Quando A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, quarto livro no universo de Jogos Vorazes, foi lançado em 2020 eu encarei apenas como mais um sinal de que estávamos voltando para 2012. Quer dizer, tinha livros novos de Crepúsculo e A Seleção sendo lançados, e só falávamos no fim do mundo, então o que era mais um throwback, né?

Brincadeiras à parte, fiquei curiosa, claro. Mas quando descobri que era uma história sobre Snow eu desanimei, e as resenhas negativas foram chegando e me tirando cada vez mais a vontade de ler. Deixei para lá, mas assim que a adaptação pro cinema foi anunciada não consegui segurar a curiosidade. E eu não podia imaginar a surpresa positiva que esse filme seria.

A direção do longa é de Francis Lawrence, que também foi produtor ao lado de Nina Jacobson, Brad Simpson e Suzanne Collins (autora dos livros). A trilha sonora é assinada por James Newton Howard, a fotografia é de Jo Willems, e o roteiro combina os trabalhos da autora com Michael Arndt, Michael Lesslie e Lauren Blum.

Aqui acompanhamos a 10ª edição dos Jogos Vorazes, antes, durante e depois. Coryolanus Snow (Tom Blyth), o homem que viria a ser presidente de Panem e vilão da história de Katniss Everdeen tantas décadas depois, é apenas um jovem de uma família que perdeu tudo com a guerra entre a Capital e os distritos, e que precisa desesperadamente salvar a si, à prima e à avó da miséria. Sua vida vira de ponta cabeça, no entanto, quando descobre que o prêmio em dinheiro ao qual dedicou sua vida agora será dado ao melhor mentor na próxima edição dos Jogos Vorazes – leia-se: quem conseguir a maior audiência para o evento em decadência.

Coryolanus acha que suas chances evaporaram ao ser designado para a garota tributo do Distrito 12, mas ele não tinha como prever Lucy Gray Baird (Rachel Zegler), sua força de vontade, sua voz poderosa (literal e figurativamente) e tudo que ela despertaria em um garoto da capital.

Eu não sabia de nada sobre a trama do filme, apenas que ele tinha três partes bastante definidas. E se eu tinha ficado decepcionada de a história não ser a de origem dos Jogos, adorei a forma como essa criação foi abordada indiretamente. É muito interessante ver como os Jogos eram em contraste com o que conhecemos da trilogia original, com todo o glamour e pompa, e fica a provocação para o expectador refletir qual é mais perturbador: tratar os tributos como menos do que animais, como em A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, ou o show de falsidades e horrores regados a glitter e champanhe de décadas depois.

Todos os atos do longa te mantêm vidrado na tela, com a inteligência política perfeitamente encaixada nas sequências de ação. É evidente que o pico de frenetismo são os Jogos no segundo ato, mas todo o resto é tão instigante quanto. Acima de tudo, é preciso reconhecer que o roteiro faz um excelente trabalho de nos envolver com Coryolanus, nos fazendo entendê-lo e mesmo torcer por ele (inclusive, fica aqui o elogio pela genialidade de evitar chamá-lo pelo sobrenome que a audiência aprendeu a odiar). Ao mesmo tempo, sabendo o destino do personagem, é brilhante a forma como é possível pegar pistas que conectem ao futuro e acompanhar Snow revelando lados cada vez piores.

Se tratando ainda da história em si, minha maior crítica fica para o grande desfecho. Não que não tenha sido bom, houve sinais e o que aconteceu combina com a personalidade de Lucy Gray, mas eu sinceramente esperava algo bem mais dramático. Afinal, o nível de drama estava subindo exponencialmente e estava claro que faltava apenas um acontecimento para coroar Snow como o próprio Coringa; suponho que foi o bastante, e foi muito bem executado, mas ainda assim um tanto quanto anticlimático.

Percebe o quão rápido nos tornamos predadores? Percebe como a civilização desaparece num instante?

Mas falando em execução, é aqui que vêm os elogios para os atores. As escolhas de elenco foram certeiras para todos, e Tom Blyth tem uma versatilidade incrível para dar vida a todas as facetas do problemático protagonista. Rachel Zegler fica impecável como Lucy Gray trazendo ao mesmo tempo toda a sua força e toda sua impulsividade; apesar de parecer um pouco distante ou aérea, bem cedo no filme você percebe que aquilo é da personagem e não uma falha de atuação. Viola Davis nem precisa dos elogios, mas entrega uma frieza beirando a loucura na Dr. Gaul simplesmente perfeita. Vale destacar também Peter Dinklage (Reitor Highbottom), Josh Andres Rivera (Sejanus Plynth), Hunter Schafer (Tigris) e Mackenzie Lansing (Coral), com papéis um pouco mais pontuais, mas com a qualidade que aprendemos a esperar da saga.

E os personagens já tinham muito a entregar por si só. Embora seja inegável que os holofotes estão muito concentrados em Snow, Lucy Gray e Dr. Gaul, há várias relações bilaterais interessantes. E com a tensão de saber que todos ali colocariam seus próprios interesses acima de tudo (à exceção dos poucos que você fica esperando fazer/viver alguma catástrofe), tudo fica mais pesado.

Acho que as únicas outras críticas que tenho vão para a quantidade de música e um pouco para a fotografia. A primeira, bom a voz de Zegler é de arrepiar, e tem cenas incríveis usufruindo disso, mas houve alguns momentos que chegaram próximos da vergonha alheia. E a fotografia não foi ruim de modo algum, porém quando se tem a barra tão alta quanto Jogos Vorazes, fica difícil de atingir o nível de carga simbólica esperada.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes não prometia nada e me entregou tudo. Vale muito a pena assistir pelo drama e pelas críticas sócio-políticas, e com certeza é um filme que não vai sair da minha cabeça por um tempo. Importante dizer que não recomendo nem um pouco entrar no universo de Jogos Vorazes por essa história, pelo conteúdo, apesar do longa se sustentar sozinho muito bem tecnicamente.

JOGOS VORAZES: A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES

Diretor: Francis Lawrence

Elenco: Tom Blyth, Rachel Zegler, Viola Davis, Peter Dinklage, Josh Andres Rivera, Hunter Schafer

Ano de lançamento: 2023

Anos antes de se tornar o tirânico presidente de Panem, Coriolanus Snow aos 18 anos vê a chance de mudança de sorte quando é escolhido para ser mentor de Lucy Gray Baird, a garota tributo do empobrecido Distrito 12.

Relacionados

Destaques

Insta
gram

[jr_instagram id='3']

Parceiros