Mulher com Brânquias é uma publicação independente de 2017 da autora Patrícia Baikal.

Sobre o Livro

Rita é professora universitária e também conduz uma loja, a Porcelanas & Cia. Ela saiu do interior de Minas e foi morar em Brasília, mora com o marido e tem uma vida estável e planos para o futuro. Porém, algo não está tão “normal” como deveria.

“Às vezes era sombria como um navio esquecido em águas profundas e, às vezes, iluminada como areia de praia limpa.”

Ela passa a ter alucinações com um enorme peixe em situações casuais de sua vida: nas aulas, em casa, na rua, e isso claramente soa um alarme de que algo está errado. Entretanto, esses episódios onde ela se vê em uma grande aquário parecem ter começado a ultrapassar para o âmbito real, verdadeiramente modificando a sua vida.

Quando algo acontece em sua família, Rita é obrigada a se reconectar com partes já esquecidas do seu passado e buscar explicações em situações que ultrapassam gerações.


Minha Opinião

Realismo mágico é um gênero muito fácil de dar errado ou de não ser totalmente compreendido. Um bom exemplo que posso citar é o controverso Um Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman, que até hoje gera leitores dizendo que não compreenderam sua história. Eu, que sou uma pessoa que gosta de explicações, encontrei meu ponto de paz com essas narrativas ao me defrontar com inteligência em suas construções, acima da necessidade da lógica.

Felizmente, na minha humilde opinião, Patrícia Baikal soube usar muito bem desse artifício, conduzindo o leitor em uma trama que nos desafia a tentar decifrar se nossa protagonista realmente está vivendo uma situação real, que distorce as leis da natureza ou se sua sanidade é o que está em jogo. Até o último capítulo do livro é possível fazer suposições e ficar em cima do muro e, se você quiser debater ainda além, questionando os “fatos” apresentados, há como seguir com a discussão.

“A ausência também é presença constante.”

Livros onde não parece haver somente uma resposta certa pode deixar algumas pessoas agoniadas, mas a verdade é que eles geram discussões interessantes e são uma forma de engajar os leitores, fazendo com que eles sejam responsáveis por uma parte da construção. Quando quem lê pode palpitar sobre algo aberto, nós leitores nos tornamos os verdadeiros autores do desfecho, afinal, ele acontece através das nossas conclusões.

Rita é por si só uma personagem interessante. Ela tem uma vida boa, tem dois empregos, batalha no próprio negócio, tem um relacionamento estável e as alucinações começam a balançar tudo isso. De certa forma, ela conduz tudo com uma postura que não é a da personagem que perde completamente a razão e nem daquela que olha o todo de forma cética. Parece haver um desejo para que sua “loucura” coexista com a realidade, fazendo com que a sua vida não seja mais ordinária.

“O problema é quando a gente tem medo do próprio medo, ou quando de tão medrosos, deixamos de viver.”

Aos poucos vamos desvendando os outros personagens e conhecendo mais membros da sua família. Num primeiro momento parece não haver muita conexão entre as coisas que vão acontecendo, e quando começamos a perguntar pra onde a narrativa está indo, a autora começa a tecer uma teia bastante sutil. Revisitar o passado e sua terra natal, proporcionará a Rita um mergulho na história e a vivência de algo que é real, mas pode parecer quase como um conto de terror.

Em certo ponto do livro eu já estava esperando que qualquer coisa acontecesse, que um estopim fosse alcançado, mas não é bem assim que essa história funciona. Parece que a autora está com o pé no freio o tempo inteiro na condução da trama. Quando o clímax vai sendo criado, ela desacelera. Quando achamos que vamos ter um bum, ela recua. Isso faz com que a cada novo acontecimento estejamos mais ansiosos por um desenrolar e, quando você percebe realmente onde tudo quer chegar, a sensação, pra mim pelo menos, foi de que, mesmo que nós não soubéssemos, Patrícia sabia exatamente onde queria ir com a narrativa.

E não, você não vai ter todas as respostas. Afinal, estamos falando de realismo mágico. A lógica é desafiada junto com o nossa disposição de crer no improvável. Eu já estava satisfeita com o “primeiro” desfecho, porém é realmente a última revelação que amarrou toda a história e trouxe a sensação de conclusão e de inteligência. Porque sim, é assim que vou definir essa história. Mulher com Brânquias é uma obra inteligente, que ilude o leitor ao nos fazer crer em explicações que parecem não fazer sentido, mas que na verdade constroem metáforas pra várias coisas que nos cercam.

Já que citei Neil Gaiman ali em cima, vou citar um conto que me veio a memória quando terminei de ler. Se por acaso você nunca leu O Papel de Parede Amarelo, talvez depois desse livro – ou antes – esteja na hora. E, além de todo o mistério, temos conflitos familiares e sociais sendo trabalhados no background, ajudando a montar esse quebra-cabeça em cima de construções e crenças que nos são impostas.

Achei a escrita da autora muito gostosinha de ler e, por ser um livro curto, mesmo com o peso da história, dá pra ler com bastante fluidez. Lendo um pouco mais sobre Baikal, descobri que ela é também autora de Mariposa, um livro que eu ouvi sendo comentado há alguns anos atrás e que me despertou interesse, mas acabei deixando passar. Agora, pretendo corrigir isso, pra ver se encontro nessa outra trama a mesma qualidade que encontrei aqui.

Houve algumas pequenas coisas que me incomodaram, como alguns comportamentos ou aparecimento abrupto de pessoas, mas nada que complicasse o andamento da história. O fato de se passar no Brasil é bem interessante e, por mais que os nomes dos locais sejam citados, não há trejeitos ou sotaques sendo utilizados, o que pra mim, que sou uma pessoa que não curto muito isso, a não ser que faça parte do propósito do livro, foi algo bacana.

Então, deixo aqui com vocês essa recomendação de autora nacional e de livro. Certamente vou ficar de olho pra novos lançamentos da autora e na torcida para que Mulher com Brânquias ganhe em breve uma editora pra chamar de sua e possa alcançar novos leitores. Eu não conheço muitos autores nacionais que escrevem dentro do gênero, então acho que há bastante potencial pra que Patrícia seja uma dos nomes nacionais pra gente lembrar quando pensar em realismo mágico.

MULHER COM BRÂNQUIAS

Autor: Patrícia Baikal

Editora: Independente

Ano de publicação: 2017

Rita, professora universitária, começa a ter visões de uma realidade paralela, como se estivesse o tempo todo mergulhada num aquário. Em casa, no trabalho ou na rua, ela se vê rodeada por seres aquáticos e especialmente pelo “grande peixe”, uma criatura fantasmagórica que a persegue, mas que ninguém mais enxerga. Como se não bastasse, sua pele é tomada por escamas aos poucos, de forma dolorida e fantástica. Brânquias surgem em seu corpo, e isso pode significar o início ou o fim de uma jornada.

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