadeira com a palavra e com as suas sonoridades. É brincadeira, também, com os muitos tempos que se cruzam em um livro: o tempo do escritor, o tempo das personagens e, ainda, o tempo da história que acontece dentro da história. É um labirinto que nos leva a atravessar séculos, de um lado para o outro, por conta do gosto de ouvir e de contar histórias, de fazer das palavras uma diversão.”

Não sabia nada da história, desconhecia o autor, não encontrei resenhas. Ainda assim, esse parágrafo da sinopse foi suficiente para despertar minha curiosidade. A leitura, uma agradável surpresa. De uma forma não linear, nos é narrado a história de cinco amigos – Tom Oriundo, Cartolina Filipeta, Pastilha Bubônica, Escaleno Profícuo, Jubileu Desdém –que fazendo jus aos seus nomes, são figuras caricatas, com atitudes estampadas, personalidades muito definidas, e que realizam ações que culminam em momentos cômicos. O tempo todo.

No início, temos a integração de Tom no grupo de amigos, que chega pela primeira vez depois de ser cuspido – em uma bela forma de nascimento – pela Palavra. Já aqui percebe-se a estranheza do universo da história: seres humanos, animais e objetos inanimados convivem e conversam entre si, tendo ainda a presença de seres ininteligíveis, como a Palavra e o Tempo. Em um primeiro momento, isso causa um escape para o riso. O problema – ou seria solução? – é quando essas discussões começam a fazer sentido.

A trama é narrada em terceira pessoa, e em alguns momentos, aparentemente deslizes, a história é contada em primeira pessoa. A principal ocupação dos amigos, sendo ainda crianças (ou adolescentes, não se sabe ao certo), é brincar com as palavras. Eles separam, classificam, criam neologismos, até desenvolverem uma linguagem própria, onde os significados são deturpados, distorcidos, manipulados. Em meio à essa brincadeira, um dos amigos resolve contar uma história – “A Condessinha Fedida”.

Nessa história dentro da história, que se passa há mais de quinhentos anos, vemos alguns dos cinco amigos refletidos, como, por exemplo, a própria protagonista, a tal Condessinha, tomando atitudes que a senhorita Cartolina toma(ria) no presente. Passamos a acompanhar duas linhas narrativas: a do presente, em que os amigos ouvem a história contada por Tom, e a do passado, onde conhecemos a Condessinha. É a partir daí que subimos a um novo nível: as linhas temporais começam a se misturar.

Dentro da história do passado vemos amigos no futuro contando uma história. No momento seguinte a Condessa viaja no espaço e vai parar em um tempo diferente, chegando lá na forma de uma gigante baleia azul. Personagens começam a se metamorfosear. O livro se torna um rio que corre em todas as direções, com personagens mergulhando aonde bem entenderem. O autor interfere na própria história para tentar retomar o fio da meada, mas é impedido pelos seus personagens que pretendem contar a história. A trama termina pelo menos três vezes antes de chegar ao fim.

baleiazzzzzul

Quando a palavra fica enroscada na garganta.

Tudo parece ser um sonho bem maluco, certo? Pois vejamos sobre o autor:

“Sergio Zlotnic é doutor em Psicanálise pelo Instituto de Psicologia da USP, clinicando em consultório particular desde 1981. Seu primeiro conto foi publicado na Revista A+, do Colégio Equipe, em 1974. Desde então, e até aqui, fez-se um hiato do tamanho do Grand Canyon, só transposto por grandes saltadores.”

É após terminar o livro que talvez possamos ter uma ideia de qual foi a intenção. O livro é uma grande brincadeira: com as palavras, com as linhas temporais, e principalmente com o leitor. Ficou claro, pelo menos para mim, que a leitura foi conduzida de duas formas: ora o livro era o paciente no divã, se abrindo, contando seus segredos; ora o paciente era eu, sendo manipulado, jogado de um lado para o outro dentro da trama, ricocheteando nos personagens.

A história possui um desfecho que, apesar de todas as voltas da história, consegue voltar ao início e amarrar a ponta solta – creio que não seja mais de uma – apresentada no começo do livro. O que mais gostei dessa leitura, além das situações absurdas e dos risos provocados, é que se trata de uma situação que eu me vejo possivelmente sonhando. Dá para sentir que estamos dentro da cabeça de alguém – quem sabe do autor.

Não é um livro que proporcionará uma moral da história, teorias para se discutir, continuações para se esperar. É um livro de sensações, em sua maioria confusas. Se você ainda não se sentiu tentado a encarar a leitura, segue mais um motivo: o livro é lindamente ilustrado por Marcelo Cipis, que mostra de forma lúdica as situações impensáveis do livro.


BALEIAZZZUL

Autor: Sergio Zlotnic

Editora: Hedra

Ano de publicação: 2014

Tom Oriundo, Cartolina Filipeta, Pastilha Bubônica, Escaleno Profícuo, Jubileu Desdém—esses são os nomes dos cinco amigos que, juntos, descobrem o poder mágico da narração, e as inúmeras teorias que nascem a partir dela. Teorias que buscam compreender o mundo, a língua, a vida, a alma, o tempo, mas também as coisas mais simples e triviais. Você sabia, por exemplo, que o sapo é poliglota? Ou que as palavras de dentro do livro dormem enquanto não são lidas? Ou que a música é uma palavra lotada de som? Seguindo as surpreendentes teorias de Cartolina e os engasgos de Tom, encontramos muita coisa dentro deste livro— inclusive outros livros, cujas páginas escondem portas e segredos.

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