Lançado em 2020 pela Editora Intrínseca, Malorie é a continuação de Caixa de Pássaros escrita por Josh Malerman.

Sobre o Livro

Malorie acompanha a personagem principal de Caixa de Pássaros, doze anos depois do final do primeiro livro. Criando Tom e Olympia, agora adolescentes e que não mais entendem o porquê de a mãe ser tão cuidadosa com a vida deles, agora que eles moram em um acampamento isolado que encontraram após uma fuga desesperada.

Desconfiada de que as criaturas também podem transmitir a insanidade pelo toque, Malorie não apenas vive “pela venda” como também cobre todo o corpo com casacos e luvas, e ordena que seus filhos façam o mesmo. Contudo, doze anos é muito tempo e boatos de que os humanos restantes estariam se adaptando ao convívio com as criaturas chegam até Malorie na forma de um censo: um homem diz que está fazendo uma lista de sobreviventes e apesar de recusar ver os papéis com informações que ele trouxe, os filhos dela, Tom e Olympia, acabam encontrando não apenas relatos de supostos avanços humanos – como o uso de trens para locomoção e uma cidade inteira que convive com as criaturas e inventa equipamentos para estar em conformidade com elas – mas também veem os nomes dos pais de Malorie entre os sobreviventes.

“Sou uma máquina. Porque vocês roubaram o ser humano. Roubaram os olhares, as piscadelas, a conversa olho no olho, a visão de alguém em um parque, em uma caminhada, em um trajeto de carro. Vocês roubaram todos os relacionamentos que deveríamos ter.”

Presa entre seu pavor do mundo exterior, consciente de tudo que já perdeu para as criaturas e do que ainda pode perder, Malorie arrisca sair do acampamento pela primeira vez em dez anos e leva seus filhos juntos. Tom, um adolescente criativo e inventor que encara sua mãe como pertencente a uma velha geração que está imersa em paranoia, está empolgado com a aparente aventura que eles têm pela frente e seu comportamento pode ser um empecilho quando ele e Malorie batem de frente com tanta frequência. Olympia, mais reservada e sempre atenuando as brigas entre o irmão e a mãe, é aquela que guarda os segredos e que mais compreende o que a mãe sente, mas que também quer conhecer um caminho que possa permitir uma vida de verdade para a família. Testando seus limites e a força de suas relações, Malorie, Tom e Olympia embarcam na busca pelos sobreviventes de sua família, correndo cegos contra o tempo e perseguidos pelos medos do passado, assombrando-os no formato das criaturas, de Garry e do medo de que, o que aconteceu na escola para cegos volte a se repetir na jornada sem volta na qual eles embarcam.


Minha Opinião

Ignorei boa parte das notícias de divulgação acerca de Malorie, pois diferente do que parece ser a opinião da maioria, sou bem adepta a ideia de obter continuações de histórias que eu gosto muito. Caixa de Pássaros foi uma história que se tornou uma das favoritas quando li, e, apesar de achar que não precisaria de um segundo livro a respeito desses personagens, me vi empolgada com o que Malorie poderia agregar a narrativa. Então preferi não ver nenhuma das notícias sobre o lançamento para poder pegar o livro totalmente livre de expectativas. No fim, só confirmei o que eu sentia que encontraria: Malorie é tudo o que eu não sabia que precisava ler até que finalmente li.

Continuações são um assunto bem delicado, mas entendo quando vi que muitas pessoas não estavam felizes com a ideia de manter uma história com a mesma personagem só que agora mais velha. Contornar essa antipatia inicial é um desafio que o autor deve ter em mente, mas acredito que já no começo Malorie contorna essa aversão muito bem: a carga emocional da personagem já conquista a atenção do leitor desde o começo e, talvez, por estarmos vivenciando uma pandemia no ano em que o livro foi lançado, é relativamente fácil ver-se em Malorie e entender cada sentimento que ela guarda ou expõe aos filhos.

Uma novidade da história é que, agora, Malorie divide as narrações com Tom e Olympia, o que também acrescenta algo e garante que o leitor fique atraído na narrativa. Agora adolescentes, o Garoto e a Garota tem seus próprios pensamentos sobre a situação em que vivem, observando a mãe por visões diferentes que mostram bastante sobre as personalidades de cada um e trazem aspectos ainda mais fortes de identificação com a situação que vivenciamos na realidade de 2020. Tom é avesso ao que encara em Malorie como “a vida pela venda”. Ele acredita que a mãe seja excessivamente protetora e ressente-se dela por dizer tantos “nãos” a ele quando tudo o que ele quer é criar invenções que facilitem suas vidas. Tom quer enfrentar as criaturas, quer conhecer o mundo, não quer ter a mãe o controlando para sempre. São sentimentos normais de um adolescente em crescimento e podem gerar tanto compreensão quanto uma certa irritação no leitor, ao deparar-se com as inúmeras teimosias que o personagem demonstra.

“Mãe – chama ele, pânico em sua voz. Mas ele não se importa em disfarçar. Precisa dela. Quer que ela esteja por perto. Que ela diga que ele está bem.”

Confesso que as narrações de Tom foram as que menos me agradaram, talvez por eu já não conseguir me relacionar com esse tipo de personagem. Sua teimosia e vontade de mudança são emoções plenamente justificáveis pela idade e pela personalidade que foi moldada nele, mas esse comportamento nunca foi algo com o qual me identifiquei em histórias ou na vida real, de modo que senti muito mais irritação do que compreensão. Sua trajetória é bem abordada pelo autor, principalmente porque é nele que o autor concentra as questões sobre autonomia em relação aos seus pais e a busca por criações próprias, por uma vida em que se arrisca tudo para conseguir mais. É algo que vai agradar quem gosta de personagens mais rebeldes e impulsivos.  

Já Olympia, essa sim foi uma personagem com quem consegui relacionar melhor meus sentimentos e pensamentos. Não apenas por ela ter uma personalidade mais semelhante a minha, mas também porque no enredo dela temos uma questão que adoro encontrar em histórias: a relação entre mãe e filha, que é mostrada por meio da compreensão mutua entre ambas. É Olympia quem mais repreende Tom por não entender o lado da mãe e é ela quem sabe o que a mãe sente e o porquê de ser do jeito que é. Por mais que tenha também seus próprios sonhos e vontades, Olympia sabe dosar o que dizer e o que fazer de uma maneira bem mais saudável do que seu irmão. Ela também guarda muitos segredos com a intenção de proteger as relações entre eles três e suas narrações são ótimas para vermos um lado diferente das criaturas que não esperaríamos encontrar.

Malorie segue sendo uma personagem com extensiva carga de emoções, que passam para o leitor de forma rápida e sufocante. Ela claramente tem um trauma e acompanhar seus sentimentos dentro de sua cabeça é ler descrições de fluxos de pensamentos ansiosos e que nos mostram o quanto a personagem sente dor e tristeza por tudo o que aconteceu no livro anterior. Ela sente isso sabendo que não pode fraquejar pois tem que garantir que os filhos continuem vivos. Um elemento que eu não teria prestado tanta atenção antes, se não fosse o ano de pandemia que 2020 acarretou e seus milhares de problemas éticos e morais, foi a questão de, agora, dez anos depois, Malorie ser vista como paranoica por outros sobreviventes que eles encontram no caminho. Seus cuidados que tanto vimos salvar sua vida e a de Tom e Olympia no livro anterior, agora são encarados como algo digno de riso, de ela “se preocupa demais” e deixa os filhos envergonhados. A correlação com algumas situações vividas durante o ano foi garantia de conseguir sentir empatia por Malorie em proporções que não estavam programadas, mas que renderam reflexões bastante interessantes.

“Os nomes dos seus pais estão na lista, mãe. Os nomes deles estão na lista de sobreviventes. Seus pais estão vivos.”

As cenas de ação seguem sendo excelentemente narradas, garantindo apreensão e nervosismo a medida que avançamos na leitura. Tudo mantém o leitor alarmado e continua impressionante a habilidade do autor em descrever o ambiente e as ações dos personagens que não estão enxergando nada ao redor deles. As criaturas continuam a causar indagação e medo, sendo um elemento que rende discussões sobre qual a natureza delas e crescem ainda mais perguntas sobre o que elas realmente querem ali. Há tópicos importantes sobre quais os limites da ética quando o assunto é enfrentar uma doença como essa, o que se pode ser feito e o que não dá para ser feito para combater algo assim? Quais progressos são realmente necessários e quais nunca devem ser tentados por cruzarem limites instransponíveis?

As questões sobre luto, formas de encarar esse sentimento ou de não fazer isso, também aparecem com força todas as vezes que Malorie recorda-se de sua vida antes das criaturas. Suas memórias confundem-se com a sua narração presente e evocam as feridas de quem já perdeu tudo e não quer mais que isso aconteça. Seu amor pelas crianças, apesar de superprotetor, é compreensível por tudo que a vimos passar e embarcar neste misto de sentimentos da personagem é uma experiência de leitura bastante dolorosa, mas que rende muitas reflexões até sobre nossas próprias vidas e famílias.

De um modo geral, Malorie é um livro que talvez não agrade a todos, uma vez que realmente ele não era necessário dado que a narrativa de Caixa de Pássaros poderia ser considerada fechada em si mesma. Contudo, ele é o livro que não saberíamos que queríamos até que fosse possível ter ele em mãos. A experiência de leitura que ele rende é tão cheia de emoções quanto a do primeiro, bem como permite que observemos na ficção algo que está ocorrendo no ano em que o livro foi lançado. Questões importantes são levantadas, bem como o livro também traz a empolgação que uma trama de suspense pode fornecer para distrair a cabeça e entreter com qualidade aqueles que tiverem interesse em continuar essa história. Se você gostou de Caixa de Pássaros, dê uma chance a Malorie e sua história que ainda podem ter tanto a falar para os seus leitores.

MALORIE

Autor: Josh Malerman

Tradução: Alexandre Raposo/p>

Editora: intrínseca

Ano de publicação: 2020

Doze anos se passaram desde que Malorie e os filhos atravessaram o rio com vendas no rosto, mas tapar os olhos ainda é uma regra que não podem deixar de seguir. Eles sabem que apenas um vislumbre das criaturas pode levar pessoas comuns a uma violência indescritível. Ainda não há explicação. Nenhuma solução. Tudo o que Malorie pode fazer é sobreviver… e transmitir aos filhos sua determinação. Não se descuidem, diz a eles. Fiquem vendados. E NÃO ABRAM OS OLHOS. Quando eles tomam conhecimento de uma notícia que parecia impossível, Malorie se permite ter esperança pela primeira vez desde o início do surto. Há sobreviventes. Pessoas que ela considerava mortas, mas que talvez estejam vivas. Junto dessa informação, porém, ela acaba descobrindo coisas aterrorizantes: em lugares não tão distantes, alguns afirmam ter capturado as criaturas e feito experimentos. Invenções monstruosas e ideias extremamente perigosas. Além disso, circulam rumores de que as próprias criaturas se transformaram em algo ainda mais assustador. Malorie agora precisa fazer uma escolha angustiante: viver de acordo com as regras de sobrevivência que funcionaram tão bem até então, ou se aventurar na escuridão e buscar a esperança mais uma vez.

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