O livro Laranja Mecânica é um romance escrito por Anthony Burgess em 1962, publicado pela primeira vez pela editora britânica Heinemann. No Brasil a patente de publicação pertence a Aleph, que lançou em 2012 uma edição comemorativa dos 50 anos. O romance é todo escrito no dialeto Nadsat, utilizado nesta distopia pelos jovens de uma Inglaterra ultra-violenta de um futuro próximo.

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Então, o que é que vai ser hein? Começo eu aqui, ó leitores, deste gromki mesto, a convidar-vo-os a colocar as suas malditas rassudoks para funcionar nesta tarde sem vergonha de verão. Eu, ou seja Raphael, vosso humilde narrador, quero que todos vocês, devotchkas e maltchiks aproveitem para entrar nesse lugar. Um mesto muito horrorshow mesmo. Nem venham me dizer que eu tomei muito leite-com ou moloko, ó irmãozinhos, aquele que costumo pitar no lactobar de korova. Cheio de velocet, sintemesc, dencrom ou alguma outra veshka que lhe daria uns belos 15 minutos de horrorshow mesmo, admirando Bog, ou se preparando para um bom e velho vinte a um do cacete. Este, ó estimadíssimos leitores, é o Laranja Mecânica. E se não quiserem, vou soltar um smek muito shonoro, tipo assim huáhuáhuá, e dar o bom e velho som labial: prrrrrrrrrrrrrrrrrrrr. Passar bem. Amém e aquela kal total.

SOBRE O LIVRO

Quem nos recebe na primeira página é o nosso anti-herói Alex, que tem 15 anos e faz parte de uma das tantas gangues que pululam na Inglaterra futurista desta distopia. Alex e seus druguis são adolescentes que dedicam sua vida a cometer crimes, vandalismos, roubos e estupros. Utilizando uma linguagem própria, cheia de gírias com influência russa e jogos fonéticos típicos da infância eles se comunicam uns com os outros de maneira a afirmar a sua tribo, assim usam roupas que são o status máximo da moda naquele tempo.  Alex é o líder da gangue, que ainda conta com Pete, Georgie e Tosko.

A primeira parte do livro nos leva por um passeio pelos hábitos noturnos de Alex e seus druguis, pois a princípio durante o dia eles precisam ir a escola. A noite sempre começa com eles se encontrando para ir ao bar onde costumam tomar o moloko, que consiste em uma substância composta de leite e drogas diluídas. Após fazerem o seu processo de aquecimento no bar, eles saem para a rua em busca de divertimento. Qualquer pessoa que passa pela frente do grupo é um alvo, e nelas Alex e seus druguis aplicam a boa e velha ultra-violência, espancando até que o sangue brote horrorshow pela calçada, muito lindo.

Pete  segurou as rukas dele, Georgie abriu sua rot e Tosko arrancou seus zubis falsos. os de cima e os de baixo. Jogou-os na calçada e então apliquei neles o bom e velho tratamento esmaga-botas, embora fossem difíceis de quebrar, porque eram feitos daquele novo material horrorshow de plástico. O vekio começou a fazer uma espécie de shons abafados – uuf uaf uof – então Georgie soltou os gubers dele e simplesmente deixou que ele levasse uma na rot sem dentes com seu punho cheio de anéis. Isso fez o vekio gemer muito na hora, e foi aí que brotou o sangue, meus irmãos, muito lindo.

A ultra-violência e a guerra entre gangues, junto da submissão da família ao comportamento violento de Alex tem um fim quando, traído pelos seus druguis, ele é capturado pela polícia. Levado a Prestata, a prisão estadual onde o jovem Alex passa a conviver com os criminosos mais perigosos. Devido a malícia de Alex, ele consegue se aproximar do capelão da prisão e ter regalias que os outros presos não tem, como a informação da descoberta de uma ferramente que poderia tira-lo da prisão, a técnica Ludovico.

Animado com  a possibilidade de sair da prisão, Alex se dispõe a ser o primeiro a passar pela experiência “corretora” da técnica Ludovico, que consistia em ensinar ao infrator que o mal deveria ser objeto de asco, e somente o bem seria permitido. Porém, a técnica amplamente divulgada pelo governo da época, faz muito mais do que somente reintegrar um homem a sociedade, ela é uma técnica extremamente agressiva de mutilação psicológica.

MINHA OPINIÃO

Laranja Mecânica não é um livro fácil, essa é a primeira coisa que se há de dizer. Não por ter uma escrita rebuscada, mas por seu significado só ser acessado quando realmente entendemos o que as interações das referências tem como resultado final. Todo o texto é construído com maestria pelo autor para nos imergir em um universo de um delinquente juvenil de uma sociedade futurista, com seus prazeres, sua cultura, suas emoções e sua impressão da mesma. O livro, apesar de ter mais de 50 anos da sua publicação é assustadoramente atual. O livro trata de uma sociedade que é banhada em liberdade, e esta resulta em comportamentos cada vez mais agressivos dos jovens, que fazem a sociedade e a sua família refém. O governo, tão truculento e corrupto quanto estes jovens, implementa técnicas de repressão brutais, que não tem como objetivo reintegrar ou educar, mas corrigir o indivíduo ao ponto de ele não ter mais opinião. Este romance trata sobre os dias de hoje.

Há passagens no livro extremamente assustadoras, principalmente quando a sociedade distópica passa a reproduzir a violência do estado, entoando frases que tanto ouvimos hoje: “Bandido bom é bandido morto” ou “Vocês delinquentes deveriam ser exterminados”. Eu pergunto, estamos tão afastados dessa distopia?

Vivemos em um mundo que jornais, revistas, programas de tv e o próprio esporte cultuam a violência, e onde cada vez mais é levado ao limite a selvageria/espetáculo na relação entre as pessoas. São disponibilizados livremente, para crianças e adultos, via internet vídeos de decapitação ou execuções. O povo, refém  da violência advinda da sociedade e do estado cada vez mais se vê acuada ao ponto de tomar atitudes fascistas, abrindo mão da sua liberdade pela segurança “abaixo da força” assim como as que experimentou Alex. Não é isto que vemos hoje, em passeatas que pedem a intervenção militar, ou mesmo que o político mais popular do Brasil é o Bolsonaro, um defensor de políticas repressoras e de ideias como a pena de morte?

Talvez o livro não seja completamente uma distopia.

O edição publicada pela editora Aleph em comemoração aos 50 anos da obra é uma edição de colecionador de  capa dura, com inúmeros e inestimáveis extras. O primeiro extra é uma breve biografia do autor, juntamente das influências que inspiraram a obra. Após, há uma ampla nota sobre o trabalho dos tradutores que tiveram o desafio da adequação do idioma nadsat e dos jogos semânticos do inglês para o português. Respeitando as influências fonéticas da cultura russa, sem perder o significado e a ironia sagaz pretendido pelo autor. A obra em si é um patrimônio da humanidade que nos faz questionar conceitos de sociedade e livre arbítrio. Junto disso há dois artigos nunca publicados em português, tratando a sociedade distópica. Um dicionário nadsat/português e por fim, o manuscrito original da obra com anotações do autor.

Além disso, cada parte do livro contém ilustrações de um artista. A parte um possuí as do inglês Dave McKean, conhecido pela longa parceria com Neil Gaiman, com quem publicou Sandman e por ter ilustrado a cultuada graphic novel do Batman, Asilo Arkham: uma séria casa em um sério mundo. A segunda parte tem ilustrações de um dos maiores do Brasil: Angeli.

Criador de personagens como Rê: Bordosa, Os Skrotinhos e Bob Cuspe. Junto com Glauco, Laerte e outros artistas da geração, fez parte da revista Chiclete com Banana, um clássico dos quadrinhos nacionais e um ícone dos anos 80. A trinca é concluída com o ilustrador argentino Oscar Grillo, que trabalhou no filme Great (1975), ganhador do Oscar de melhor curta de animação e como assessor de animação no filme MIB: Homens de Preto.

Laranja Mecânica além de um patrimônio literário, é um convite a reflexão sobre a sociedade contemporânea.

LARANJA MECÂNICA

Autor: Anthony Burgess

Tradução: Fábio Fernandes

Editora: Aleph

Ano de publicação: 2012

Publicado pela primeira vez em 1962, e imortalizado 9 anos depois pelo filme de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica não só está entre os clássicos eternos da ficção como representa um marco na cultura pop do século 20. Meio século depois, a perturbadora história de Alex – membro de uma gangue de adolescentes que é capturado pelo Estado e submetido a uma terapia de condicionamento social – continua fascinando, e desconcertando, leitores mundo afora. Esta edição especial de 50 anos em capa dura e impressa em duas cores (preto e laranja), inclui: * Ilustrações exclusivas de Angeli, Dave McKean e Oscar Grillo * Trechos do livro restaurados pelo editor inglês * Notas culturais do editor * Artigos e ensaios escritos pelo autor, inéditos em língua portuguesa * Uma entrevista inédita com Anthony Burgess * Reprodução de seis páginas do manuscrito original, com anotações e ilustrações do autor.

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