O Menino Feito de Blocos, de Keith Stuart, é lançamento de 2016 da editora Record no Brasil. Baseado em uma história real, o livro nos dá uma lição sobre tolerância, diversidade e família.

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Sobre o Livro

Sam é um menino autista de oito anos que tem problemas de comunicação e agressividade. Não bastasse isso, as escolas costumam negá-lo como aluno. Alex, o pai de Sam, vê toda a estabilidade de sua vida ir por água abaixo quando sua esposa o expulsa de casa, quando ele não consegue se conectar com Sam e, por fim, quando ele perde o emprego e é obrigado a morar com um velho amigo de infância (dormindo em um colchão inflável furado, por sinal).

Em meio a todas essas crises, Keith Stuart nos presenteia com o enredo de O Menino Feito de Blocos, inspirado em fatos reais que aconteceram entre ele, sua esposa e seu filho autista. Alex, nosso personagem principal, precisa novamente descobrir como dar um sentido para sua vida, assim como também precisa desenvolver novos métodos para alcançar seu filho – ou pelo menos ter uma conversa de mais de duas frases com ele. E quem diria que esse encontro entre pai e filho se daria através do Minecraft? Sim, minecraft! Aquele jogo – que eu adoro – em que desbravamos o mundo e em que montamos projetos arquitetônicos com blocos em um gráfico de péssima qualidade é o lugar que Alex encontra para finalmente alcançar Sam, retraído pelo autismo, e ver a beleza que se esconde por dentro da condição do filho.

“Uma coisa que aprendi muito cedo na paternidade é que os sistemas de saúde e educacional compõem um tipo de jogo demorado e complicado: se seu filho vier a precisar de ajuda especializada, você terá que aprender as regras e a explorá-las. É preciso lutar por tudo, por cada exame, cada consulta, cada especialista (…) Nada acontece com aqueles que esperam.”

Esse livro é uma aventura entre as diferentes mentalidades, opiniões e plataformas virtuais (sim, acreditem: essa parte é sensacional!). Para mim, ele veio mostrando que ainda temos muito o que pensar no que diz respeito a aceitar a diversidade e nos adaptarmos às necessidades dos outros seres humanos.


Minha Opinião

Temas como autismo e crianças especiais me chamam muita atenção. Como professor em formação, já fiz disciplinas na universidade focadas nessa realidade e também já convivi com alunos especiais – e entendo que essas realidades não são fáceis. Ainda assim, conhecer o dia-a-dia de uma criança autista do modo como Keith Stuart pontua através das vivências de Alex e Sam é, ao mesmo tempo, desesperador e alentador. É possível ver, em praticamente todos os personagens, o desespero com o qual tratam Sam – como se ele fosse uma bomba prestes a explodir. E, apesar de o livro ter um início lento (confiem em mim: depois da página 80 melhora!), o desenvolvimento da narrativa em volta de como tornou a passagem de Sam pelo mundo menos conturbada é tão alentadora que dá o famoso quentinho no coração.

Por falar nisso, preciso tocar em um dos calos do enredo. Aparentemente, todos os personagens no início do livro parecem compreender muito bem os problemas que Sam enfrenta – como o mundo é avassaladoramente pouco sensível com ele e como o menino tem dificuldades de se ajustar as nossas normas. Sua mãe, Jody, sabe todas as coisas que o agradam, por exemplo. Porém, Alex – que é, afinal de contas, nosso personagem principal – vê o filho com repulsa no início do livro. Felizmente, ele se torna mais sensível ao longo da trama, mas confesso que vê-lo tratando o filho com desinteresse ou como um empecilho foi minimamente chocante – para não dizer nojento.

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Em alguns momentos, tive vontade de fechar o livro e xingar Alex aos quatro ventos (e não vou dizer que não fiz isso!). Além disso, Alex é bastante apático, pois ele não consegue compartilhar seus sentimentos com ninguém! E, apesar disso ser um ponto de inicial tédio para mim, tornou-se um grande questionamento de “por que os homens não trocam afetos e não falam sobre seus próprios problemas?”. Uma forma genial de abordar esse tema tão sensível, não? (Não esqueçamos que a masculinidade é frágil!)

A obra nos propõe a pensar, especialmente, sobre como é difícil ser diferente no nosso mundo, que quer criar pessoas iguais. É difícil para Sam, por exemplo, se adequar a escola, pois ele não consegue se tornar um robozinho do aprendizado, como as outras crianças. Para ele, as percepções são extremamente apuradas e ele não consegue lidar com diversos tipos de estímulos, como o sonoro. Assim, cabe a nós pensar em como podemos tornar o mundo mais confortável para ele. Sabe aquela típica frase que diz “devemos criar os filhos para o mundo, e não cria-los contra o mundo”? É pura mentira! Precisamos batalhar para que, cada vez mais, o mundo reconheça que cada pessoa tem suas particularidades e, assim como Sam tem suas dificuldades, todos nós as temos.

“E o que Sam quer dizer me soa imediatamente familiar. O medo do espaço, da liberdade, da incerteza – é assim que venho me sentindo nos últimos três meses, isolado de tudo o que significa alguma coisa pra mim. Eu não tinha pensado nisso antes, em como o autismo é uma versão amplificada e muito centrada de como todos nos sentimos, das ansiedades que todos temos.”

Além disso, ao rotular o Sam como “autista” já inserimos diversas características nele – que ele não necessariamente tem. Vamos ver, por exemplo, conflitos escolares em que ele não necessariamente iniciou as brigas – como é “comum” com crianças autistas – mas foi responsabilizado pelo evento. Ou seja, também precisamos enxergar além dos rótulos, e não nos mantermos presos a eles. Sejamos todos livres! Aceitemos todos a diversidade!

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Mas voltando à estrutura do texto, preciso dar destaque ao uso do minecraft no enredo. A cada capítulo, vamos desvendando não só novos dramas familiares e pessoais, como também novos mundos e novas aventuras a serem conquistas no mundo imaginário do Minecraft – ou, como Sam chama, “O Mundo de Papai e Sam”. A maestria com que Keith Stuart foi capaz de ligar mundo real ao virtual, usando o último como forma de acessar os sentimentos de Sam no primeiro é simplesmente genial! O mundo de Minecraft faz muito mais sentido para a criança autista – ele é cheio de padrões, assim como Sam. Assim, é natural que ele aprenda, fale e se desenvolva mais ali, onde ele se sente mais confortável e protegido, do que na escola.

Em meio a esses lindos aprofundamentos sentimentais, Alex também vive seus próprios dramas, assombrado pela morte do irmão mais novo e pelo seu recente divórcio. Ambas as situações se encaixam muito bem no enredo – e confesso que adorei todo o envolvimento com o divórcio -, mas penso que algumas das motivações psicológicas dadas pelo autor ao Alex são fúteis e, em alguma medida, não fazem sentido. Não posso revelar do que se trata (seria um GRANDE spoiler), mas afirmo a vocês que é possível ignorar essa falha para se apaixonar pela complexidade da mente de Sam. (Dá pra ver que gostei muito do livro, não dá? Hehe).

“Assim que seu filho nasce, você tem grandes ambições para ele: sucesso, popularidade, inteligência. Mas, conforme a vida passa, às vezes a balança pender para algo muito mais profundo. Felicidade. É o que queremos para o Sam.”

E, antes de encerrar essa resenha, temos mais uma coisa para comentar: o final! Quando eu achei que já tinha aprendido todas as lições do livro sobre aceitação, família e diversidade, o autor me deu uma chave de páginas e me mostrou que ainda há – e sempre haverá! – muita coisa para aprender com os “diferentes”. Se você gosta de livros sobre drama familiar ou se você gosta de simplesmente livros que deem quentinho no coração, O Menino Feito de Blocos é a escolha certa!

O MENINO FEITO DE BLOCOS

Autor: Keith Stuart

Editora: Record

Ano de publicação: 2016

Uma história sobre um pai e seu filho autista, e sobre um jogo que mudou suas vidas. Alex ama sua família, mas tem dificuldade em se conectar com Sam, o filho autista de oito anos. A tensão crescente da rotina leva seu casamento ao ponto de ruptura. Jody não aguenta mais o marido ausente e que pouco participa da vida do filho. Então Alex vai morar com o melhor amigo, e passa a dormir no colchão inflável mais desconfortável do mundo. Enquanto Alex enfrenta a vida de homem separado, cumpre a função de pai em meio-expediente e é confrontado com segredos de família há muito enterrados, seu filho começa a jogar Minecraft. E o que acontece depois disso é algo que nem Alex, nem Jody, nem Sam poderiam imaginar. Inspirado no relacionamento do autor com seu filho autista, O menino feito de blocos é um livro emocionante, engraçado e verdadeiro sobre o poder da diferença e sobre um menino para lá de especial.

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