Não Era Você Que Eu Esperava é um quadrinho de Fabien Toulmé, lançado em 2017 pela editora Nemo.

Ter um filho com Síndrome de Down pode não ser uma missão fácil, e certamente não é o que nenhum pai ou mãe espera ao fazer os exames de acompanhamento. Mas há sempre aquela pequena dúvida, a sementinha que fica plantada no fundo, do meda de haver algo errado, de a criança que você gerou não ser “perfeita”.

Essa é a história de Fabien Toulmé, um jovem casado, já com um filha, que morou em vários lugares, inclusive no Brasil de onde é sua esposa. Na segunda gravidez, eles resolvem voltar para a França, de onde Fabien é, e recomeçar. O desejo inquieto que ele sempre teve começa a perturbar a esposa, que acabou tendo que deixar tudo para trás e também tem o desejo de fincar raízes em algum lugar, afinal eles tem uma filha e um bebê à caminho.

Com essa mudança toda, foi preciso encontrar novos médicos pra fazerem o acompanhamento, realizar novos exames e se certificar de que tudo estava correndo bem. Fabien sempre teve uma preocupação enorme com relação a essa condição genética, baseado no pré conceito que ele formou sobre pessoas com Síndrome de Down serem inferiores, burros e feios. Ele tem pensamentos bem ruins sobre e rejeita essa situação de forma forte.

Por isso, quando de forma completamente inesperada, já que os exames apontaram que estava tudo ok, sua filha nasce com trissomia do cromossomo 21, sua vida parece desabar. Porém, aqui entra o que me incomodou imensamente nesse quadrinho: esse cara foi um completo idiota preconceituoso que sequer conseguia amar a filha por muito tempo, por ela ter essa condição e isso me perturbou.

Eu não tenho filhos e espero ainda estar longe disso, mas pensar que eu poderia rejeitar um filho me parece algo extremamente impensável, e por isso não senti nenhuma empatia pelo que se passava na cabeça dele, mesmo antes de saber o que viria, com todos os pensamentos já formados a respeito.

É claro que a intenção da HQ, ao meu ver, é exatamente mostrar a evolução dele enquanto pessoa ao aceitar a situação e passar a ver o quanto as coisas podem chegar mais perto da “normalidade” sem ser o fim do mundo. Assim como, também acredito que deva tomar certa coragem se abrir dessa forma e expor um lado feio de si. Então há um exercício para com o leitor também de não julgar tanto e foi isso que tentei fazer, mesmo não tendo certeza de que obtive sucesso.

Mas há outro ponto que fiquei levemente incomodada, que foi a pouca voz dada a mãe. Sendo do ponto de vista de Fabien, é claro que ele teria destaque, mas não há momento onde podemos ouvir sua voz real, sem ser ignorada por ele ou conhecer seus anseios enquanto mãe. A própria visão que ela tinha da situação, se ver como o marido se sentia, como ELA se sentia. Isso, unido ao fato de que muito da instabilidade que residia no casal era culpa da inquietude do personagem masculino, fez com que eu colocasse toda a visão de um ponto não tão positivo.

O que encontramos aqui é, então, a jornada dessa família, mas com o foco total no pai e em como ele se sente frente a esse obstáculo, que ao seu ver, é quase um fim do mundo. E, simplesmente não é. O que podemos saber, mesmo não tendo passado pela situação em si é que provavelmente será difícil, mas há coisas muito piores do que ter um filho com Síndrome de Down. Essa criança ainda vai ser seu filho e ainda vai te amar com todas as forças que ela tiver. Isso deveria bastar.

Há formas de lidar e contornar a situação, oferecendo as melhores opções possíveis a essas pessoas que também não escolheram nascer com algo a mais. Hoje, quem tem a trissomia do cromossomo 21 pode levar uma vida muito parecida com a de quem não tem, trabalhando, tendo mais independência e fazendo suas escolhas, basta dar a devida assessoria desde os primeiros anos e ajudar na evolução até esse ponto.

O traço é bem bonito e as cores variam de acordo com o momento que está sendo trabalhado na história, já que temos várias etapas aqui. Gostei da conexão feita com o Brasil e de algumas diferenças que podemos notar sobre o nosso sistema médico de acompanhamento a gestantes ao da França.

Não era você que eu esperava foi mais intenso em sentimentos despertados em mim do que “eu esperava” e de uma forma completamente diferente. As coisas que senti não estavam voltadas para a história contada e sim para a postura do personagem e sua visão do mundo. Foi meu segundo contato em quadrinho com a temática e recomendo a leitura como uma lição da postura a não se tomar, como desconstrução do preconceito, como compreensão de que há mais do que esperar pelo “perfeito”.

NÃO ERA VOCÊ QUE EU ESPERAVA

Autor: Fabien Toulmé

Editora: Nemo

Ano de publicação: 2017

Nesta graphic novel autobiográfica, Fabien Toulmé fala com emoção, humor e humildade sobre um encontro inesperado de um pai com sua filha que possui Síndrome de Down.
O casal enfrenta o nascimento de uma criança especial. É como uma tempestade inesperada, um furacão. Quando a menina nasce com a síndrome, até então não diagnosticada, a vida de Fabien desmorona. Indo da fúria à rejeição, da aceitação ao amor, o autor fala sobre a descoberta de como é ser diferente.

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