O novo longa de Olivia Wilde, Não Se Preocupe, Querida (2022) chega aos cinemas com uma proposta feminista e o objetivo de surpreender. Nada mais irônico, portanto, do que a atenção do público ter sido em grande parte capturada pela presença de Harry Styles no elenco e pelas polêmicas de bastidores o envolvendo, bem como a diretora, além de desavenças entre mulheres na produção.

Com roteiro de Katie Silberman, música de John Powell e figurino de Arianne Phillips, o filme constrói uma narrativa aquém do próprio potencial.

Aqui, Florence Pugh traz vida a Alice, uma dona de casa que vive com seu marido, Jack (Harry Styles), na perfeita cidade do Projeto Vitória. Todos no local experienciam a versão mais utópica do American Way of Life, com os homens todos trabalhando neste misterioso projeto com pretensões de mudar o mundo, e as mulheres os aguardando todos os dias com as casas e famílias na mais milimétrica ordem. Tudo começa a mudar para Alice, no entanto, quando ela passa a enxergar falhas na perfeição, e pesadelo e realidade se fundem.


O filme todo é bastante caricatural – algo para o que o cenário dos anos 1950 contribui muito – deixando as críticas ao machismo estrutural escancaradas mesmo quando tudo é retratado como perfeito. Conforme a trama progride e coisas surreais (não) acontecem com Alice, também a crítica à comum caracterização da “histeria feminina” fica bastante óbvia. O que senti assistindo é que houve uma inversão da ordem tradicional; execução e trama impressionantes normalmente seriam o carro-chefe, enquanto aqui a crítica social foi trazida ao primeiro plano, complementada pelos demais aspectos.

E, ainda assim, aqui está você: fazendo o jantar.

Discordo fortemente da classificação do longa como “terror”, mesmo considerando o aspecto psicológico. O que eu experienciei foi um suspense bem construído, com reviravoltas inesperadas e recursos de áudio angustiantes. A edição de imagem e som criam uma atmosfera perturbadora, seja em momentos abertamente tensos, seja em cenas de beleza e sincronia exacerbadas. O visual excessivamente colorido chama a atenção e contribui para a atmosfera de estranheza. Também vale ressaltar o trabalho de efeitos especiais, muito vívidos.

Sobre os personagens, apenas com spoilers eu poderia falar mais a fundo. Acredito que seja intencional as personalidades genéricas e falta de desenvolvimento, afinal, para construir uma crítica social, nada mais fácil do que usar personas e construtos, mas teria sido mais interessante trabalhar com pessoas ao invés de ideias. E se no terceiro ato todos ganham ao menos alguns traços a mais de especificidade, a essa altura não há tempo ou espaço na trama para explorá-los. Ressalto aqui Bunny, melhor amiga de Alice e interpretada pela própria diretora, que com uma única frase bem ao final ganha uma profundidade gigantesca, mas sobre a qual o espectador pode apenas especular.

Particularmente gostei muito da atuação. Florence Pugh entrega tudo mais uma vez, a maneira que ela transmite emoção é tocante, Harry Styles me surpreendeu positivamente, e acredito que ele tenha dado conta do personagem. As interações entre os dois também me foram bastante convincentes, no romance e na toxicidade. Chris Pine representa de forma ideal Frank, no papel perturbador daqueles que falam absurdos como se fossem fatos, são intensos de maneira comedida e comandam com um carisma apático. Minha crítica vai para Gemma Chan, que não só teve o azar de ter uma personagem, para mim, absolutamente dispensável, como não me comoveu em seu grande momento.

Vi críticas à previsibilidade da trama; como já disse, fui bastante surpreendida, e a estratégia narrativa funcionou muito bem para mim. Isso até o clímax, quando a história que estava fazendo um bom trabalho psicológico se rendeu a um glamour hollywoodiano e enveredou para uma sequência de ação tão intensa que pareceu deslocada. O simbolismo da luta feminina por seus direitos não é perdido, mas poderia ter sido mais sútil.

Em geral, o filme poderia ter feito mais, porém vale como entretenimento. Muito é deixado em aberto, na minha opinião, até demais, e notei alguns furos na trama. Olhando pelo lado positivo, entretanto, isso o torna um bom filme para debater e depois reassistir para buscar respostas.

NÃO SE PREOCUPE, QUERIDA

Diretor: Olivia Wilde

Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Gemma Chan

Ano de lançamento: 2022

Uma dona de casa que vive em uma comunidade experimental começa a suspeitar que a empresa de seu marido está escondendo segredos perturbadores.

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