Atenção!

Atenção, a obra apresenta descrições extremamente gráficas de tortura.

Santiago Mitre traz o cinema argentino à Amazon Prime com seu longa Argentina, 1985 (2022). Mitre além de dirigir também assina o roteiro em coautoria com Mariano Llinás, construindo um drama histórico cheio de suspense e intimidade.

O filme, que conta com o gigante nome de Ricardo Darín não apenas como estrela principal mas também como produtor, está emplacando diversas indicações a prêmios internacionais. Do Festival de Veneza, passando pelo Leão de Ouro e chegando ao Critic’s Choice Award, Argentina, 1985 já estava sendo considerado a grande chance da Argentina de voltar ao Oscar em 2023.

O filme se inspira em fatos reais e acompanha os advogados responsáveis pelo que ficou conhecido como Julgamento das Juntas. Julio César Strassera (Darín) se vê posto por forças políticas superioras no olho do julgamento de oficiais que lideraram o país durante a ditadura militar, julgamento esse movido para a esfera civil após a falha do sistema marcial em condená-los. Com isso, Strassera se envolve com Luiz Moreno Ocampo (Juan Pedro “Peter” Lanzani), que é designado promotor adjunto, e um grupo de jovens que os dois mobilizarão na construção do caso. Isso tudo enquanto o advogado teme por sua segurança e a de sua família.

Esta é uma história poderosa, que consegue equilibrar uma narrativa instigante com o aspecto pessoal de seu protagonista, e ainda apresentar a sensibilidade necessária ao abordar os horrores da ditadura militar argentina. Cenário, figurino e tratamento de imagem te transportam no espaço-tempo, enquanto a fotografia entrega uma atmosfera intimista. Além disso, o roteiro espaça com maestria momentos de maior ação, de tensão e de emoção, de forma que me vi completamente envolvida pelo filme.

Nesse sentido, um dos aspectos técnicos que mais impressiona e que acrescenta muito na estratégia narrativa é a incorporação de imagens reais, televisionadas na época, às gravadas. Isso não apenas choca o espectador com a verossimilhança da produção, como serve de lembrete da tristeza que é tudo ter acontecido de verdade. E a edição não economiza em criatividade para tornar as transições o mais naturais possíveis.

Em termos de atuação, meu mais sincero elogio é que você simplesmente esquece que está assistindo a um filme. Tudo parece muito genuíno, o que aproxima demais o espectador da narrativa já envolvente. Mais mérito ainda é merecido pois a história apresenta tons muito distintos em cada ato, e ainda assim eu estava convencida das ações de todos a cada progressão.

Os personagens do filme são muito cativantes. O grupo de jovens tem pouca individualidade, mas é da dinâmica entre eles e os dois advogados que surge um carinho geral. Isso pois são todos funcionários públicos administrativos, recém-saídos da adolescência, ingênuos e (sem carga pejorativa) ignorantes sobre a situação política do país, mas que se dispõem a ajudar nessa causa, e nós podemos assistir enquanto eles mergulham de cabeça na busca por justiça. Também a família de Strassera tem seu papel: sua esposa Silvia (Alejandra Flechner), a filha mais velha, Veronica (Antonia Bengoechea) e o pequeno Javier (Santiago Armas Estevarena) têm personalidades fortes e amam Strassera, encorajando-o durante todo o processo.

Ocampo tem seu drama à parte, por ser parente de militares. E ainda assim, ele está disposto a sacrificar o que for preciso para trazer justiça aos argentinos. Daí surge não apenas conflitos mas também a linda amizade com Strassera, um homem mais velho, sério e desiludido, que se opôs ideologicamente à ditadura, mas tem muito medo das consequências de lutar. É somente ao longo do filme, com as interações com os demais, com o filho principalmente, e com o levantamento de casos individuais que ocorreram durante o governo militar, que Strassera vai se permitindo envolver e acreditar, o que torna o final ainda mais arrepiante.

Nunca mais.

As cenas do tribunal apresentam descrições extremamente gráficas de tortura. Não há imagens, mas deixo o aviso para públicos mais sensíveis, pois é de arrasar o coração e revirar o estômago.

Argentina, 1985 é um filme necessário e excelente. Há muitos detalhes sobre os quais eu poderia falar por horas. Fica a recomendação principalmente para quem gostou (por falta de uma palavra melhor) de O Julgamento de Nuremberg (2000) e do documentário O Silêncio dos Outros (2018). A única ressalva que faço é que o filme exige um conhecimento histórico prévio; eu entendo não haverem explicações, mas para um longa com tanto apelo e potencial internacional, acredito que situar alguns nomes seria positivo. Mas, sem dúvida, a experiência vale a pesquisa.

ARGENTINA, 1985

Diretor: Santiago Mitre

Elenco: Ricardo Darín, Peter Lanzani, Alejandra Flechner, Norman Briski

Ano de lançamento: 2022

Baseado em fatos reais, Argentina, 1985 se inspira na história de Julio Strassera, Luís Moreno Ocampo e sua equipe processam militares da ditadura argentina, mais conhecida como Julgamento das Juntas. O processo começou pouco tempo antes do começo do julgamento, quando dois promotores começam a pesquisar e julgar as cabeças da Ditadura Militar Argentina. Strassera e Ocampo enfrentam-se à influência das pressões políticas e militares e reúnem a uma equipa legal de advogados para levar a cabo o julgamento das juntas. O Julgamento das Juntas foi o primeiro julgamento no mundo por um tribunal civil contra comandantes militares que tinham estado no poder. Começando em 22 de abril de 1985, o julgamento durou cerca de 530 horas de audiência, das quais participaram 850 testemunhas. No final, 709 casos foram julgados e sentenciados pelos juízes León Arslanian, Ricardo Gil Lavedra, Jorge Torlasco, Andrés D’Alessio, Guillermo Ledesma e Jorge Valerga Aráoz.

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