Contos de Assombro é uma coletânea de dezoito contos e um ensaio de dezenove autores distintos, selecionados por Alcebíades Diniz, que também é responsável pelo posfácio. É um lançamento de 2018 da Editora Carambaia.

SOBRE O LIVRO

Nesta seleção de Alcebíades Diniz, encontramos dezenove textos de autores importantes do século XIX e XX: O Cachorro, de Ivan Turguêniev; Notícia de Um Homem Conhecido ou O Diabo em Berlim, de E. T. A. Hoffmann; O Sopro, de Luigi Pirandello; Janet, a Troncha, de Robert Louis Stevenson; O Álbum do Cônego Alberico, de M. R. James; Uma Jaula de Animais Ferozes, de Émile Zola; O Diabo é Tom Walker, de Washington Irving; O Arame Farpado, de Horacio Quiroga; A Paz, de Leonid Andrêiev; Pavor, de João do Rio; A Mulher no Espelho, de Virginia Woolf; O Juramento, de Humberto de Campos; A Plenitude da Vida, de Edith Warthon; O Pacto Infernal – Pequeno Romance, de Charles Nodier; O Espelho Negro, de Leopoldo Lugones; O Soldado Jacob, de Medeiros e Albuquerque; Irmã Aparición, de Emilia Pardo Bazán; Um Sonho, de Edgar Allan Poe e o ensaio Adeus, Mistérios, de Guy de Maupassant.

“Os dezoito contos apresentados nesta coletânea buscam mapear múltiplas tendências dessa literatura calcada no sobrenatural, inexplicável, em seu momento de apogeu: entre o início do século XIX e as primeiras décadas do século XX”.

É uma coletânea em que serão abordados as mais diferentes interpretações do que é o “Assombro”, caminhando por tratados com o Diabo, cachorros que parecem possuídos, diálogos no pós-morte e até mesmo abismos reflexivos a partir de encontros com espelhos. Cada um desses autores tem uma produção bastante distinta, alguns conhecidos por escrever histórias sobrenturais, como Edgar Allan Poe, enquanto outros costumam escrever uma prosa mais realista, normalmente, como é o caso de Virginia Woolf e João do Rio.


MINHA OPINIÃO

Justamente por ser a união de escritores e temas tão diversos, cada texto tem suas particularidade e suas interpretações sobre o universo do sobrenatural, de modo que dificilmente o leitor será igualmente conquistado por todos eles; cada um terá, inevitavelmente, seus favoritos. Mesmo assim, são todos textos excelentes, durante os quais somos levados a repensar nosso conceito de real e somos constantemente surpreendidos pelas formas como cada autor interpreta o tema. E, talvez, seja exatamente essa grande diversidade que faça com que seja um livro tão poderoso, enquanto conjunto.

Achei especialmente interessante que a seleção tenha incluído também autores brasileiros, mostrando que dialogamos com o mesmo grau de importância e qualidade literária com os autores estrangeiros aqui presentes. A coletânea une, na verdade, diversos países, de modo que temos um panorama poderoso da produção literária deste período, ao mesmo tempo em que vemos contos de estilos e interpretações bem diversos, mesmo sendo de autores de mesma origem.

É claro que alguns contos são bastante datados, principalmente no que tange a ligação racista entre o Diabo (e aspectos demoníacos em geral) com o homem negro, assim como o machismo e desconsideração geral pela mulher. Mas são aspectos que não chegam a ser representativos do que traz cada um desses contos, e são menos representativos ainda quando consideramos a coletânea como um todo.

“A besta, presa de estupor, ficou um instante atônita e tremendo”.

Três contos mereceram, para mim, especial destaque: (1) Pavor, do brasileiro João do Rio; (2) Uma Jaula de Animais Ferozes, do autor francês Émile Zola e (3) O Cachorro, do escritor russo Ivan Turguêniev.

O conto “Pavor” é um dos mais perturbadores da coletânea, pois João do Rio consegue, de fato, nos transmitir a sensação de pavor que toma um personagem que, no escuro, começa a ouvir sons suspeitos e luta contra o medo de descobrir que o que o aguarda possa ser ainda pior do que ele já está imaginando. Mesmo que, mais de 100 anos depois, seja um pouco mais fácil iluminar um ambiente, quem nunca olhou para um corredor escuro e se pegou imaginando o que as trevas escondem?

Já em “Uma Jaula de Animais Ferozes” Zola nos conduz por uma caminho bem diferente. Pois o assombro que está em jogo aqui não é propriamente o dos filmes de terror, mas o da realidade humana. Contada pela perspectiva de animais que tem a oportunidade de escapar do Zoológico e conhecer como os humanos vivem fora dali, vemos a sociedade francesa do século XIX por outros olhos e somos confrontados com o horror que nossas ações supostamente civilizadas provocariam no reino animal e levados a refletir sobre onde está a verdadeira fera, afinal.

“Para o meio de que feras você me trouxe? — perguntou. — Matam sem ter fome… Pelo amor de Deus, vamos nos afastar logo dessa multidão.”

Dos três, o conto “O Cachorro” está, sem dúvida, mais próximo das histórias de terror com as quais estamos acostumados. A narrativa começa com um grupo contando histórias de episódios próximos do sobrenatural pelos quais passaram, mas rapidamente é monopolizada por um convidado em especial, que possui uma história bem particular, envolvendo um cão, um aviso e um episódio surpreendente. O leitor certamente lembrará de histórias como Cujo lendo esse conto.

Outro coisa importante a ser lembrada é que o ensaio e, principalmente, o posfácio são essenciais para compreendermos a fundo o ponto da coletânea, pois demonstram o quão diverso pode ser esse mundo do assombro e defendem muito bem a qualidade da literatura de assombro, frente àqueles que gostam de desprezá-la. Não é a toa que a coletânea mistura autores reconhecidos pelo trabalho nessa área com nomes mais conhecidos por sua dita Alta Literatura, nomenclatura esta que já é em si bem problemática.

Em uma tiragem limitada a 1.000 exemplares, todos numerados à mão, esta edição é bem especial. Não só representa um excelente trabalho de seleção e tradução, como a capa dura, a escrita em roxo (no mesmo tom da capa) e cada pequeno detalhe são trabalhados para que a experiência do leitor seja única. É um livro imperdível para quem valoriza um bom trabalho de edição e projeto gráfico.

E, mesmo aqueles que não são necessariamente apegados a edições especiais, irão encontrar aqui excelentes contos, capazes de mudar de fato nossa perspectiva sobre o que pertence ou não ao terreno do terror, especificamente, e do fantástico, falando mais amplamente. Para quem gosta de narrativas curtas e variadas, é um prato cheio.

CONTOS DE ASSOMBRO

Autor: Alcebíades Diniz (seleção)

Tradutores: Ari Roitman; Fábio Bonillo; Ivone Benedetti; Maria Aparecida Barbosa; Maurício Santana Dias; Paula Costa Vaz de Almeida; Paulina Wacht; Tamara Sender

Editora: Carambaia

Ano de publicação: 2018

Contos de assombro é uma coletânea de dezoito narrativas e um ensaio que procura abordar a literatura fantástica e de mistério fora dos nichos de gênero, como um convite a um público mais amplo que o habitual. O inesperado está presente não apenas como temática, mas também na inclusão de autores clássicos reconhecidos por outras filiações, como Émile Zola, Edith Wharton, Ivan Turguêniev, Luigi Pirandello e Virginia Woolf. Em todos eles se encontra a sensação de assombro – seja por meio de uma sátira sobre a crueldade do ser humano, caso da narrativa implacável de Zola, ou pela descrição minuciosa de um único gesto refletido num espelho, no delicado conto de Woolf. Um dos recortes que orientaram a escolha dos contos da coletânea é temporal: todos foram escritos entre o início do século XIX e as primeiras décadas do século XX, apogeu da produção literária de mistério em seu período pós-gótico, como explica no posfácio Alcebíades Diniz, pós-doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Há histórias de fantasmas, de buscas da eternidade, descrições próximas a pesadelos, especulações sobre a natureza do mal, inversões de expectativas – tudo aquilo que desafia o conforto da razão. Em Contos de assombro se encontra o substrato ficcional que mereceu a atenção de pensadores como Kant, Freud e Todorov e que, de certa forma, remonta à própria origem da literatura no que ela tem de tributo aos mitos e às narrativas orais.

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