Um dos polêmicos romances de reconto bíblio do português Saramago, Caim tem edição pela Companhia das Letras de 2020.

Sobre o Livro

Sendo um reconto bíblio de Gênesis, Caim inicia no Jardim do Éden, onde Adão e Eva, os primeiros humanos criados por Deus, o Senhor misericordioso, cometem o primeiro pecado da humanidade: ambos experimentam do fruto proibido que Deus os proibiu de provar. Porém, mesmo com as consequências dadas por Deus ao casal, Eva atentou-se a comer o fruto após a Serpente seduzi-la. Sem tardar, Adão também o experimentou.

Após Deus saber, ambos são expulsos do Éden e forçados, sob seus pecados, a buscar sobrevivência entre as terras áridas de Israel. A partir daí, Saramago entra com seu reconto, transformando tudo o que é real e fictício para construir a narrativa de um dos filhos de Adão e Eva: Caim.

“Quem desobedeceu às minhas ordens, quem foi pelo fruto de minha árvore, perguntou deus.”

A história passa a se desenvolver com Caim traindo a confiança de seu irmão e a sua própria ética, sendo penalizado por Deus pelos seus pecados após cometer o primeiro assassinato da história da humanidade. Só que o destino de Caim neste romance não é o mesmo que estava destinado na Bíblia. Ao contrário, ele se torna alguém capaz de desafiar Deus e suas punições.

Minha Opinião

Trazendo uma crítica aguçada à ética de Deus na Bíblia, esta releitura feita por José Saramago traz reflexões muito interessantes que eu mesmo havia observado quando li Gêneses, o primeiro livro da Bíblia. Inclusive recomendo a leitura ou releitura de Gênesis antes de ler este livro, para poder diferenciar bem o que aconteceu e o que é fictício criado por Saramago.

De qualquer forma, a história não perde sua essencialidade e a conexão com os fatos bíblicos. Mas é aí que Saramago transparece a ética e a lógica quando aborda Deus e seu tom “justiceiro” e “misericordioso”

“Fora do jardim do éden a terra era árida, inóspita, o senhor não tinha enxergado quando ameaçou adão com espinhos e cardos. Tal como também havia dito, acabara-se a boa vida.”

Saramago agrega elementos até então mais realistas como cenas eróticas explícitas e atitudes até então mais humanas que as que tentam transparecer na Bíblia. O que mais gostei foi a relação conflituosa de Deus e Caim e todas as imperfeições que Saramago vai demonstrando ao longo da obra sobre Deus e seu conceito de justo e bondoso.

“Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a adão e eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta.”

E o desfecho desta história era tudo o que eu esperava (em um bom sentido de surpresa) e mais além. É o segundo livro de Saramago que leio e da mesma forma ele pôde trazer uma conclusão que dá um desfecho satisfatório para a história e assim uma reflexão final que entrega todo o significado desse livro. Por isso, achei uma obra brilhante assim como As Intermitências da Morte.

Os únicos elementos que não me agradaram neste livro foram as cenas eróticas que em minha opinião eram desnecessárias apesar de entender seu significado mesmo que fosse nada relevante. Apesar disto, é uma história que não se perde e possui suas quase 180 páginas para ler deliciando cada longo parágrafo da narrativa de Saramago. É um livro que antecede, em termos cronológicos da Bíblia, sua obra mais polêmica O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

CAIM

Autor: José Saramago

Editora: Companhia das Letras

Ano de publicação: 2020

O vencedor do prêmio Nobel José Saramago reconta episódios bíblicos do Velho Testamento sob o ponto de vista de Caim, que, depois de assassinar seu irmão, trava um incomum acordo com Deus e parte numa jornada que o levará do jardim do Éden aos mais recônditos confins da criação. Se, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago nos deu sua visão do Novo Testamento, neste Caimele se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marcam sua obra. Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo involuntária, entre criador e criatura. No trajeto, o leitor revisitará episódios bíblicos conhecidos, mas sob uma perspectiva inteiramente diferente. Para atravessar esse caminho árido, um deus às turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogênito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los. A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniquidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos. Tal como o diabo de O Evangelho segundo Jesus Cristo, o deus que o leitor encontra aqui não é o habitual dos sermões: ao reinventar o Antigo Testamento, Saramago recria também seus principais protagonistas, dando a eles uma roupagem ao mesmo tempo complexa e irônica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar. A volta aos temas religiosos serve, também, para destacar o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: aqui, a capacidade de tornar nova uma história que conhecemos de cabo a rabo, revelando com mordacidade o que se esconde nas frestas dessas antigas lendas. Munido de ferina veia humorística, Saramago narra uma estranha guerra entre o homem e o senhor. Mais que isso, investiga a fundo as possibilidades narrativas da Bíblia, demonstrando novamente que, ao recontar o mito e confrontar a tradição, o bom autor volta à superfície com uma história tão atual e relevante quanto se pode ser. A caligrafia da capa é de autoria do escritor Milton Hatoum. “

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