O Ruído do Tempo é o novo romance do premiado autor Julian Barnes, vencedor do Man Booker Prize. O romance foi trazido ao Brasil pela editora Rocco em 2017.

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SOBRE O LIVRO

“Tudo começa em muitos lugares e em muitos momentos; algumas coisas até mesmo antes do próprio nascimento de alguém, em países estrangeiros, e na mente de outras pessoas.”

É em forma de um romance não-ficcional que Julian Barnes traz alguns relatos sobre a vida e carreira de Dmitri Shostakovich, um compositor que viveu sob o regime comunista de Stálin, na Rússia. Foi um compositor prodígio tendo escrito sua “Primeira Sinfonia” aos 19 anos de idade e tendo sido consagrado por essa como o compositor mais celebrado na União Soviética. No entanto, ele também foi o compositor mais perseguido pelo regime, sofrendo interferências em sua carreira, como a proibição da execução de sua obra mais adorada “Lady Macbeth de Mtsensk“, até ameaças de morte.

O livro nos mostra aspectos da vida cotidiana não só do compositor, mas o que foi realidade para muitos outros. Além dos fatos em si, o livro também traz questionamentos que o próprio Dmitri se fazia e a forma com que lidava com tudo que o regime fascista impunha.  O medo constante, a obediência nem sempre cega mas domesticada a qual os cidadãos eram acometidos, principalmente figuras públicas como o compositor sobre quem o livro trata.

Shostakovich morreu no dia 9 de agosto de 1975, deixando para trás suas memórias imortalizadas em suas composições.


MINHA OPINIÃO

“Um para ouvir
Um para lembrar
E um para beber.”

É desta forma que se inicia a introdução do livro. Sendo, mesmo que em forma romanceada, não deixa de ser uma “mini biografia”, e a partir deste aspecto, a pergunta que mais me fiz foi em qual das três personalidades se encaixaria o personagem principal. Acabei terminando o livro conseguindo encaixa-lo em todas.

O autor relata tudo em forma de uma espécie de “diário” do personagem, porém narrado em terceira pessoa, como se ele divagasse pelos próprios pensamentos e tivesse incumbido a outro de transcrevê-los. De certa forma, isso dá a narrativa um aspecto interessante, fazendo com que o leitor também divague sobre seus pensamentos, tire conclusões e sinta seus medos, euforias e angústias.

É nítida a evolução do personagem através de seus relatos ao decorrer dos anos. Os anos bissextos que eram seu terror pessoal, revelam que por mais que acreditasse na verdade, às vezes era necessário ser partidário da mentira, para o seu próprio bem. No entanto, isso o fazia sentir-se como um covarde, ou posteriormente concluir que talvez fosse só irônico, e pessoalmente considerava a ironia a melhor saída em algumas situações.

“Num mundo ideal, um jovem não deveria ser uma pessoa irônica. Nessa idade, a ironia impede o crescimento, atrapalha a imaginação. É melhor começar a vida num estado de espírito aberto e alegre, acreditando nos outros, sendo otimista e franco com todos a respeito de tudo. E, então, chega a hora de começar a entender melhor as coisas e as pessoas, de desenvolver um senso de ironia. A progressão natural da vida é do otimismo para o pessimismo; um senso de ironia ajuda a equilibrar o pessimismo, a criar equilíbrio, harmonia.”

Em um dado momento ele vai dizer que todo russo “autêntico”, naquela época, era pessimista. Os que não conseguiam ser acumulavam medos e desilusões. Isso reflete muito da personalidade da pessoa e da visão que ele tinha sobre o mundo. Essas reflexões também levam o leitor a pensar sobre a sua visão e posição sobre as coisas, o que é sempre muito engrandecedor.

Apesar de o foco principal da obra ser relatar a vida pessoal do compositor, me peguei pensando bastante em cada aspecto daquela época e em como refletia nos cidadãos russos de uma forma geral; todo o medo, a apreensão, a negatividade das ideias.. Tudo isso de certa forma também nos faz refletir de forma mais atual no jeito com que vivemos hoje, o que alcançamos e aonde podemos chegar.

“Talvez esta fosse umas das tragédias que a vida trama para nós: é nosso destino nos tornarmos, na velhice, o que na juventude mais teríamos desprezado.”

A obra é divida em três partes, sendo todas elas nomes de lugares ou meios de transporte, o que nos remete o tempo todo a questão do ser e do estar. O livro é composto por 176 páginas amareladas e traz uma diagramação confortável que da ao leitor um favorecimento a continuar a leitura que flui em um piscar de olhos.

Acredito que para todos aqueles que se interessem por questões políticas, atuais ou passadas, seja um prato cheio. É impossível descrever a experiência de leitura de ser transportado para cada ano, cada ideia e cada lugar, até que você mesmo esteja lá.

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O RUÍDO DO TEMPO

Autor: Julian Barnes

Editora: Rocco

Ano de publicação: 2017

Em seu primeiro romance desde O sentido de um fim, vencedor do Man Booker Prize, e após o sensível ensaio sobre o luto Altos voos e quedas livres, Julian Barnes resgata e ficcionaliza a trajetória do compositor russo Dmitri Shostakovitch para retomar questões recorrentes em sua obra como a memória e a verdade. A história tem início em 1937, na União Soviética, quando Shostakovich certeza de que será preso, exilado na Sibéria, talvez até executado, após escrever um de seus maiores concertos, Lady Macbeth de Mtsensk, que não agradou ao governo. A partir daí, Barnes constrói (ou desconstrói) uma breve biografia de um dos grandes nomes da música do século XX, um personagem complexo e contraditório, com uma narrativa extremamente humana sobre integridade, coragem e poder que celebra, acima de tudo, a liberdade artística. Aclamado pela crítica estrangeira, O ruído do tempo já se destaca como uma das incontestáveis obras-primas de Julian Barnes.

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