Crave a Marca é o novo livro de Veronica Roth, autora da série Divergente. A publicação é de 2017 pela Rocco.

Sobre o Livro

Em um sistema solar composto por nove planetas, Thuvhe vive um conflito interno. Os thuvesitas precisam dividir seu território com o povo Shotet, apesar da Assembleia, órgão que rege todos esses planetas, não reconhecê-los como uma nação. A presença dos shotet é uma ameaça constante, pois eles claramente querem alcançar sua legitimidade, e isso envolve se sobrepor ao povo thuvesita.

Tudo nesse sistema é regido pela Corrente, uma energia que fornece vida e existência. Essa corrente também presenteia a cada pessoa com um “dom”, que se manifesta em algum momento da vida. Esse dom é uma habilidade que será diferente para cada um. Também envolvido no andamento desse mundo temos os Oráculos, pessoas capazes de prever o futuro. E, é através deles que algumas pessoas se descobrem “afortunados”.

“Todos tinham futuro, mas nem todos tinham fortuna – ao menos era o que a mão deles gostava de dizer.”

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As fortunas são destinos traçados revelados a esses Oráculos. Apenas um número contado de pessoas recebe essa dádiva. Porém as fortunas nem sempre são positivas e serão elas que motivarão o conflito principal aqui. Rizek Noavek, comandante do povo shotet, não aceitou muito bem sua fortuna e fará de tudo para mudá-la e se tornar aquele que dará a seu povo o controle do planeta. Para tal ele usa sua irmã Cyra como arma, pois ela manifestou um dom que mais parece uma maldição: ela é capaz de infringir dor. Não só aos outros, mas a si mesma, vivendo constantemente em agonia.

Enquanto isso, entre os thuvesitas Akos descobre que sua fortuna é um tanto quanto controversa, já que diz que ele morrerá por seu inimigo, alguém da família Noavek. E é no dia que essas fortunas são reveladas que um ato de sequestro acontece, e Ryzek dá seu primeiro passo na tentativa de derrubar sua fortuna. Ele leva Akos e seu irmão para Shotet e os faz prisioneiros, pois o dom desse primeiro pode ter uma utilidade muito importante em controlar sua irmã: Akos é capaz de cortar a corrente, e com isso, a dor de Cyra.

Em uma corrida contra o tempo, os personagens tem a missão impossível de vencer suas próprias fortunas, algo jamais realizado, e mudar seus destinos.


Minha Opinião

Crave a Marca era um dos meus lançamentos mais aguardados para 2017. Sempre que um autor lança um livro ou série de sucesso, construir uma nova história para se desligar daquilo que lhe deu fama acaba por ser um desafio. Veronica Roth anunciou esse livro como uma ficção científica, um tema que diferencia da distopia divergente e que se propôs a explorar um outro lado da autora.

Logo que o livro saiu lá fora, com lançamento simultâneo com o Brasil, as opiniões pipocaram e junto com elas algumas acusações de racismo. Existe uma diferenciação por tom de pele no livro que podem gerar uma interpretação depreciativa, e isso foi motivo para uma legião de fãs tentar boicotar o lançamento.

Eu confesso que devido à sinopse, uma promessa de romance e todo esse buzz negativo, minhas expectativas com relação ao livro caíram bastante e fui com várias pedras na mão fazer essa leitura. Porém, quase tudo aquilo que me foi apontado com algo problemático acabou não parecendo assim tão ruim ou “preto no branco”.

“Você é uma Noavek. A brutalidade está em seu sangue.”

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Temos aqui dois povos coexistindo em um mesmo planeta, Thuvhe. Os thuvesitas são organizados, inteligentes e de pele clara. Já o povo Shotet é descrito como mais selvagem, rústico e de pele com um tom mais escuro. E isso foi o suficiente. É claro que se o livro for analisado de forma mais intrínseca é possível achar várias coisas ruins a respeito dessa representação e esse foi o argumento de quem reclamou. Porém, a única menção a cor de pele é feita na apresentação das raças e em lugar nenhum mais.

As características apresentadas são formuladas pelo povo de Thuve e são a visão deles sobre os Shotet e não a verdade absoluta. Tanto que quando o personagem de Akos começa a conviver com esse povo, percebe que muitos dos pré conceitos que tinha consigo de sua criação estavam errados. E muito do “desejo por sangue ou selvageria” vem da forma como eles são governados do que uma característica própria das pessoas.

Tendo levado isso em consideração passei a pensar em algumas possibilidades. Como disse no vídeo, não vi a autora se pronunciar sobre isso, mas certamente a diferença no tom de pele foi uma infelicidade que ela poderia ter passado sem. Porém acho que as representações podem ir muito além ou aquém de um apelo racista. Talvez Roth tenha se usado do nosso modelo antigo de sociedade pra criar a sua. Afinal, não éramos nós muito thuvesitas há uma centena de anos atrás? Colocando os negros como seres inferiores, tratando-os como ignorantes e querendo mantê-los afastados? E, quando uso o nós aqui, me refiro aos brancos, cor de pele a qual eu nasci e a qual cometeu inúmeras atrocidades no passado (e ainda no presente, porque não?) para as pessoas de cor.

Eu não sei se esse foi o objetivo da autora, se foi uma coincidência infeliz ou se Veronica Roth realmente é racista, mas tentei ver a apresentação desses fatos e depois o fato de o próprio protagonista os desmistificar como algo a acrescentar para a trama, mais do que para prejudicar. Mas como eu falei, eu não sou o “alvo” do preconceito e portanto posso realmente ter deixado passar algo muito importante e que pesa muito mais para quem é negro, do que jamais poderá pesar pra mim.

Outra coisa que é importante ressaltar é que essa comparação e acusação feita aqui sobre Veronica Roth não recaiu sobre tantos outros autores que reaplicaram realidades em suas obras. Toda a vez que algum soberano quer erradicar uma raça inteira o autor pode ser chamado de nazista? Essa é uma questão que é bem difícil medir e que precisamos ser cuidadosos com nossas defesas e opiniões.

“A dor havia se tornado parte da vida.”

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A relação de Cyra e Akos representou pra mim desde o princípio algo que poderia virar um problema. Vocês sabem que não gosto quando o romance toma conta da história e a trama proposta aqui tinha tudo pra se tornar algo detestável. Porém, contra todas as expectativas, a óbvia aproximação dos dois não é pauta central no livro e acaba por ser somente mais fortemente explorada no final.

Akos é um controle de Ryzek sobre Cyra. Ele lhe dando um alívio que ela não tem desde que seu dom aflorou e depois ameaçando retirá-lo caso Cyra não faça o que ele deseja é sua arma. Os dois acabam por formar um laço, mas tudo é bastante conflituoso, pois enquanto Cyra é fechada, Akos não está nem um pouco satisfeito em estar ali e quer escapar a qualquer custo levando o irmão. Sua fortuna pesa sobre seus ombros como uma traição e isso é sempre relembrado por estar na presença constante de Cyra.

Nenhum dos dois narradores é fraco ou fica fazendo mimimi. Ambos são forte e lutadores e a vontade de mudar sua situação está sempre presente. Há deslizes e mistérios e é muito interessante descobrir pouco a pouco mais características de cada um.

A história, porém, não fica rondando somente os dois, apesar de eles serem os narradores. Temos outros tantos personagens e grupos aqui que desafiam as regras, que é interessante ver a dinâmica de tudo colidir. Todo mundo é instrumento de alguma coisa ou de alguém, enquanto Ryzek joga seu jogo para driblar o destino. É uma história bem mais sobre a trajetória política desses dois povos do que sobre a pessoal de Akos e Cyra.

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Algo que eu fiquei muito feliz em descobrir foi o significado do nome do livro. Sabe aquele momento mágico em que descobrimos? Pois é, em Crave a Marca parece que ele tem um peso ainda maior. Se você não quiser saber, pode pular o próximo parágrafo, mas não é exatamente um spoiler.

“Ele era uma flor-sossego; puro poder e possibilidade. Capaz de fazer o bem e o mal na mesma medida.”

Entre os Shotet, quando alguém morre por suas mãos ou por sua causa, você marca essa morte na pele, através de um traço. Para a maioria desse povo, as marcas são motivo de orgulho e veneração. Mostra a glória e a força de quem as possui. Entretanto, para nossos protagonistas, é algo completamente horrível e que eles gostariam de esconder, já que as mortes listadas em suas peles não são algo que eles se orgulham de ter infringido. Em alguns momentos, quando se faz necessário, eles estendem o braço e dizem: crave a marca. Nunca com euforia ou felicidade, mas sempre com o pesar de ter que carregar para sempre a morte de alguém que, se dependesse realmente deles, ainda estaria vivo.

Crave a Marca pesa um pouco em explorar o mundo da ficção científica e a nos dar mais detalhes sobre seu sistema solar e outros planetas, mas ao meu ver apresentou uma história satisfatória. Eu devorei o livro e fiquei ansiosa por saber onde isso vai dar e como essa trama vai se revolver, principalmente com o que ficamos sabendo no final. Porém, esse é um livro que trouxe um peso delicado devida a polêmica em que se envolveu e acredito que mais do que qualquer outro, o peso que ele terá sobre o leitor será bem pessoal.

CRAVE A MARCA

Autor: Veronica Roth

Editora: Rocco

Ano de publicação: 2017

Num planeta em guerra, numa galáxia em que quase todos os seres estão conectados por uma energia misteriosa chamada “a corrente” e cada pessoa possui um dom que lhe confere poderes e limitações, Cyra Noavek e Akos Kereseth são dois jovens de origens distintas cujos destinos se cruzam de forma decisiva. Obrigados a lidar com o ódio entre suas nações, seus preconceitos e visões de mundo, eles podem ser a salvação ou a ruína não só um do outro, mas de toda uma galáxia.

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