Sombra-dovento

 O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele.

Ano passado eu ganhei de presente um livro chamado O Nome do Vento, e instantaneamente A Sombra do Vento pipocou na minha memória. Eu não sei exatamente quando eu li esse livro, sei que foi nos meus anos de juventude, nos quais eu recorria a pobre biblioteca de São Sepé para buscar livros, pois lá não haviam livrarias os vendendo e eu não tinha dinheiro, então era a única opção.

Tenho certeza que ele faz parte dessa época da minha vida porque não tinha ele em mãos, e hoje, todo livro que eu quero ler, ou gosto eu procuro comprar para ter no meu acervo pessoal. Mas não foi o fato de eu não o ter que me incomodou. Foi o fato de eu ter o sentimento de que ele tinha sido um livro muito importante pra mim, mas de não ser capaz de lembrar de detalhes da história e me sentir segura a falar sobre ele.

Então, dei uma pesquisada e descobri que há mais dois livros, que formam uma trilogia, cada um narrando uma história diferente que em algum momento se cruzam com os personagens ou locais desse livro. Resolvi então rele-lo, e comprei ele junto com Cidades de Papel, em fevereiro.

A Sombra do Vento (2001) é um livro narrado em primeira pessoa, por Daniel Sempere, um garoto de dez anos, que acorda na véspera de seu aniversário sem conseguir lembrar do rosto da mãe, que morreu quando ele era muito pequeno. Daniel mora com o pai, e ambos cuidam juntos da livraria da família. O pai de Daniel o leva então a um lugar secreto na cidade, o qual, tem passado de pai para filho por gerações.

Se trata do Cemitério dos Livros Esquecidos, um labirinto gigantesco de prateleiras cheias dos mais diversos e raros livros. O menino se encanta, e o pai lhe diz que ele pode escolher um livro para se tornar guardião e levar consigo. Percorrendo os inúmeros corredores do labirinto, Daniel escolhe A Sombra do Vento, um romance de um autor desconhecido chamado Julián Carax. Após lê-lo o menino quer saber mais sobre o autor e começa uma buscar por informações, e outras obras do mesmo. Ao se encontrar com um livreiro amigo de seu pai, Daniel descobre que os livros de Julián estão quase extintos e que alguém vasculhou o mundo atrás dos exemplares, comprando-os e os queimando em seguida, fazendo com que o livro que ele possui seja um dos últimos existentes.

Passam-se quase seis anos até que Daniel volte a ter informações sobre o seu autor preferido, quando um figura misteriosa, que lembra um dos personagens do livro o procura para comprar o exemplar, que ele possui. O garoto, agora com 16 anos fica assustado e começa uma busca desesperada por informações que o façam descobrir porque há alguém querendo destruir todas as obras de Julián, e quem é esse homem que o anda vigiando.

“Quis corresponder, mas tinha ficado paralisado. A figura voltou-se e vi-a afastar-se coxeando ligeiramente. Noutra noite qualquer talvez mal tivesse reparado na presença daquele estranho, mas assim que o perdi de vista na neblina senti um suor frio na fronte e faltou-me a respiração. Tinha lido uma descrição idêntica daquela cena em A Sombra do Vento. No relato, o protagonista assomava todas as noites à varanda à meia-noite e descobria que um estranho o observava das sombras, fumando com abandono. O seu rosto ficava sempre velado na escuridão e só os seus olhos se insinuavam na noite, ardendo como brasas. O estranho permanecia ali, com a mão direita enfiada no bolso de um casaco preto, para depois se afastar, coxeando. Na cena que eu acabava de presenciar, aquele estranho poderia ser qualquer noctívago, uma figura sem rosto nem identidade. No romance de Carax, aquele estranho era o diabo.”

Situado nos anos 40, em Barcelona, logo após o fim da Guerra Civil Espanhola, no meio de um regime ditatorial, onde as autoridades abusam do poder e o direito a liberdade de expressão não é respeitado, o livro conta a história de um menino em busca de explicações que ninguém sabe dar. Envolto a seus próprios problemas, família, amigos e romances, o garoto não esquece seu objetivo e vai em busca desse misterioso autor que alguém está tentando apagar da história.

Usando uma linguagem poética, e com um enredo cheio de reviravoltas e mistérios que se encaixam perfeitamente ao longo da leitura, Carlos Ruiz Zafón – o autor- nos apresenta uma história completamente plausível e que poderia ser real. Os personagens são todos muito humanos, bem construídos, e conseguimos sentir suas angustias e medos conforme nos afundamos no universo do menino Daniel.

“A maneira mais eficaz de tornar os pobres inofensivos é ensiná-los a quererem imitar os ricos. É esse o veneno com que o capitalismo cega…”

Fiquei muito feliz em ter podido ler novamente essa obra, e então compreender o porque ela ficou marcada em mim. O livro é fantástico e foi lido em apenas dois dias, pois no momento em que se começa a desvendar o mistério por trás de Julián Carax é realmente difícil parar de ler. Agora vou atrás dos outros dois livros, chamados O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu, para completar minha experiência com essa história (:

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A SOMBRA DO VENTO

Autor: Carlos Ruiz Zafón

Editora: Suma de Letras

Ano de publicação: 2007

Tudo começa em Barcelona, em 1945. Daniel Sempere está completando 11 anos. Ao ver o filho triste por não conseguir mais se lembrar do rosto da mãe já morta, seu pai lhe dá um presente inesquecível – em uma madrugada fantasmagórica, leva-o a um misterioso lugar no coração do centro histórico da cidade, o Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar é uma biblioteca secreta e labiríntica que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de que alguém as descubra. É lá que Daniel encontra um exemplar de ‘A Sombra do Vento’, do também barcelonês Julián Carax. O livro desperta no jovem e sensível Daniel um enorme fascínio por aquele autor desconhecido e sua obra, que ele descobre ser vasta. Obcecado, Daniel começa então uma busca pelos outros livros de Carax e, para sua surpresa, descobre que alguém vem queimando sistematicamente todos os exemplares de todos os livros que o autor já escreveu.

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