Vidas Trans é uma coletânea de textos escritos por Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant. O livro foi publicado pela primeira vez em 2017 pela editora Astral Cultural, como Vidas trans: A coragem de existir; e ganhou uma nova versão, em 2022, pela mesma editora, com o título Vidas Trans: A luta de transgêneros brasileiros em busca de seu espaço social.

Capa de VIdas Trans

Sobre o Livro

A coletânea, escrita por quatro pessoas trans, contem relatos autobiográficos sobre a percepção da identidade de gênero e o processo de transição de cada um.  Em algum momento, cada um deles percebeu que havia algo diferente com seus corpos. Em seus depoimentos, os autores compartilham suas histórias, suas experiências de vida, de luta e militância pelo simples direito ao nome e ao corpo pelo qual se identificam.

“A verdade é que o mundo ainda não está preparado para nós e infelizmente, ainda serão necessários muitas dessas outras cenas, desses questionamentos e dessas situações embaraçosas, até que as pessoas consigam compreender e aceitar que as coisas estão mudando e que nós sempre existimos, mas que agora não precisamos mais nos esconder.”

O primeiro texto é de Amara Moira, travesti, bissexual, feminista e autora do livro E se eu fosse pu(t)ra. Em seguida é a vez de João W. Nery, o primeiro homem trans a ser operado no Brasil, em 1977 (durante a ditadura militar) e autor de Viagem Solitária e Velhice Transviada . Falecido em 2018, teve seu texto preservado integralmente, sendo atualizado quando necessário em notas de rodapé.   Dando sequência, Mart Rocha conta como foi ser a primeira advogada trans a ter o nome social registrado no quadro da OAB e sobre sua luta junto a Comissão da Diversidade Sexual. Por fim, Tarso Brant, o mais jovem dos quatro, com 29 anos, conta entre relatos e reflexões como percebeu que era alguém diferente contido no corpo de uma garota.

Minha Opinião

Esse é um livro escrito por pessoas trans para que outras pessoas trans se identifiquem, mas também como forma de conscientização de pessoas cis. Os textos abordam de maneira muito clara, alguns depoimentos com o intuito de esclarecer e desconstruir conceitos equivocados que pessoas cis possam ter em relação a pessoas trans. Já no prefácio, escrito pela cartunista Laerte, encontrei uma frase que me impactou muito:

“A transição entre como nosso corpo era, para a forma com a qual nós nos identificamos, é um nascimento: tornamo-nos nós mesmos. Engana-se terrivelmente quem acha que a nossa jornada é para fora, ela é para dentro.”

O livro mostra quatro casos de pessoas, que mesmo com dificuldade, conseguiram passar pela transição e enfim encontraram sua imagem no espelho. Muitos outros, passam toda uma vida na sombra.

Contracapa de Vidas Trans- Amara Moira e João W. Nery

Mas por que muitos demoram ou mesmo desistem de passar pelo processo de transição? Existem vários motivos: questões familiares, empregabilidade, medo de repressão social e da polícia atém de condições financeiras (até 2008 a cirurgia de redesignação sexual não era oferecida pelo SUS, sem falar no tratamento hormonal).

Amara Moira conta sobre o meio machista e homofóbico onde foi criada e as consequências que isso teve em sua vida, sendo possível perceber porque ela demorou tanto para se abrir para quem realmente é. Em seu depoimento, ela conta que não sabe se teria conseguido chegar ao doutorado caso transicionasse na adolescência ou no começo da vida adulta.

“O medo de sofrer violência, primeira coisa que me ensinaram, primeira coisa que ensinam uma criança a temer, era muito maior do que a vontade de descobrir quem eu era. Escolha? Não sei bem se podia pensar em escolha, bloqueio, talvez, travas, adestramento sistemático para você sequer perceber a máscara que botaram em seu rosto quando nasceu, e, caso um dia perceba, não ousar jamais perguntar-se o que há por trás dela.” – Amara Moira, Destino Amargo

Durante a leitura eu me peguei pensando sobre aqueles que, diferente dos autores, não conseguiram transicionar e tiveram que passar toda sua vida convivendo com uma imagem que não era a sua e passando a existir dentro de uma casca de forma a serem aceitos pela sociedade.

O texto de João W. Nery, escrito em 2017, cita que o chamado “transtorno de identidade de gênero” era considerado doença mental pela OMS e que, numa frequência assustadora, trans masculinos sofrem frequentemente o “estupro corretivo”, muitas vezes praticados por homens da família com o “objetivo de cura”. A transexualidade só foi removida da classificação oficial de doenças em 2019.

Em muitos momentos, o livro aborda o despreparo de profissionais de saúde, policiais e seguranças de lidar com pessoas trans. Acima de tudo esse é um livro para nos fazer pensar na importância de avaliarmos nossas ações e postura em relação ao próximo, que muitas vezes não tem nem o direito de ser quem é.

Contracapa de Vidas Trans- Marcia Rocha e Tarso Brant

A história de Márcia Rocha, mostra como o status social e a informação podem proteger uma pessoa. Ela, que priorizou sua carreira antes da transição, reconhece isso e sabiamente usa seus privilégios para lutar pelos direitos e dar oportunidades a quem precisa.

Em Eterno Aprendiz, Tarso Brant comenta sobre se identificar como não binário no início de sua transição, mas ter sido cobrado a “escolher um lado”. Além disso, o preconceito que ele passou com a mãe de uma garota que ele namorou mostra que ainda estamos muito longe de ser uma sociedade que respeita as pessoas trans. Ainda que tenha algumas experiências importantes de serem compartilhadas, achei que ele se perdeu um pouco no objetivo de sua narrativa, talvez por ser o mais novo dos quatro e não ter participado de nenhum tipo de movimento social, seu depoimento destoa um pouco dos demais.

Devo confessar que os textos de Amara Moira e João W. Nery foram os que mais me impactaram. É impossível mensurar a dor de cada um e o intuito não é de forma alguma comparar suas vidas, mas para mim fica claro o impacto que quanto maior a exposição a sociedade e a uma família tradicional, menor as condições de se proteger.

Esse é um livro que acredito que todas as pessoas deveriam ler, sejam trans, ou sejam cis, mas eu recomendo especialmente para aqueles que gostam de biografias e que que estão à procura de leituras que falam sobre diversidade.

Conheça também Velhice Transviada do autor João W. Nery.

VIDAS TRANS

Autores: Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant

Editora: Astral Cultural

Ano de publicação: 2022

Quatro pessoas trans relatam aos leitores o momento no qual percebem que havia algo diferente, sobre o sentimento de inadequação perante os padrões exigidos, sobre os preconceitos e dores vividos dentro e fora da família, sobre o momento de transição e, enfim, da liberdade sentida por esta decisão. Em quatro relatos individuais, cada um conta sua história de vida, luta e militância ― constante e diariamente ―, em reafirmar o direito ao nome, ao corpo e à existência plena.

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