Ficção Americana se colocou muito rápido naquela lista de filmes extremamente inteligentes em que eu me pego pensando ao acaso. A direção e o roteiro de Cord Jefferson constroem uma dramédia cheia de metalinguagens, envolvente do início ao fim. Jefferson também coassina a produção ao lado de Ben LeClair, Jermaine Johnson, Ram Bergman e Nikos Karamigios, enquanto Cristina Dunlap assina a fotografia.

Sobre o Filme

A sinopse oficial do longa estabelece uma premissa inusitada: Monk, um autor negro, escreve um livro carregado de estereótipos para debochar do mercado editorial, mas não tinha como prever o sucesso da obra em que nem ele acredita. E no entanto, esse é apenas um arco narrativo de Ficção Americana: boa parte da história é um mergulho no personagem de Monk, que vê sua família se despedaçar e sua carreira fugir ao seu controle, enquanto sofre com o profundo conflito interno entre saber quem é e achar que talvez não possa ser essa pessoa.

Esse é um filme baseado nas hipocrisias da sociedade moderna, e o seu brilhantismo está em conseguir inserir a ironia na história através de cenas, mas também no todo. Ficção Americana é em sua estrutura e em sua essência uma grande ironia, um verdadeiro tapa na cara.

Isso porque a parte de comédia do filme, sobre os absurdos cada vez maiores envolvendo esse livro que começou como uma piada e se torna um fantasma assombrando a vida de Monk, entrega de forma descarada a crítica à forma como nós, pessoas brancas, tendemos a ver valor em histórias sobre pessoas pretas apenas se estas reforçarem narrativas de tragédia (as chamadas narrativas “importantes”). E, no entanto, o grande brilhantismo está no contraste com a porção dramática do longa, onde vemos conflitos universais de família e perda.

O longa é muito sobre Monk; você sente que, mais do que estar acompanhando um personagem principal, a história é narrada por ele. E ele não é um personagem agradável (se você precisa gostar do protagonista para gostar do filme, eu deixaria essa passar): orgulhoso ao extremo e mais do que um pouco mesquinho, ainda assim é possível entender sua raiva com tudo e todos. O que acaba tornando a atuação de Jeffrey Wright um dos carros-chefe do filme.

Minha Opinião

Me senti bastante desconectada do restante dos personagens de forma independente, mas tudo volta para suas relações com Monk, então no geral faz sentido. E tenha em mente que o filme, na sua intenção de ser realista, introduz vários pequenos conflitos cotidianos, muitos dos quais ficam sem resposta, e cabe ao expectador lembrar que na vida nem tudo tem uma (re)solução.

Os últimos 40 minutos de filme, quando o problema com o livro toma proporções ridículas e Monk precisa confrontar suas opiniões (ou, melhor dizendo, é confrontado por elas), é quando o roteiro se torna incomparável. E o final eu nem quero comentar para não dar spoiler, mas basta dizer que ele aluga um triplex na mente sem possibilidade de retorno.

Potencial é aquilo que as pessoas vêem quando elas acham que o que está na frente delas não é bom o suficiente.

Ficção Americana é obrigatório para quem gosta de sátiras e principalmente para quem tem interesse nas indústrias do entretenimento, como o mercado editorial. E não se preocupe, porque apesar do nome, as discussões propostas são todas transponíveis para a realidade brasileira, inclusive se torna um exercício bastante interessante. Acima de tudo, o longa atua como uma reflexão para aqueles que se entitulam “aliados”: que tipo de narrativas não brancas você consome? E por quê?

FICÇÃO AMERICANA

Diretor: Cord Jefferson

Elenco: Jeffrey Wright, Sterling K. Brown, Erika Alexander, Leslie Uggams, Issa Rae

Ano de lançamento: 2023

Monk é um escritor negro brilhante, mas seus livros não são populares já que ele se recusa a retratar negros de forma estereotipada em seu trabalho. Ele é pressionado por seu editor a criar uma obra comercial e escreve uma história carregada de preconceitos como piada. Só que o livro se torna um best-seller da noite para o dia. Com o dinheiro caindo em sua conta, mas com a consciência pesada, Monk é obrigado a encarnar um personagem “do gueto” para manter a farsa.

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