Comédia é coisa séria. Como o sexo, o riso já foi considerado pela Igreja Católica coisa do diabo (vide O Nome da Rosa); e para os políticos e poderosos, o escárnio e as piadas são objeto de preocupação – foram sempre os engraçadinhos alguns dos visados prediletos da repressão. Contudo, não havemos de confundir a comédia com o humor, apesar de hoje o senso comum mesclar os dois conceitos. Enquanto o humor se refere a um estado de espírito relacionado ao bem-estar, logo, ao sorriso e às risadas dos indivíduos, a comédia é o uso de tal estado de ânimo na dramaturgia – são personagens, seus erros, causos, vícios e falhas. É o que nos concerne aqui ao falarmos de cinema.

Na minha opinião, como comédia é coisa séria, ela é uma das formas da arte que melhor representam a condição humana. Por vezes, nós nos levamos a sério demais, e não observamos com a devida ironia as tragédias da vida. Deveríamos encarar seriamente a ideia de que no fundo somos todos bobos sendo constantemente enganados pelas próprias expectativas e defeitos, basicamente o que é a trajetória de qualquer personagem cômico. As comédias refletem as nossas próprias trajetórias – e nem toda grande comédia faz-se só de grandes risadas.

Buster Keaton

Um dos pais do cinema, Keaton, não só um brilhante comediante, foi um dos inventores do filme enquanto arte e linguagem, ainda em sua era muda. Criado no circo, ficou famoso por suas acrobacias, efeitos e stunts perigosos e engenhosos. A pantomima (isto é, a atuação feita exclusivamente através de gestos corporais) era sua especialidade, e sua carreira começou a declinar a partir do advento dos filmes falados e com som. Para completar seus inúmeros pioneirismos, Buster Keaton foi o comediante a desenvolver e aperfeiçoar o deadpan – isto é, a expressão vazia; quando um comediante faz uso deliberado da ausência de expressão, emoção e linguagem corporal para buscar o riso da audiência.

Alguns de seus curtas famosos (todos em domínio público e disponíveis na internet) são:
The Goat (1921)
Cops (1922)
Sherlock Jr. (1924)


Charlie Chaplin

Seguindo a linha de Buster Keaton, e acompanhando-o em seus pioneirismos, Chaplin diferenciou-se de Keaton na medida em que seu humor pendia ao político e ao melodramático. Mestre também na pantomima, Chaplin transcendeu o cinema mudo e sua influência adentrou a era do cinema falado, através de uma comédia que encarnava o protagonismo de personagens oprimidos e suas idiossincrasias e maneirismos em meio a um mundo cruel demais para aceitá-los. Com ele, ri-se e chora-se ao mesmo tempo, em uma grande fusão entre o trágico e o cômico.

Alguns de seus filmes famosos:
Em buscar do Ouro (1925) – filme da cena acima
Luzes da Cidade (1931)
Tempos Modernos (1936)


Irmãos Marx

Remetendo à era muda, os irmãos Marx foram os primeiros grandes comediantes do Cinema falado, incorporando as anedotas, trocadilhos e piadas também nos diálogos e falas, em paralelo a uma pantomima tão excelente quanto a de seus predecessores. O uso de três personagens, ou clowns, cada qual com uma personalidade contrastante, é uma fórmula clássica do humor – e com os Irmãos Marx ela é elevada à maestria. O sucesso foi tanto que, só de sacanagem, “transformaram” o “líder” dos irmãos, Groucho Marx, em vertente política: o groucho-marxismo.

Alguns de seus filmes famosos:
Gênios da Pelota (1932)
Diabo a Quatro (1933) – filme da cena acima
Uma noite na Ópera (1935)


Jacques Tati

Jacques Tati foi um cineasta que, já na consolidada era do cinema falado, fez comédias com muito pouco diálogo. Apesar disto, seu cinema não era mudo: as trilhas sonoras, sons ambientes e efeitos, apesar da ausência de conversas, transformam seus filmes em experiências únicas e primazias auditivas. Seus filmes giram em torno de um personagem, o Monsieur Hulot (o qual Rowan Atkinson baseou-se para criar o Mister Bean). Tati é o mais idiossincrático da lista, e seus filmes são os mais conceituais e, certamente, “difíceis” de toda a seleção.

Filmografia selecionada:
As férias do Sr. Hulot (1953)
Meu Tio (1958) – Oscar de melhor filme estrangeiro de 1959
Playtime (1968)


Mel Brooks

Mel Brooks é um dos cineastas mais completos da comédia, e atuou principalmente na paródia e na sátira. Tirou sarro da ficção científica, do faroeste, do terror, do cinema mudo, da História humana, de tudo. Inteligente, pertence a geração de comediantes de roteiro – seus filmes fazem muito uso do nonsense, da incongruência, do besteirol, mas sem nunca perder a maestria. De origem judaica, compartilha de algumas semelhanças com Woody Allen – apesar de menos intelectualizado em suas piadas, Mel Brooks também torna suas comédias exercícios de inteligência e sagacidade.

Filmografia selecionada:
Banzé no Oeste (1974)
A História do Mundo, parte 1 (1981) – filme da cena acima
S.O.S – tem um louco solto no espaço (1987) – paródia de Star Wars


Woody Allen

Woody Allen é o comediante mais versátil da lista. Passou pelo stand-up, pelos roteiros para a televisão e, além de dirigir e escrever seus próprios filmes, é um exímio ator. Criador de um estilo único, os filmes de Allen, judeu como Mel Brooks, transcendem a comédia: com uma filmografia de quase 50 filmes (e crescendo), suas obras não se limitam ao humor – muitos também são grandes tragédias. É, com certeza, um dos melhores roteiristas da História de Hollywood e um dos maiores diretores do Cinema ainda vivos. Crescido no ambiente da contracultura estadunidense dos anos 60, Woody, muito intelectualizado, usa muito da psicanálise, da literatura e da erudição para seu humor.

Filmografia selecionada:
Bananas (1973)
A Última noite de Bóris Grushenko (1975) – filme da cena acima
Meia-noite em Paris (2011)


Monty Python

O grupo de humor inglês Monty Python iniciou no fim dos anos 60 um programa de televisão na BBC chamado Monty Python’s Flying Circus, e veio a produzir três filmes originais até o início dos anos 80. Marcantes na História da Comédia, um de seus membros, Eric Idle, participou do encerramento das Olimpíadas de Londres de 2012, de tão importante e popular que é o grupo para a cultura da Inglaterra. São um dos maiores representantes do humor nonsense e também costumam fazer piada sobre a vida e a morte – talvez nonsense mesmo seja a nossa própria existência (por que raios estamos aqui, afinal?).

Todos os três filmes lançados pelo grupo:
Em busca do cálice sagrado (1975)
A vida de Brian (1979)
O sentido da vida (1983) – filme da cena acima


Nós, seres humanos, ao que tudo indica, nem de longe somos o único animal que sofre, que sente prazeres físicos ou que faz uso de seu intelecto para a sobrevivência, mas somos o único animal que ri. Sabe-se lá o porquê. Talvez porque sejamos os únicos que percebem o quão ridículos realmente são. Ou, pelo menos, somente quando vamos ao Cinema.

Os vídeos ilustrativos de cada um dos comediantes não é o mais representativo de suas respectivas obras, porém, foram os melhores possíveis que procurei dadas as limitações de tempo, contexto e disponibilidade, no Youtube. 

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