guerra civilPara entender a Guerra Civil e o que ela representou para a editora, é importante primeiro entender a Marvel comics, que, surgiu primeiro como Timely e por quase duas décadas brigou para conseguir se manter no mercado editorial, principalmente após a segunda guerra mundial, quando os quadrinhos de super-herói saíram do foco forçando as editoras a diversificarem (a Marvel da época publicava romances de baixa qualidade, e, sim, Stan Lee ajudou a produzir um bocado deles).

Os heróis da editora (Capitão América, Namor e Tocha Humana – na época um androide e não um adolescente do Quarteto Fantástico) estavam num hiato, semi esquecidos e a crescente popularidade do gênero de terror pela EC Comics e outras editoras menores foi pulverizando cada vez mais o mercado.

O cenário mudou um bocado com o McCartismo e a publicação de ‘A Sedução do Inocente’ de Friederich Wertham, trazendo acusações a quadrinhistas de serem comunistas e com a intenção de perverter as mentes inocentes das crianças com seu material subversivo, diminuindo substancialmente o terreno das editoras tradicionais. A DC teve de mudar bastante sua postura com histórias bem mais inócuas e uma constante tentativa de apaziguar os ânimos de censores sobre o quanto seu conteúdo era apropriado e não havia nada de errado com Batman e Robin… Do lado das editoras de Terror, porém, foi bem mais difícil explicar o valor artístico de machados trespassando cabeças, e isso ocasionou eventualmente no fim de todas essas editoras e publicações.

Talvez por loucura, talvez por um acesso de genialidade, com o início dos anos 60 Stan Lee resolveu por direito reapropriar os super-heróis como o símbolo da cultura americana numa tentativa de colocar a Timely/Marvel no mapa, e, surgem então ícones como Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, Homem Aranha e a lista segue.

Ainda que trabalhando nos mesmos moldes e estruturas dos super heróis tradicionais (origens convolutas de órfãos brilhantes com identidades secretas – que inclusive proporcionavam triângulos amorosos entre ambos com os interesses românticos), Lee foi mudando detalhes aqui e acolá e acrescentando seus próprios temperos à mistura (normalmente os heróis tem defeitos e lidam com grandes empecilhos – a cegueira do Demolidor, os problemas financeiros e a saúde da Tia do Homem Aranha, a aparência horrenda do Coisa…) e aos poucos a Marvel foi ganhando cada vez mais terreno até se consolidar como a maior editora de quadrinhos norte-americana, afinal, o ufanismo é uma grande parte do que faz da Marvel o que é (O Capitão América É uma bandeira americana ambulante pregando o ‘American Dream’ onde vai, e, o Homem de Ferro É o capitalismo americano, enfrentando as ameaças do comunismo e dos mercados emergentes).

Até mais ou menos o começo dos anos 90 tudo fluiu muito bem. Ótimos índices de vendas, uma estrutura sólida e, ainda que um mercado não exatamente confiável (os anos 80 não foram exatamente uma brisa para a editora) e crescente, a editora era bem capaz de se sustentar. Enquanto a editora ia bem, suas concorrentes penavam bastante. Muitas editoras menores fecharam ou foram absorvidas em um mercado difícil enquanto a DC era assimilada pelo conglomerado da Warner.

Com a década de 90 veio uma debandada em massa dos nomes mais populares do mercado para iniciar concorrência direta com a editora. Todd McFarlane, Jim Lee, Erik Larsen e até o infame Rob Liefeld partiram para empreitadas próprias lançando seus quadrinhos autorais (com índices variados de sucesso, é bem verdade), conseguindo levar consigo leitores e investidores.

Spawn de McFarlane (que passara boa parte da década de 80 trabalhando com o Homem Aranha) era um grande sucesso atraindo rapidamente a atenção da HBO que produziu uma série animada e a New Line Cinema que lançou em 97 um filme. A editora que começava os anos 90 quebrando recordes de vendas com X-men 1 de Jim Lee e Chris Claremont (e suas onze capas variantes) pela metade da década estava com sérias dívidas e enormes dificuldades, cogitando sua venda para diversas empresas, inclusive a mesma Warner que comprara a DC anos antes.

Assim, a editora começou a licenciar tudo que pudesse resultar em alguma forma de dividendo, e, vieram produções, bem, “duvidosas” para o cinema (o Quarteto Fantástico nunca lançado aos cinemas de 94, o Nick Fury de David Hasselhof e claro os sucessos animados de X-men e Homem Aranha). Ao mesmo tempo, outros acordos já vinham transcorrendo para adaptações cinematográficas, como o Homem Aranha de James Cameron que foi adiado por várias vezes até a produção cair no colo de Sam Raimi e ser um grande sucesso de bilheteria.

O que acontece, porém, é que a ameaça das editoras de Jim Lee e Todd McFarlane não foi assim tão grande – Lee logo teve sua Wildstorm comprada pela Warner, ao que hoje poucos de seus personagens ainda tem alguma representatividade, e, McFarlane envolvido em milionários processos de ex-colaboradores descontentes, logo resultou num cenário diferente no mercado editorial.
A Marvel pôde resgatar alguns dos talentos fugidios para produzirem um mega-evento queCapAmerica1 reintroduziria os personagens tradicionais da editora (todo mundo já viu o Capitão América de Rob Liefeld, mas caso não ele está aqui ao lado) enquanto outros projetos surgiam para lançar e relançar as franquias de menor popularidade no momento.
A editora traz o cineasta queridinho Kevin Smith para relançar a série mensal do Demolidor, assim como os veteranos Kurt Busiek e George Perez para relançarem os Vingadores.

As contas ainda não fechavam, mas a editora já conseguia respirar um pouco, e, a mensagem dos anos 90 era bastante clara: A editora precisava mudar para se manter competitiva no cenário mundial de quadrinhos, e é nesse tom que a primeira década do novo século se inicia.

A editora lança o selo ‘Ultimate’ recontando as origens dos principais heróis da editora numa roupagem contemporânea (e um tanto mais realista) enquanto a linha principal também passa por várias mudanças importantes, e que redefiniriam o status quo do Universo Marvel, tentando redefinir a editora e contextualizar melhor o que funciona e abandonar o que não.

Surgem os X-men sem uniformes coloridos de Grant Morrison, mais próximos da escola para jovens mutantes dos filmes que a ‘escola’ para mutantes de Stan Lee ou Chris Claremont (procure qualquer edição da década de 60-90 em que sejam retratadas salas de aula no interior da ‘escola’). A reestruturação dos X-men vai além, reduzindo drasticamente o número de mutantes e colocando-os mais e mais em rota de colisão com os humanos na escala evolucionária (esse, inclusive é o mote de toda a fase de Morrison).

Tony Stark abandona o ridículo disfarce que usara por décadas (que o Homem de Ferro era seu segurança particular) e assume a identidade publicamente (e é inclusive convidado para ministro da defesa!). O Capitão América passa por uma série de mudanças (principalmente após os ataques aos World Trade Center, partindo para a caça a terroristas), que o torna mais um agente governamental, com identidade, se não de conhecimento público, pelo menos não mais secreta.

O mesmo se dá com o Thor que, após o evento ‘Ragnarok’ é renascido sem mais a necessidade de uma identidade civil (por décadas o personagem funcionara como o herói SHAZAM, sendo uma figura comum que se transformara no deus do trovão), e inclusive o Hulk após a aclamada fase de Bruce Jones não tem mais um segredo a esconder com sua identidade…

Outros personagens tem mudanças mais sutis – e melhor conduzidas – com o Demolidor que vê sua identidade pública exposta em um tabloide sensacionalista e passa a década seguinte refutando a informação sobre os fatos divulgados. Também sútil, o Homem Aranha tem sua identidade finalmente revelada para a ‘n’genária Tia May em uma história comovente.

Externamente, com os sucessos de bilheteria de Homem Aranha e X-men (e apesar dos fiascos de Demolidor, Elektra e Quarteto Fantástico) a editora vê as perspectivas para lançar, de maneira mais independente e como seu próprio estúdio os filmes dos personagens menos populares como Homem de Ferro, Thor, Hulk e os demais Vingadores. Com relutância, é claro, e bem pouco otimismo, dando oportunidades a nomes pequenos (como Jon Fraveau) e segundas chances (Downey Jr tivera uma tumultuada década de 90 entre reabilitações de drogas e processos criminais). O sucesso se deu e com isso apostas mais ousadas foram surgindo (como a ideia de lançar um filme que abraçasse as várias franquias num só teto).

Sobre a série de Mark Millar e Steve McNiven, bem… Vamos dizer somente que eu não sou fã e encerrar o debate por aqui. Ou você pode ler minha resenha mais detalhada sobre a hq aqui.

É possível ver as analogias de Capitão América e Homem de Ferro com o maquinário industrial militar norte-americano: o Capitão América representa a visão mais clássica, da ‘geração de ouro’ e os baby boomers com valores mais tradicionais do durante e pós guerra – ou seja, década de 40 até o final dos anos 50 – enquanto o Homem de Ferro, representa a economia americana da guerra fria (com vilões russos, chineses e eventualmente empresários inescrupulosos), e o conflito de ambos tem um quê de um embate entre gerações.

Capitão América: Guerra Civil (Marvel Studios, 2h 26 minutos) dirigido por Anthony e Joe Russo já estreou e agora é conferir o que vem por ai.

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