LoveStar é uma ficção científica do islandês Andri Snaer Magnason. Foi lançado em 2018 pela editora Morro Branco.

SOBRE O LIVRO

Dono de uma grande empresa do ramo tecnológico, o ambicioso dr. LoveStar faz uma grandiosa descoberta que revoluciona a telecomunicação humana. Usando pássaros como transmissores de frequência, aos poucos o mundo vai se vendo livre de equipamentos com cabos e fiações. Assim, o consumismo e a alta tecnologia se tornam ainda mais difundida no dia a dia das pessoas. Com essa inovação, inumeras outras vieram em seguida, como anúncios implantados diretamente no cérebro das pessoas, conexão o tempo todo com a rede e muito mais.

Mas mesmo com todas as criações e inovações, LoveStar está inquieto. Ele quer descobrir a última ideia, a ideia primordial e suprema de todo o mundo. Se conseguir, sua missão estará completa. E, depois de muita procura, pode ser que finalmente o dia para esta descoberta tenha chegado. A questão é: o que ela trará de bom para a humanidade que já não tenha sido oferecido?

“Cada oportunidade abandonada era um peso no presente. Mas essa não é toda a história. No futuro havia milhões de novas escolhas possíveis e milhões resultante de cada uma dessas milhões. Por fim, quando uma escolha era feita em detrimento de outra, algo um tanto notável ocorria: tudo o que não era escolhido era convertido em arrependimento.”

Enquanto LoveStar vai de encontro ao seu objetivo, o casal Indridi e Sigridi se veem em apuros ao serem confrontados pelo REGRET, um programa que calcula pares perfeitos com base em gostos, ideias e genética. E agora, um deles foi calculado para outro parceiro romântico, do outro lado do país. Desesperados, Ingridi e Sigridi decidem lutar com todas as forças contra o sistema e não se separarem. Decidem lutar pelo amor verdadeiro que sentem um pelo outro. Mas esta luta não será fácil e muitos problemas surgirão, tentando afastar cada vez mais o casal.


MINHA OPINIÃO

Se tem uma palavra que define bem este livro é peculiar. Ou eu deveria dizer “perturbador”? E porque não as duas? Pois pode acreditar, ao mesmo tempo que o universo criado pelo autor nos fascina por sua inovação tecnológica e científica, também nos assusta e muito, com a proximidade do mundo atual. Não é a toa que falaram por aí que Lovestar “era muito Black Mirror”, pois a diferença entre a obscuridade da trama e dos episódios da série são bem sutis.

Magnason nos proporciona uma distopia diferente das convencionais, ao mesmo tempo que renova a ficção científica sem trabalhar a mesmice de naves espaciais, robôs e os clichês mais conhecidos. Assim como a série Black Mirror, na trama de Lovestar há críticas ácidas e enérgicas ao mundo consumista, 24 horas online, politicamente correto e sedento por poder. E o modo como ele faz isso é nos apresentar duas histórias paralelas. Na primeira, acompanhamos a obsessão do senhor Lovestar em descobrir sempre algo novo, nunca parar de criar. Ele gosta de deixar as ideias consumirem ele, para depois passar elas para outra pessoa e assim ser “possuído” por uma nova e mais ambiciosa. Já no outro extremo da narrativa, temos um casal lutando para ficar junto em favor do amor verdadeiro, enquanto o resto do mundo fica cada vez mais dependente da tecnologia pra tudo: nascer, aprender, se divertir, casar… e morrer!

“Uma ideia é um ditador. Sequestra o cérebro, põe sentimentos e memórias de lado, faz você ignorar amigos e relacionamentos e orienta você na direção de um único objetivo, o de lança-la no mundo.

Lovestar é um personagem bem estranho. Ele aparenta ser mais recluso, quieto, mas com a mente fervilhando de ideias e possíveis criações. Seu império começou muito cedo, com uma pequena ideia, mas que aos poucos foi ganhando proporções e abrangendo o mundo todo. Em poucos anos, todo mundo conhecia o nome de Lovestar. Ele é quase um deus na terra, o novo Jobs, o novo Einstein. Suas criações estão por todo o lado: anúncios diretamente implantados na mente do usuário, sistema de pontos como créditos no lugar de dinheiro, acesso imediato a qualquer informação em qualquer lugar, e por aí vai. Passa mais tempo na empresa do que com sua esposa. Lovestar vive em função dos outros, não de si mesmo.

Já o casal Indridi e Sigridi da trama chama a atenção pela “desconexão” com o mundo em que vivem. É como se os dois fossem “alienígenas hippies” vivendo em planeta comandado pela alta tecnologia. Eles não fazem parte completamente do sistema, amam-se de verdade e descartam qualquer possibilidade de serem “calculados” para seus pares perfeitos. Diante desse cenário, podemos observar que já aqui o autor faz uma reflexão sobre a sociedade moderna: quando tudo pode ser decidido por números, algoritmos e dados digitais ou aplicativos de relacionamentos, ainda sobra espaço para algo tão ínfimo – mas arrebatador – como o amor verdadeiro? Podemos substituir nossas emoções por matemática pura em todos os sentidos?

“Amor, Deus, flores, pássaros, borboletas e abelhas. Tudo tem substância. O sobrenatural não existe. Sempre encontramos tudo o que procuramos. Em cada canto do mundo as pessoas, seja qual for o motivo, fazem orações. As preces devem ter um destino. Isso não é mais louco que o amor, é?”

Quando se gosta de ficção científica há muito tempo, alguns paralelos não passam despercebidos. A ideia de anúncios que “brotam” na mente do usuário, que são completamente direcionados ao perfil exato de consumidor não é uma novidade. Philip K. Dick já explorou essa ideia em alguns contos, como “Argumento de Venda”, onde anúncios de produtos são constantemente disparados aos usuários. Outras ideias de Magnason, por mais absurdas que possam parecer, já existem na atualidade, como aplicativos de relacionamento, sistemas de pontuação de créditos como moeda (porque não também mencionar as cripto moedas?). O que dizer então de empresas que – de forma omissa – monitoram cada passo dos usuários na rede para conhece-los cada vez melhor (Google? Facebook? Alguém mais?)? E o mais bacana de tudo isso, é que o autor já imaginava essas coisas lá em 2004, quando a internet ainda engatinhava no modo discado.

Achei bacana como o autor constrói as críticas ao mesmo tempo em que nos leva a conhecer os dois lados da moeda. Enquanto Lovestar é calmo e seguro, focado em encontrar uma ideia que nunca antes fora descoberta ou criada, também acompanhamos o casal Indridi e Sigridi vivendo cada vez mais pressionado, esgotado e forçado a se curvar perante o sistema. De um lado, tudo é paz e perfeição, do outro lado, é caos e desgraça. E as coisas vão ficando cada vez mais tensas conforme se encaminha para o final, pois o criador desse mundo altamente tecnológico aparentemente encontrou a última grande ideia do mundo. Porém, com todo o sistema sobrecarregado, quais as consequências dessa última inovação? Será que Lovestar criaria a primeira – e bem sucedida – utopia?

“As pessoas ficavam eternamente esmagadas no presente, pelo peso do futuro, por cima da pressão do passado, e as coisas não melhoravam nada. As escolhas se multiplicavam e o arrependimento aumentava em relação direta até que as pessoas não conseguiam mais se mover e se embaraçavam numa rede invisível.”

Por este motivo  a trama do livro se mostra perturbadoramente atual. Escrita há 14 anos, onde a maioria das tecnologias atuais nem existia ainda, o autor já conseguia fazer uma grande síntese do mal que a tecnologia desenfreada poderia proporcionar.  Alertava também para a crescente dependência que teríamos da conexão 24 horas na internet, nossa insassiável busca pelo ‘mundo ideal’ e pela acomodação que o consumismo nos proporcionaria. Na verdade, se observarmos bem, há algum tempo vários autores tem escrito histórias com esse background. Jogador Número Um, de Ernest Cline e recentemente adaptado para o cinema, bate na mesma tecla: um futuro onde o consumismo esgota os recursos naturais e o que sobra é viver um mundo ilusório proporcionado pela alta tecnologia, pois o mundo real se tornou feio e triste.

Sem dúvida foi uma das melhores leituras que fiz em 2018 e vale a indicação para todo mundo que ama ficção científica, distopia, ou mesmo procura por livros que discutem questões existenciais / tecnológicas. O receio que eu tinha em ler o livro e me deparar com um romance bobo se quebrou logo no começo quando comecei a perceber a “bizarrice” que era aquele mundo futurista. Já de início absorvemos o tom obscuro da história e junto com o Lovestar vamos caminhando para um final assustador – porém puramente crível. E, ao mesmo tempo em que tememos pelo futuro do mundo, também aprendemos com Indridi e Sigrid que é possível lutar contra o sistema, se manter íntegro, único e, principalmente, humano.

LOVESTAR

Autor: Andri Snaer Magnason

Tradução: Fábio Fernandes

Editora: Morro Branco

Ano de publicação: 2018

LoveStar, o enigmático e obsessivo fundador das Corporações LoveStar, desvendou o segredo para transmitir informações em frequências emitidas por pássaros, finalmente libertando a humanidade de dispositivos e cabos, e permitindo que o consumismo, tecnologia e ciência tomem conta de todos os aspectos da vida diária.  Agora, homens e mulheres sem fio são pagos para gritar propagandas para pedestres desavisados, enquanto o programa REGRET elimina todas as dúvidas sobre os caminhos não escolhidos. Almas gêmeas são identificadas e unidas através de um sistema altamente tecnológico. E enviar os mortos aos céus em foguetes se torna um símbolo de status e beleza, um show catártico para aqueles deixados para trás.  Indridi e Sigrid, dois jovens amantes, têm seu mundo perfeito ameaçado, quando são calculados para outras pessoas e forçados a chegar a extremos para provar seu amor. Sua jornada os coloca em uma rota de colisão com LoveStar, que está em sua própria missão de encontrar o que pode vir a ser a última ideia do mundo.

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