O Remorso de Baltazar Serapião é um lançamento de 2018 da Biblioteca Azul, selo editorial da Globo Livros. É de autoria do escritor português contemporâneo Valter Hugo Mãe.

SOBRE O LIVRO

Vencedor do Prêmio Literário José Saramago de 2007, um das últimas edições a ser concedida antes da morte de Saramago, este é um livro marcado pela brutalidade. Narrando a história da família Serapião, mais conhecida na região como os Sarga, por sua relação com a criação da vaca Sarga, somos apresentados a uma nação portuguesa camponesa e miserável.

 “Éramos os serapião, nome da família, e já nos desimportávamos com isso. dizia o meu pai, o povo simplifica tudo e a nós vêem-nos com a vaca e lembram-se dela, que é mais fácil para se lembrarem de nós e nos identificarem.”

Em meio a esse ambiente, somos conduzidos pela história dessa família e, através dela, vamos passar a conhecer um lado muito particular da sociedade portuguesa. Até que ponto a brutalidade e a herança cultural dominarão as ações do nosso protagonista, Baltazar Serapião? Sobrará espaço na sua vida para seus próprios sentimentos e desejos? Ou ele continuará a repetir o ciclo?


MINHA OPINIÃO

Uma coisa muito importante que precisamos levar em consideração é que, assim como ocorre com os livros do Saramago, os livros de Valter Hugo Mãe são publicados no Brasil sem adaptação, isto é, o texto está integralmente em português de Portugal, algo que, principalmente nas primeiras vezes, pode ser uma dificuldade na leitura. Especialmente nesse livro, que contém uma série de especificidades por conta de seu contexto rural e pelos personagens principais serem pessoas simples, pode ser difícil entrar nesse mundo para quem não está acostumado com a escrita do autor.

Além disso, quando não são as especificidades da língua, o leitor é posto em uma posição desafiadora pelo próprio pensamento e cultura retratado. Isso porque a família Serapião vem de uma cultura extremamente machista e patriarcal, onde a mulher não tem nem direito a voz, muito menos a igualdade. Como o livro é narrado em primeira pessoa, somos obrigados a ouvir pensamentos e até presenciar cenas carregadas de violência, machismo e dor, algo que fez com que este fosse o livro mais desafiador que já li do autor.

“As mulheres são frutos podres, como maçãs podres, raios hão-de partir eternamente a eva por ter sido mal lavada nas intenções”.

No entanto, me parece ter ficado bem claro que o que estamos vendo é um retrato de um personagem e de um comportamento cultural específico,  não compartilhado necessariamente por seu autor. O próprio Serapião inclusive, embora não chegue propriamente a se redimir, demonstra perceber em alguns momentos as contradições e absurdos do tipo de pensamento que aprendeu de seu pai e reproduz em um ciclo vicioso.

Achei particularmente impressionante que, mesmo em uma história tão bruta, Valter Hugo Mãe ainda tenha conseguido manter seu estilo próximo do lírico. O leitor fica, desse modo, constantemente dividido entre a revolta e a emoção, entre a dor e a beleza, até que não conseguimos mais determinar se o que está nos movendo são os acontecimentos em si ou o talento com as palavras do autor.

“Vimos bichos revirados de maleita, flores que perdiam pétalas, coisas simples que se complicavam contorcendo-se e murchando. somos uma coisa do mal, pensávamos, trazemos males aos seres mais frágeis e beleza que exista se arrepende em redor de nós.”

Embora tenha achado que alguns pontos poderiam ter sido melhor trabalhados, Valter Hugo Mãe conseguiu, mais uma vez, construir uma obra impressionante, onde seu estilo único e uma forte história se encontram para formar um resultado incrível! Não é uma leitura fácil, mas que compensa, principalmente para os leitores que gostam de uma prosa mais lírica e forte. Se contar que a edição é linda, e cheia de ilustrações instigantes que tornam a experiência da leitura ainda mais completa.

O REMORSO DE BALTAZAR SERAPIÃO

Autor: Valter Hugo Mãe

Editora: Biblioteca Azul

Ano de publicação: 2018

Estirpe e jugo são os elementos brutos com os quais a poderosa linguagem de Valter Hugo Mãe narra a história dos sarga, “nascidos de pai e vaca”, e de seu primogênito, que dá nome ao livro: Baltazar, camponês miserável e de passividade bestial, cujas vida e jovem esposa são exploradas por dom afonso, senhor das “almas e coisas” daquela terra.
Vencedor do Prêmio Literário José Saramago, o remorso de Baltazar Serapião é “um tsunami linguístico, estilístico, semântico, sintático” – um marco na literatura portuguesa contemporânea.

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