Lançado originalmente em 1867, “As Pupilas do Senhor Reitor” é um dos principais livros do autor português Júlio Dinis e está presente no Brasil em diferentes edições, inclusas as da editora Lafonte.

Sobre o Livro

Marcado como uma das obras mais características do romantismo literário em Portugal, “As Pupilas do Senhor Reitor” é um livro que narra a trajetória de amor entre Daniel e Margarida, marcada pelo encontro dos dois ainda crianças, quando o menino estudava para ser padre e tomou a resolução de que não aceitaria esse destino pois seu desejo era casar com Margarida um dia. Ao saber disso, o reitor da cidade opta por aconselhar o pai de Daniel a mandá-lo para estudar na cidade visando transformá-lo em médico. Selado o acordo, Daniel parte da cidadezinha e deixa para trás a jovem Margarida, seu pai e seu irmão mais velho, Pedro, cuja trajetória voltava-se para a vida no campo e para a administração do sítio da família.

“Em todas as separações, tem mais amargo quinhão de dores o que fica, do que o que vai partir.”

Agora sozinha, Margarida cresce em meio ao tratamento cruel e sem amor de sua madrasta, guardando como único alento o amor que sente por sua meia-irmã, Clara. Com o passar dos anos, Daniel deixa sua personalidade e seus sonhos serem alterados pela vida em meio aos centros urbanos e sua paixão por Margarida fica esquecida. A menina, pelo contrário, ainda conserva o mesmo carinho em sua memória, mas não se deixa levar pelo devaneio de um dia Daniel amá-la de novo e concentra-se em trabalhar como professora e ajudar a irmã na administração da casa.

Tudo funcionava tranquilamente para as duas até que Pedro, irmão mais velho de Daniel, apaixona-se por Clara e a pede em casamento. O noivado de ambos coincide com a formatura de Daniel e seu retorno para morar na cidade, porém quando ele chega, sua atenção volta-se infantilmente para Clara, o que tanto coloca sua relação com Pedro em perigo, quanto magoa Margarida profundamente. Em meio a intrigas, reputações desfeitas e sentimentos escondidos, Daniel irá descobrir que esquecer sua paixão de infância talvez tenha sido um dos erros mais cruéis que ele cometeu contra si mesmo e aos que estão ao seu redor.


Minha Opinião

Fruto de uma leitura obrigatória do curso, “As Pupilas do Senhor Reitor” foi um livro ao qual não coloquei nenhuma expectativa, mas que talvez justamente por isso foi uma das experiências mais positivas que tive e que me apresentou uma história envolvente, bonita e síntese daquele clichê que nunca é cansativo de ver.

Símbolo do romantismo português, a obra de Júlio Dinis encaixa-se como uma produção um tanto quanto transitória, reunindo em sua construção tanto elementos românticos – trama mais idealista e emocional – quanto realistas – tom pedagógico em diferentes passagens. Tal localização de contexto permite que o leitor embarque na trama já sabendo que vai encontrar alguns pontos de enredo que talvez não sejam de seu agrado pessoal, mas que são compreensíveis e verossímeis com o propósito da história.

Há, por exemplo, um encadeamento nítido de como os personagens de Júlio Dinis são moldados, todos cimentados em cima de performances e arquétipos bem comuns do idealismo romântico: Margarida é a protagonista excepcionalmente boa e que sacrifica a si mesma em prol dos outros; Clara é a personagem impulsiva e movida por emoções que as vezes a colocam em situações difíceis; Pedro é o jovem sério, exemplo de trabalhador rural justo e reservado e Daniel é o protagonista libertino e que precisa reencontrar seu cerne narrativo para não cometer ainda mais erros. Já saber como que esses quatro irão funcionar permitem uma experiência com a história que a torna muito mais divertida e imersiva, além de render sempre um apego maior por eles, pois apesar de terem seus arquétipos, isso nunca os torna menos profundos: Clara é impulsiva, mas tem boas intenções e quer ver Margarida feliz; Pedro pode ser mais reservado, mas ama sua família e Clara profundamente; Daniel pode ser o libertino, mas nunca quis realmente machucar seu irmão e tem consciência de que está errado e Margarida não deixa os sofrimentos lhe abalarem, segue sempre firme no trabalho e na defesa dos demais, nunca deixando de acreditar que vai superar qualquer abalo.

“Se não perder a ideia desse amor, trabalhe por merecê-lo; mas não faça juras. Que, se alcançar aquele coração, grande riqueza granjeia, isso lhe afirmo eu.”

Em meio a esse cenário, os toques de realismo também ajudam a compor a obra de Júlio Dinis de um enredo bem interessante e que torna mais complexa a dinâmica da história. O tom pedagógico de ensinamento do realismo português atravessa as páginas por meio da síntese moral do livro: Júlio Dinis era um grande defensor da vida campestre, vendo na vida urbana os caminhos mais fáceis para a degradação da alma e é esse o plot principal que o autor dá para Daniel.

Perdido para a vida nas cidades, ao voltar para casa, Daniel tem que reencontrar suas origens e reestabelecer seus sentimentos e em torno disso está justamente o amor por Margarida, esquecido por conta dos vícios, mas recuperado quando aos poucos ele percebe os rumos que estava tomando. Há uma grande defesa do trabalho também, a figura de Margarida, tão empenhada em educar crianças e sempre trabalhando mesmo quando sua irmã recebe a herança que sustentaria ambas, reforça a ideia do trabalho como elemento de dignidade individual. E toda a história também sustenta uma narrativa forte de sempre prezar pelo perdão e amor ao próximo.

Para além dos arquétipos e fundo histórico literário do livro, “As Pupilas do Senhor Reitor” apresenta o melhor que o romance romântico tem a oferecer: personagens que sofrem bastante por suas emoções, casais que enfrentam desafios emocionantes para ficarem juntos e um final idealista que aponta para um clichê de final feliz, mas que foi muito bem merecido e introduzido na história. Apesar de inicialmente começar com um ritmo mais lento, o livro logo engata numa trama daquelas dignas de novela, em que o leitor não quer nem piscar pois tem muita vontade de saber como os personagens vão sair das situações em que se colocam.

Por todos esses motivos, o livro de Júlio Dinis foi uma surpresa merecida para um começo de leituras de 2021, trazendo consigo um daqueles clássicos que não prometiam nada, mas entregaram tudo que era necessário: bons personagens, uma trama viciante e um final ideal exatamente como queremos.

É uma obra de valor histórico essencial para conhecer mais da literatura de Portugal, assim como é também um livro instigante e que fisga facilmente por sua trama cheia de reviravoltas sentimentais muito bem estabelecidas e que ainda passa uma lição bem bonita sobre amor, família e perdão. “As Pupilas do Senhor Reitor” é a indicação perfeita para quem gosta de histórias de romance ou para aqueles que tem interesse em conhecer um pouco mais da literatura portuguesa, sendo assim um excelente começo para embarcar nessa jornada.  

AS PUPILAS DO SENHOR REITOR

Autor: Júlio Dinis

Editora: Lafonte

Ano de publicação: 1867

Introdutor da forma romance em Portugual, Júlio Dinis, segundo o professor Massaud Moisés, deu á literatura portuguesa objetividade e realismo. Um dos aspectos marcantes de sua obra é o timismo em relação ao ser humano e a crença de que a felicidade reside no campo, único lugar onde se pode superar os apetites do instinto e cultivar a bondade e a simplicidade. Escritor de transição, em seus livros há tanto características do romantismo quanto do realismo, este último influência de sua formação científica. Suas narrativas terminam de forma feliz e satisfatória, em geral têm como cenário principal o campo e dão destaque para aspectos da cultura popular, como as tradições e costumes.

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