Com a estreia de Star Wars – O Despertar da Força dia 17 de dezembro no mundo todo, parece nada mais que prudente falar um pouco sobre um dos mais importantes ícones da história cinematográfica (goste ou não – e tenho de admitir que estou longe de ser fã, na verdade nunca entendi tanto o fanatismo sobre a série – Star Wars mudou a história dos efeitos visuais, da ficção científica e até mesmo da comercialização e distribuição de filmes).

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O que explica o sucesso da série é na verdade bastante simples, ainda que seja requerida alguma compilação de dados.

Guerra nas Estrelas é um sucesso ao apostar em ferramentas e dinâmicas que o cinema, até então não havia concebido, ou ao menos não havia combinado. A ficção científica, por exemplo, até então era objeto de duas correntes, a de filmes ‘B’ de baixo orçamento e qualidade (coisas que Ed Wood faria) ou era notadamente algo mais inerte, frio e metódico (algo que Stanley Kubrick faria). Mesmo assim não era exatamente um gênero popular, por mais que estivesse por aí quase a tanto tempo quanto o próprio cinema.

Com o sucesso de 2001: Uma odisseia no espaço em 1968, as portas para o gênero se abriam, e a corrida espacial tornava o interesse pelo espaço cada vez maior, ainda que o primeiro filme só fosse lançado 1977.

Do filme em si, o primeiro fato importante a se destacar é algo que Joseph Campbell em seu estudo definiu como ‘monomito‘ ou ‘A jornada do herói‘ que compreende praticamente todas as grandes sagas, mitos, lendas e histórias. A versão resumida é que Campbell define a estrutura de toda jornada em três grandes fases:

1) Partida, 2) Iniciação e 3) O retorno;

Cada uma destas fases contém estruturas padrões, algumas das quais podem compor uma história toda sozinha, como a condição de ‘o chamado para a aventura’, ‘barriga da baleia‘ ou ‘o resgate inesperado‘.

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Ainda que existam teorias conflitantes sobre o assunto como a do escritor Kurt Vonnegut que em sua tese aponta a divisão de histórias em oito grandes categorias, que permite a integração de dramas e mitos negativos/ambíguos que não compartilhem valores positivos (ou mesmo que sequer compartilhem valores, além de narrar uma história). Campbell no entanto concentra seus estudos na mitologia comparada dos mitos e religiões antigas de diversas partes do mundo, e permeia histórias que seguem essa mesma estrutura, e é importante destacar que mesmo assim a teoria de Campbell abraça praticamente todas as histórias, ao ponto que é possível substituir e encontrar paralelos em outras grandes sagas como Senhor dos Anéis ou Matrix (ou A Queda do Morcego – só comentando).

A teoria vai além disso destacando também a presença de oito grandes Arquétipos:

1 – O Herói: Associação comum da figura que representa a pessoa comum – ou seja, o leitor/espectador. O herói representa, não apenas o protagonista da ação, mas a humanidade e seus ideais, através de suas falhas e a busca pela redenção. Quem mais além de Luke Skywalker?

2 – O Mensageiro/Arauto: Representa a transição do ponto A (a apresentação do herói) ao contexto de mudança e ação. Pode ser uma pessoa, ação, objeto ou uma ocorrência. É o ponto de transição que muda a história da introdução para o desenvolvimento (Já conhecemos o herói, e com o arauto/mensageiro conhecemos suas motivações). Em Star Wars reside no dróide R2-D2.

3 – O Mentor: A figura paterna/materna do autor manifesto como o guia entre os eventos. Sábio e humilde, normalmente o mentor tem todas as respostas e soluções, mas ele próprio não age, só assessora o herói. Obi-Wan e Yoda são os mentores de Luke em seu treinamento jedi.

4 – O(s) aliado(s): É o parceiro de briga, o pau pra toda obra que iria ao inferno e voltaria para auxiliar o herói em sua jornada. Estão sempre com o herói em sua jornada, tem as mesmas motivações e objetivos, mas são secundários, são apenas os parceiros, os aliados. Principalmente Chewbacca, mas é a função primária de Leia.

5 – Os guardiões: São obstáculos, concorrentes ou vilões menores com o propósito de dificultar a obtenção do objetivo do herói. O exército imperial, principalmente, mas existem obstáculos menores durante a saga.

6 – O Trapaceiro: Apesar do nome, não necessariamente é alguém com más intenções ou algo do tipo… É mais como um personagem com o intento de causar confusão/bagunça, e servir como alívio cômico. Aqui é o lugar do segundo droide (sempre resmungão e entrando em confusões) C-3PO.

7 – O Coringa/Transmorfo*: No baralho a função dum coringa é substituir e mudar de valor de acordo com a necessidade, e é justamente o que faz o personagem na estrutura de uma história. Sua função muitas vezes é de questionar e/ou enganar (passando de um arquétipo para outro), e Han Solo sempre com seu sorriso malicioso e sua atitude de anti-herói questionando a força, os planos e ideias exerce essa função.

NOTA: Particularmente eu prefiro o termo ‘coringa’, mas já vi a utilização de ‘transmorfo’ uma vez que é mais próximo da tradução do que Campbell propôs (o termo original é ‘shapeshifter‘ ou ‘mudador de forma’ se me permitem uma tradução porca e literal).

8 – A Sombra: O vilão, a ameaça mór e definitiva. Quanto mais poderosa a ameaça da sombra (ou seja, a imagem negativa do herói – por isso sua ‘sombra’), maior e mais incrível se torna o herói. É muito comum essa noção da sombra como uma anti-versão do herói, de maneira maniqueísta e simples (o herói é bom, o vilão é mau, o herói é sério, o vilão é comediante, e assim por diante). Quem mais além de Darth Vader?

Existe também um bocado de iconografia visual imbuída no trabalho de Lucas, que inclui inspirações nítidas no cinema asiático, mas há grande destaque para a obra de Akira Kurosawa ao que vale destacar que Kurosawa é um dos maiores diretores de todos os tempos com uma visão única e habilidade incomparável com a câmera, o que torna a aspiração de Lucas em sua obra ainda maior. As coreografias das lutas de sabres bastante inspiradas nos confrontos de filmes de Samurai como Yojimbo de 1961 e sua continuação Sanjuro de 1962 assim como A Fortaleza Escondida de 1958, (nesse caso a inspiração vai além das lutas de espadas para parte da trama e composição de personagens como o resgate da Princesa Yuki que se dá pela mensagem de dois improváveis subalternos).

Não para por aí, pois os roteiros também contam com algumas inspirações visuais vindas direto dos quadrinhos, como a armadura do vilão Darth Vader que segue bastante o modelo dos trajes do vilão da Marvel Comics Doutor Destino (criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1962), mas a série também é bastante influenciada pela tira de Alex Raymond, Flash Gordon (George Lucas inclusive lançou aos estúdios a ideia de seu filme como uma adaptação das aventuras do herói intergalático), e existem várias referências em naves, trajes e panorâmicas. Inclusive, a icônica transição de texto das aberturas de Star Wars é influenciada pela adaptação de Flash Gordon ao cinema em 1936.

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As influências dos quadrinhos também tomam raiz na altamente freudiana história da saga “O Quarto Mundo” escrita por Jack Kirby para a DC Comics na década de 70, em que dois planetas de deuses que representam efetivamente os poderes do bem e mal vivem em um eterno conflito, e cuja dissuasão se dá quando os dois lados conflitantes estabelecem a ‘paz’ ao trocar os primogênitos de seus líderes (impedindo assim que um lado destruísse o outro por ter seu filho em meio a seus inimigos) e conta a jornada do garoto Orion que descobre que seu pai é o maior vilão do universo, e que precisa detê-lo.

Há também a importância musical, seguindo a teoria do grande compositor Richard Wagner sobre a ‘leitmotiv‘ (tradução literal ‘motivo condutor’), que integra a condição das trilhas sonoras específicas com a trilha de John Williams para cada um dos grandes personagens, incluindo suas transições (a imponente marcha imperial que tem seu tempo alterado para a reconciliação com a figura paterna no terceiro filme, por exemplo). Mais que isso, ainda que a música de Williams seja orquestrada ela tem uma sonoridade um pouco mais popular que clássica, algo como o rock progressivo dos anos 70 (que com bandas como Pink Floyd e Rush traziam temas espaciais em suas canções e álbuns como Interestellar Overdrive de ‘Piper at the gates of Dawn‘ de 1967 ou a suite ‘2112’ do álbum de mesmo nome de 1976).

 

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