(Ou, “a Revolução é pesada”)grantmorrison

A indústria de quadrinhos americana ficou, por muito tempo, de mãos atadas graças a uma ferrenha censura imposta pelo Comic Code, e a falta de valoração do meio como uma forma de arte válida. Enquanto alguns personagens quixotescos como Will Eisner lutavam para defender a bandeira dos quadrinhos, lançando obras incontestáveis de seu valor literário (como Um Contrato com Deus – 1978, cunhando o termo ‘Graphic Novel‘), assim como Art Spiegelman com seu Maus de 1980 e o canadense Dave Sim com a longeva série independente ‘Cerebus‘ de 1977 a 2004.

 Em 1986 Frank Miller publicou a história ‘O Cavaleiro das trevas’ (The Dark Knight Returns), quase simultaneamente a sua revisão da origem de Batman em 1987 no arco ‘Ano Um’ (Year One), adicionando camadas aos quadrinhos de super herói que antes não eram imaginadas, com discussões sobre política, justiça e o valor do individuo em nosso sistema societário. Miller basicamente redime o gênero dos heróis ao oferecer a este uma abordagem mais séria e abrangente. Miller no entanto não estava sozinho.

Alan Moore que já vinha trabalhando no Monstro do Pântano (1984-1987) assim como lançando o divisor de águas dos quadrinhos mainstream: Watchmen (1986-1987 – mais sobre a série em breve). Em breve inicia-se o movimento conhecido como a ‘Invasão Britânica’ e trazendo no fim dos anos 80, autores do calibre de Neil Gaiman (Sandman), Garth Ennis (Preacher, Hellblazer), Jamie Delano (Hellblazer) e o careca Grant Morrison (da foto) para mudar a perspectiva de quadrinhos com histórias mais adultas, e, com isso levando à criação do selo adulto da DC Comics, Vertigo.

Para os não iniciados, Morrison é apenas uma figura carismática/excêntrica dos quadrinhos que admira os Beatles talvez um pouco demais (vai por mim, não é coincidência que a edição 1 de Invisíveis traga John Lennon e Stu Stucliffe numa história batizada ‘Beatles mortos’ , e reunida num volume um com capa branca e intitulado ‘Say you want a revolution’).

Morrison é um dos mais influentes autores de quadrinhos modernos explorando em vastas cargas a metalinguagem como recurso narrativo e rompendo com certa frequência a quarta margem para colocar o leitor em um papel mais ativo que de mero espectador, ao contemplar a possibilidade que a fina peça de papel que segura pode ser um portal para um mundo maior (ou, ao contrário, nosso mundo ser o ‘mundo maior’ para aquele que seguramos no papel). É o que ele fez quando discutiu a violência gráfica em Homem Animal com o espetacular Evangelho do Coiote (a Panini recentemente republicou e vale muito a pena) ou em outros elementos de suas obras como a incrível ‘Irmandade do Dada’ (Do movimento dadaísmo do início do século XX).Invisibles_Vol_3_7

Em Invisíveis, com um cenário filosófico, histórico e há um bocado de comparações com Matrix (juro que não sou o único que acha isso, veja aqui), sobre a questão da alegoria da Caverna de Sócrates (da possibilidade da realidade não passar de uma ilusão conforme o contexto do observador) inclusive sobre a estrutura de células terroristas organizadas para minar a figura autoritária dominante (que quer subverter a humanidade a uma condição de um vazio êxtase como meros instrumentos e ferramentas para as tais figuras dominantes). Até as noções dos personagens se balanceiam entre o filme e a história de Grant Morrison – um novato com enorme potencial que é conduzido pelo líder carismático e uma mulher fodona que quebra tudo (e que é o interesse romântico do novato) e passa a conhecer a realidade como ela é – enquanto descobre que tem um grande papel e destaque nessa nova condição.

Destaco que a ausência de nomes no parágrafo anterior é proposital.

Vou além: Tantos nos filmes como nos volumes, há enorme similaridade quanto a qualidade do conteúdo (o 1º é muito bom, tem grandes ideias e potencial, apesar de algumas limitações claras, que não existem no segundo e por isso, esteticamente é mais bonito, mas com um conteúdo menos empolgante, e que se perde num roteiro confuso – que descamba de vez tanto ao final do segundo quanto na parte final, o terceiro).

Mas enquanto Morrison questionava o que era ser um adolescente como uma pergunta atemporal no sentido de questionamento existencial (da busca do ego e posição social, contextualizando isso pela presença constante de exemplos históricos) com doses cavalares de anarquismo e niilismo como um antídoto à toda a caretice social (e/ou o mundo adulto), a obra dos Wachowski se leva a sério demais – com seus sobretudos de couro, óculos escuros e carrancas fechadas.

E é inclusive pelo excesso de confusão e problemas (o volume final com apenas 12 edições tem DEZESSETE ARTISTAS[!] e, inclusive no arco final alguns deles não seguiram o roteiro definido para as edições – fizeram só a arte que depois foi incorporada ao roteiro) que a série perde o impacto e um discernimento de constância na qualidade do material, e parte de sua relevância… Chegando a um ponto ao final em que as histórias de bastidores são mais interessantes que a própria história que foi publicada.

Como por exemplo a história que Morrison foi abduzido por alienígenas no Nepal e lá eles lhe contaram o roteiro das 59 edições… Ou as cartas trocadas com os editores para justificar o lançamento (e relançamento devido a baixas vendas)… Juro que não inventei nada disso!

A editora Panini já lançou seis dos previstos sete (mas provavelmente oito) volumes da série em Português, e vale bem a pena dar uma conferida.

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