O Quinze, da escritora brasileira Rachel de Queiroz, foi publicado originalmente em 1930 pela Editora José Olympio, hoje parte do Grupo Editorial Record. Esta edição é de 2016.

SOBRE O LIVRO

Em referência à grande seca que tomou o nordeste brasileiro no ano de 1915, quando a autora tinha apenas 5 anos, a trama se desenvolve em torno de dois eixos principais: por um lado, temos a relação entre Conceição, uma professora culta e solteira, e seu primo Vicente, um criador de gado. Por outro lado, acompanhamos a luta do vaqueiro Chico Bento e sua família em meio a seca.

“- E nem chove, hein, Mãe Nácia? Já chegou o fim do mês… Nem por você fazer tanta novena…”

Em meio a este importante evento histórico do nosso país, nos vemos diante de uma trama que busca na simplicidade e na linguagem regional e historicamente precisa o retrato de um povo, de uma época, de um contexto pouco explorado na nossa literatura. A partir dessa união entre documento histórico e personagens fascinantes, Queiroz conseguiu construir uma obra marcante e singular em pouco menos de 150 páginas.


MINHA OPINIÃO

De modo muito impressionante, este, que é em geral o livro mais conhecido e respeitado da autora, foi seu romance de estreia, publicado quando Rachel de Queiroz tinha apenas 20 anos. Esta obra teve um importante papel no destaque que a famosa “Geração de 30” ganhou no cenário nacional,  de modo que traz à tona um estilo bastante particular, pelo qual este período do modernismo brasileiro ficou conhecido. Este estilo é caracterizado principalmente por seu aspecto mais cru e naturalista, isto é, a narrativa tende se manter o mais fiel possível às especificidades regionais e históricas da linguagem.

Como consequência dessa escolha estilística, o leitor se vê diante de uma narrativa que contém uma série de termos bem particulares ao sertão nordestino do início do século XX. Muito embora esta edição conte com um excelente glossário ao qual podemos nos referir ao longo da leitura, contando inclusive com marcações no texto quando há palavras esclarecidas nele, esta escolha estilística pode acabar se tornando um empecilho na compreensão do texto, pois faz com que a leitura não seja tão fluida quanto poderia. Acredito, no entanto, que este é um daqueles livros que possuem um estilo e linguagem tão específicos, de uma simplicidade e realismo radicais, que grande parte do seu sentido esta justamente neste estilo e uma linguagem mais “contemporânea” não seria capaz de propiciar a mesma experiência literária.

“De repente, um bé!, agudo e longo, estridulou na calma.

E uma cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça por entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os rudimentos de orelha, evidentemente procurando ouvir, naquela distensão de sentidos, uma longínqua resposta a seu apelo”.

Porém não é só neste aspecto mais formal que residem as qualidades deste livro. Outro ponto muito interessante, e este não encontramos nos romances de seus contemporâneos homens, é o modo como Queiroz caracteriza sutilmente o feminismo e a vida culta e afastada do cotidiano do sertão que Conceição leva. A personagem constantemente é vista em meio a grossos volumes em francês, já aceitou e abraçou a sua vida de “solteirona” há muito tempo e frequentemente deixa a família desconcertada com suas ideias modernas, algumas até de cunho socialista.

“Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona”.

É justamente esta forte personalidade que irá vir à tona em meio a sua relação com Vicente, seu primo que, ao contrário dela, seguiu na tradição, trabalhando na terra e tomando conta do gado. A seca, no entanto, vai tomando conta da região de tal forma que já não parece possível que a família continue sobrevivendo da terra como vem fazendo por gerações. Nessa relação, conseguimos sentir a profunda tristeza de uma família diante da luta contra o impossível, da percepção de que sua terra e a vida como conheciam até então está sendo arrancada de suas mãos.

Ao mesmo tempo, a autora nos mostra, na figura de Chico Bento e sua família, aqueles cujas posses não permitem nem a fuga digna e são obrigados a enfrentar um longo e árduo percurso a pé em busca de uma vida mais digna na capital. É nele que o aspecto social daqueles que se veem obrigados a tornarem-se retirantes em nome da sobrevivência tem seu retrato mais duro e cruel.

Rachel de Queiroz constrói, desse modo, uma narrativa não só historicamente pertinente, mas extremamente tocante. Seus personagens fazem com que o leitor torne-se tão empático à situação apresentada que não pude deixar de sentir falta de mais páginas, de mais história, ao concluir esta leitura. O que, no entanto, poderia ser considerado uma deficiência da obra, também é seu grande trunfo. Pois, nesse caso, é justamente ao nos deixar curiosos e querendo mais que a autora prova o seu valor.

Acredito que este seja um daqueles livros em que é preciso estar preparado para o que vamos encontrar para ser melhor aproveitado, pois não é um leitura tão simples quanto um primeiro olhar pode sugerir. Mas é uma experiência única e extremamente recompensadora, especialmente para aqueles que buscam uma leitura que una com maestria o lado histórico com uma trama tocante e uma grande capacidade de tornar-nos mais empáticos.

O QUINZE

Autor: Rachel de Queiroz

Editora: José Olympio

Ano de publicação: 2016

Um clássico da literatura nacional com novo projeto gráfico. Lançado originalmente em 1930, O Quinze foi o primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz. Ao narrar as histórias de Conceição, Vicente e a saga do vaqueiro Chico Bento e sua família, Rachel expõe de maneira única e original o drama causado pela história da seca de 1915, que assolou o Nordeste brasileiro, sem perder de vista os dilemas humanos universais, que fazem desse livro um clássico de nossa literatura.

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