Lançado originalmente em 1899, “Dom Casmurro” é uma das mais famosas obras de Machado de Assis e foi publicado em diferentes edições físicas e digitais, sendo uma delas a da editora Vozes de Bolso.

Sobre o Livro

Clássico da literatura nacional, “Dom Casmurro” apresenta a história de Bento Santiago, ou Bentinho, um senhor já mais velho que decide contar aos leitores a história de seu passado e seu envolvimento romântico com sua melhor amiga e vizinha, Capitolina, conhecida principalmente como Capitu.

Amigos desde a infância e próximos durante toda a adolescência, Capitu e Bentinho percebem sua mútua paixão aos 15 anos, mas um empecilho faz com que o relacionamento deles seja colocado sob risco de nunca ser realizado: a mãe de Bentinho havia prometido o filho ao seminário, destinando-o a ser padre. Sem saber como escapar dessa situação, Capitu insiste que Bentinho vá, mas que não necessariamente se forme e que, enquanto o período no seminário passa, eles podem seguir tentando em paralelo desfazer essa resolução da mãe do menino.

“No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou.”

É no período do seminário que Bentinho conhece Escobar, firmando com ele uma amizade duradoura e trazendo-o para o convívio familiar ao lado de sua mãe e de Capitu. É ao retomar essas lembranças que Bento, o narrador já de idade mais avançada, busca rememorar as situações que levaram ele e Capitu até o polêmico final em que se findou a relação de ambos, procurando os indícios de que já havia algo fadado ao fracasso desde o começo e provocando o leitor a decidir o quão longe se iria para acreditar ou não na história que é contada


Minha Opinião

Acredito que é quase unanimidade que o nome “Capitu” resulta em uma quantidade infinita de discussões que traçamos desde a fase da escola. Eu mesma conheci a história de Dom Casmurro muito antes de ler o livro de fato, tudo graças a uma dinâmica da escola em que montamos um cenário de “julgamento da Capitu” e havia o grupo de defesa e de acusação.

Na época, só era obrigatório a leitura da adaptação para os quadrinhos, então não cheguei a ler o livro inteiro de fato, mas foi uma daquelas experiências escolares que ficou na minha cabeça por muito tempo. Agora, tantos anos depois do dia em que fiz parte do time de defesa de Capitu em uma dinâmica da sala de aula, finalmente li Dom Casmurro e me surpreendi mais uma vez com o quão genial Machado de Assis é em suas construções narrativas.

Bento Santiago é talvez um dos mais polêmicos narradores nacionais de tanto que, após sua chegada, ninguém mais passou a ler um livro com a mesma confiança cega no que o narrador reproduzia. Instigante, a história de um adultério ser narrada única e exclusivamente por um lado dela provoca dúvidas não apenas sobre o adultério em si, mas sobre qual a intenção do narrador em decidir com tanto afinco esclarecer a culpa da outra pessoa. Desde o início, Bentinho deixa claro que vai narrar para até mesmo entender os passos que ele pode ter perdido e nesse ponto entram as curiosas – e nada inocentes – descrições de Capitu com seu suposto jeito dissimulado e suas estratégias para que os dois ficassem juntos.

A certeza com que Bentinho assume a manipulação de Capitu ou suas más intenções a medida que eles crescem e se relacionam é colocada em cheque por pequenas outras descrições: o ciúme doentio dele desde o começo, a percepção de que as vezes ele via o que queria ver mesmo nas situações externas aos dois. Muito mais do que apenas ser sobre o adultério, a história de Dom Casmurro apresenta um narrador desafiador, complexo e que deixa sempre o leitor com um alerta ligado para cada momento da trama, o que é uma experiência muito instigante de ter junto a uma obra.

Para além da narração, Dom Casmurro fornece também um retrato social de classe média típico do período em que o Brasil se encontrava e entre uma descrição e outra, revela algumas das hipocrisias desse mesmo núcleo, com seus receios, preconceitos e os “jeitinhos” para escapar de compromissos, bem como o interesse em suas próprias causas individuais. Junto dessa temática, o livro também fornece personagens que mesmo sob a visão nada confiável de Bentinho, ainda se moldam como personagens atemporais da literatura brasileira.

A figura de Capitu é impossível de não guardar consigo, de tanta ênfase em sua personalidade forte e inteligência supostamente travessa. Estereotipada ou não pelo olhar tendencioso de Bentinho, Capitu é implacável como personagem sobre quem queríamos saber mais, mas ao mesmo tempo é ótimo de vê-la ali: de longe, mas marcante mesmo assim.

“Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.”

Escobar e sua amizade com Bentinho também fornece muito assunto sobre o qual brincar, teorizar e refletir: a amizade de ambos se forma numa aparente relação de adoração de Bentinho por Escobar, mas será mesmo que Bentinho era o melhor amigo do mundo para o outro? Atuando juntos, também sobre a amizade dos dois só temos um lado que busca sair como vítima da história. E, claro, Ezequiel: aquele que vai determinar o clímax da história. Ezequiel torna-se a figura que Bentinho não queria ver por enxergar no garoto a suposta cópia de Escobar, mas Ezequiel amava Bentinho incondicionalmente, sem nem saber o quanto o pai ficava aliviado quando ele sumia. Tal relação tão unilateral torna Ezequiel um daqueles personagens que mais desejaríamos um destino melhor do que aquele que lhe é dado.

É com esses elementos que “Dom Casmurro” constrói uma das tramas mais envolventes e lembradas da história da literatura nacional e para muito além da polemica do “traiu ou não traiu”, o livro apresenta um narrador que desafia nossa experiência enquanto leitores e traz personagens a quem devemos sempre pensar como vistos não sob olhos neutros, mas sob percepções já tendenciosas. Menos divertido do que a trama recheada de ironia e sarcasmo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, “Dom Casmurro” é uma história recomendada para aqueles que sempre quiserem conhecer a obra machadiana e que gostam de se aventurar com uma narrativa que esconde muito mais do que aparenta em sua superfície.

DOM CASMURRO

Autor: Machado de Assis

Editora: Vozes de Bolso

Ano de publicação: 1899

Escrito em 1899, mas apenas publicado em 1900, pela Livraria Garnier do Rio de Janeiro, Dom Casmurro é um dos romances mais lidos e analisados da literatura brasileira. Seu autor, Machado de Assis, nesta época, já alcançara um grande prestígio e reconhecimento dos seus leitores e da crítica especializada.

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