O Tempo Desconjuntado é um livro de ficção científica do autor Philip K. Dick. É uma publicação inédita no Brasil de 2018 pela Suma.

SOBRE O LIVRO

Ragle Gumm é um cidadão comum de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, mas todo mundo conhece seu nome. Ganhador invicto de um concurso de um jornal local, ele passa várias  horas por dia envolvido por gráficos, tabelas, cálculos e reconhecimento de padrões. É assim que ele vence o concurso todos os dias: analisando os padrões entre as respostas anteriores e as possíveis novas resposta. Mas essa sua vida perfeita vai se modificando e em pouco tempo Ragle não se sente mais no controle.

Tudo começa em um jantar em família, quando seu cunhado, Victor, vai ao banheiro e insiste em dizer que lembrava de um interruptor de luz no teto, e não na parede. Ragle fica incomodado com o fato, até que aos poucos ele mesmo começa a ter experiências estranhas: lugares que antes existiam agora deram lugar a nomes escritos em papel, listas telefônicas com números que não chamam ninguém, revistas de celebridades que ele sequer ouvira falar, lembranças de pessoas e lugares que jamais conheceu. Acreditando estar perdendo a sanidade, ele decide viajar para longe e conhecer outro lugar para por as ideias no lugar.

“Os que se recusam a responder a novos estímulos perecem. Adapte-se, ou desapareça.”

Mas ao tentar sair da cidade, Gumm verá que abandonar os problemas não será tarefa fácil. Quanto mais longe ele tenta ir, mais estranho o mundo a sua volta fica. Ragle sente-se desconjuntado, perdido no tempo e no espaço, e suspeita que por trás de sua aparente tranquila realidade há outra – real, mais perigosa e sombria – que ele não pode ter acesso… a menos que consiga burlar quem – ou o que – tentar impedi-lo.


MINHA OPINIÃO

Philip K. Dick é como um Van Gogh, só que da literatura de ficção científica. Em vida, suas obras não receberam muita atenção, mas após a sua morte, seus livros se tornaram obras-primas, inovadoras e até mesmo perturbadoras. E porque? Pelo simples fato de que seus livros se aproximam muito mais da realidade hoje em dia do que na época em que foram escritos, e de certa forma fogem do padrão que se tem no sci-fi.

Aliás, esse é o grande tema abordado na maioria de seus livros: a verdadeira natureza da ‘realidade’.  Lendo O Tempo Desconjuntado nos dias atuais, a trama pode até parecer um pouco clichê e já desgastada, sendo explorada em vários filmes, séries e até mesmo outros livros. Porém, ao levar em conta que essa obra foi escrita em 1959, vemos a inversão dos fatos: vários filmes, séries e livros é que beberam dessa grande fonte de inspiração (alguns sem dar créditos, infelizmente). Algum, por exemplo, são bem conhecidos, como O Show de Thrumam, Matrix, alguns episódios de Black Mirror e, acredite se quiser, até mesmo nos livros da trilogia Divergente.

“Se ele tivesse algo assim, pensou Vic, talvez se sentisse melhor. Uma família. Nada no mundo se compara a isso. E ninguém pode tirar isso de nós.”

A trama começa de forma bem simples, nos apresentando aos poucos os personagens que a compõem. O maior foco fica em Ragle Gumm, que é o protagonista. Mas, por vezes, também vemos a história se desenrolar pelo lado de Bill Black, o vizinho intrometido de Gum, e também por Victo Nielson, o cunhado. Cada um desses personagens introduzem experiências adversas à trama, o que aos poucos vão contribuindo para torná-la cada vez mais bizarra. Ragle é quem vai viver a maior parte das aberrações e se questionar se tudo aquilo de fato está acontecendo, se tudo não passa de uma alucinação ou doença. Ele é um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, desempregado e que mora na casa da irmã. Seu “trabalho” consiste em acertar todos os dias as respostas de um concurso do jornal local. E assim ele leva a sua vida, na mais perfeita calmaria – até o tempo e espaço saírem de ritmo.

De começo, não criamos muita empatia com os personagens, mas conforme as coisas estranhas vão acontecendo, uma ligação de angústia se cria juntamente com o protagonista. Imagine, por um minuto, perder a noção do que está acontecendo, sentir que o mundo a sua volta esconde alguma coisa, que você não é dono de suas próprias escolhas. É assim que o protagonista vai se sentir durante a trama. E quando mais ele tenta entender o que se passa, mais perturbadoras vão se tornando as evidências de que a vida que ele tem não passa de uma ilusão. A grande questão é: quem – ou o que – estaria por trás de tudo, e por qual razão?

“A palavra não representa a realidade. A palavra é a realidade. Para nós, pelo menos. Talvez Deus chegue aos objetos; Nós, contudo, não.”

Como o livro só chega agora em terras tupiniquins, algumas mensagens “por baixo dos panos” passam despercebidas; porém, por ter sido escrito na década de 50-60, com um olhar mais atento é possível identificar alguns dos medos e anseios que rondavam a população americana nos anos entre o fim da 2ª Guerra Mundial e começo da Guerra Fria. A incerteza de que o dia seguinte viria e a desconfiança de que a paz fosse duradoura, ao mesmo tempo em que novas tecnologias ascendiam em detrimento de outras, como a TV, tudo isso está presente na história. E foram expostas de forma muito inteligente por parte do autor, sobretudo o final, que é bem diferente do que eu poderia imaginar. Na verdade, há muitas pistas ao longo do livro, mas são tão sutis que facilmente não as notamos.

Eu sou um grande admirador do trabalho do Philip, mas devo dizer que havia começado com o pé esquerdo no mundo literário dele. Havia lido o conto “Agentes do Destino” e, apesar da ideia bacana, achei muito fraco. Semanas atrás, li Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, que foi uma narrativa mais voltada a questões filosóficas e melancólicas. Gostei, mas ainda assim não “fui fisgado”. Porém, em O Tempo Desconjuntado, senti envolvimento com a trama e adentrei cada vez mais na jornada do personagem, ficando aflito com ele quando tudo parecia sair do controle. Também devo mencionar que a leitura flui muito rápido nesse livro, o que ajuda a não tornar as coisas cansativas. Salvo algumas pequenas exceções (cortes abruptos da narrativa e alguns capítulos meio desconectados),  é uma história pra lá de boa.

“Eu quase consegui transpor o limite e ver as coisas como são. Não da maneira como elas foram criadas para serem vistas, em função de nós.”

Esta edição feita pela Suma está um espetáculo: está com uma boa diagramação, é em capa dura e a ilustração faz todo o sentido depois que lê-se a história. Minha única ressalva é em relação à tipografia usada na capa. Não gostei muito do nome do autor grande do jeito que está, com aquelas barras brancas. Acredito que poderia ser algo mais discreto, dando maior visibilidade à arte. Mas isso é o de menos, claro. O conteúdo é altamente relevante e sem dúvida a editora começou com o pé direito em se tratando do autor.

Foi uma grata satisfação ler esse livro e confirmar mais uma vez o porque de suas obras serem tão bem apreciadas pela crítica nos últimos anos. Prova disso é a recente produção da Amazon, Electric Dreams, baseado em contos inéditos do autor (sem contar os vários filmes que já foram adaptados de suas obras). Nesse livro, o autor soube questionar o sentido de realidade de uma forma totalmente diferente, inteligente e sagaz. Não há dúvidas de que é uma ótima recomendação para qualquer leitor, não apenas para quem gosta de sci-fi, mas também para quem curte uma trama com eventos bizarros mas que no final se mostram totalmente lógicos e plausíveis.

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O TEMPO DESCONJUNTADO

Autor: Philip K. Dick

Editora: Suma

Ano de publicação: 2018

Ragle Gumm tem um trabalho bastante peculiar: ele sempre acerta a resposta para um concurso diário do jornal local. E quando ele não está consultando seus gráficos e tabelas para o trabalho, ele aproveita a vida tranquila em uma pequena cidade americana em 1959. Pelo menos, é isso que ele acha. Mas coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, Ragle encontra uma lista telefônica e todos os números parecem ter sido desconectados. Depois, uma revista sobre famosos traz na capa uma mulher belíssima que ele nunca tinha visto antes, Marilyn Monroe. E para piorar, objetos do dia a dia começam a desaparecer e são substituídos por pedaços de papel com palavras escritas, como “vaso de flores” e “barraca de refrigerante”. A única alternativa que Ragle encontra para descobrir o que está acontecendo é fugir da cidade e de todos esses acontecimentos bizarros, contudo, nem a fuga nem a descoberta serão tão fáceis quanto ele imaginava.

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