Homens imprudentemente poéticos é mais um romance do escritor contemporâneo Valter Hugo Mãe trazido ao Brasil pela editora Globo através do selo Biblioteca Azul.
“Nenhum outro autor tem testado com tanto sucesso os limites e a beleza do nosso idioma. Sua obra é repleta de poesia e desassombro linguístico. É uma surpreendente e poderosa exceção em um ambiente literário em que tudo se tornou previsível e confortavelmente repetitivo. – Laurentino Gomes”
SOBRE O LIVRO
Em um Japão antigo, ao pé do monte Fuji, mais especificamente da Floresta dos Suicidas, vivem Itaro o artesão, e Saburo o oleiro. Vizinhos e também inimigos. Cada um com sua própria história.
Itaro vive sob o “fardo” de cuidar de sua pequena família composta por uma criada, a Senhora Kame e sua irmã cega, a menina Matsu, através da pouca renda dos leques que fabrica. Na pequena aldeia onde vivem tudo é cercado pela sombra da morte e por aspectos sombrios que cada alma carrega. Itaro por si só já é o próprio mistério pois a ele foi incumbido um “dom”. Através da morte ele consegue prever um futuro, mas não um futuro de alegrias, e sim a próxima ameaça que se aproxima.
Certo dia quando ao esmagar um besouro recebe a notícia de que ele também se tornará cego, resolve tomar providências para que a família não morra de fome, e isso significa vender a pequena irmã a um comerciante afim de salvar ao menos sua pequena alma. O rapaz nunca tivera uma alma sossegada, ao contrário, acostumou-se a matar em busca do saber e julgava sensata cada atitude sua, por mais sombria que fosse. E é sob esse olhar que iremos acompanhar sua jornada.
“A memória era o resto da realidade. Uma sobra que mutava para a ilusão com facilidade.”
Em paralelo temos a história de Saburo, o velho que um dia teve a esposa levada pela mordida de um ser incorpóreo e envolto em sombras. Ao contrário de Itaro, o velho vizinho tem a alma de criança, um velho que se esquecera de crescer, incapaz de qualquer maldade sequer.
Desde a morte da esposa o oleiro passa os dias se ocupando de plantar flores ao redor da floresta para que qualquer “animal” selvagem aprenda a amar e a esquecer-se da morte. Talvez até para que os suicidas desistam de findar a vida, mas acima de tudo por acreditar no regresso de sua amada. O quimono da senhora Fuyu paira sobre o canavial como um espantalho que espera.
MINHA OPINIÃO
Assim como em “A Desumanização” o autor coloca a humanidade como algo que vive sob enigmas que só se solucionam através das sombras, de coisas e seres incorpóreos. O fato de tratar a vida de seus personagens como enigmas aparentemente insolúveis e depois provando que por mais árduo que seja a solução está ali, é inicialmente complicado, no entanto, fascinante.
A grande questão do livro se coloca através da personagem de Matsu que mesmo cega é capaz de ver, ver através das palavras e da imaginação e sentir-se grata por simplesmente estar ali. Enfrentar nossos medos é algo tão assustador que acaba por nos convencer de que o medo é real, algo escuro. Mas a pequena Matsu, não pequena em idade ou tamanho, mas pequena por ter a alma de alguém que esqueceu-se de crescer, não é assim. Ela na escuridão, mas não sente medo, pois mesmo sem ver, enxergar uma luz.
“Quantos objetos tens na cabeça. Perguntava Itaro. A menina respondia: cinco milhões, como as árvores que vês na floresta, que é o mesmo que ser impossível de contar.”
A personalidade de cada um dos personagens é repleta de peculiaridades e formada por cada acontecimento vivido por eles. A amargura de Itaro por ter que carregar um fardo tão grande o impede de sentir amor ou enxergar a beleza das coisas, principalmente por ter recebido um dom que necessita da morte. A alegria e ingenuidade de Matsu que nunca enxergou mas vê através das palavras que mesmo sendo mentiras inventadas enfeitam seus dias, fazendo com que ela seja incapaz de não amar.
A senhora Kame que só consegue ser grata por ter um senhor a quem servir e uma pequena alegria da qual cuidar se torna alguém que é sempre capaz de ajudar, mesmo que não seja o mais sensato a se fazer. E por fim, o senhor Saburo, que mesmo tendo perdido sua amada, cultiva dentro de si a esperança.
Em outras palavras, é impossível não se apegar a cada aspecto e característica de cada um dos personagens. É uma história encantadora e profunda.
“O oleiro disse assim: que humilhante o coração que sobra. O amor deixado sozinho é uma condição doente.”
A edição da Biblioteca azul é um primor. Os traços das ilustrações feitas como em tinta borrada remetem às artes criadas nos leques do artesão e parecem carregar os traços da história. Apesar da escrita um pouco complicada que o autor adota, optando por usar como pontuação somente pontos finais e vírgulas, a história embala o leitor de modo que é quase impossível parar. A criação das cenas é feita de forma que o leitor seja transportado à pequena aldeia e viva a história junto aos aldeões e personagens principais.
A melhor dica, no entanto é: se desafie! Valter Hugo Mãe consegue escrever de forma graciosa e por vezes peculiar, mas tenho certeza de que você seguirá sempre em busca de novas histórias do autor.
CURIOSIDADE
Logo após a leitura, por mais carregado que seja o tema, fiquei tentada a pesquisar sobre a “Floresta dos suicidas”. Eis o que achei a respeito:
![thumb_livro](https://i0.wp.com/resenhandosonhos.com/wp-content/uploads/2017/02/medium_1712.jpg?resize=302%2C450)
![4estrelasb](https://i0.wp.com/resenhandosonhos.com/wp-content/uploads/2016/10/4estrelasB.png?resize=238%2C40)
HOMENS IMPRUDENTEMENTE POÉTICOS
Autor: Valter Hugo Mãe
Editora:Biblioteca Azul
Ano de publicação: 2016
Em “Homens imprudentemente poéticos”, Valter Hugo Mãe apresenta os personagens Itaro, o artesão, e Saburo, o oleiro, vizinhos e inimigos num Japão antigo, onde a morte e a ausência de amor servem de pano de fundo para a linguagem lírica do autor que, com sua linguagem única, tornou-se a grande voz da literatura portuguesa contemporânea.