HELLBLAZER-INFERNAL-VOL1

“Primavera.
Tudo desperta e segue em seu caminho.
Tudo segue vivendo.
Tudo exceto eu.
Estou morrendo”.

É com essas palavras que Garth Ennis inicia aquela, que para muitos, é o divisor de águas das histórias do mago canalha John Constantine: Hábitos Perigosos.

Constantine descobre, após anos como um fumante inveterado, que tem um câncer no pulmão em estado avançado, e é na forma sóbria e coerente de como um personagem que conjura demônios e enfrenta magos necromantes de outras dimensões que se vê a diferença primordial deste para outros quadrinhos das principais editoras norte-americanas. Em um monólogo soturno e existencial contemplando a noção da própria mortalidade enquanto apresenta aos leitores mais novos sua história e motivos.

habitosperigosos

Esse o tom mais mundano é marca do selo Vertigo da editora DC Comics, voltando quadrinhos para audiências mais adultas, lidando a magia como algo corriqueiro mas nada glamouroso – bem o contrário na verdade, geralmente como uma maldição constante, pois como as histórias do universo do personagem enfatizam, não se pode conseguir nada sem oferecer algo em troca. Em outros volumes, o inferno é retratado como uma ‘bad trip’ assim como a compra de almas como a bolsa de valores (suscetível a intempéries do mercado) e o mais temeroso vilão enfrentado foi justamente um serial killer.

Aqui não existe um vilão, propriamente dito. Sim, o câncer é o ‘demônio’ que Constantine não esperava (inclusive uma das mais brilhantes campanhas publicitárias para a série foi de um raio-x expondo focos de câncer de pulmão com os dizeres em vermelho ‘esse demônio ele nunca esperou’)

Ainda que não seja a primeira vez que os quadrinhos das maiores editoras americanas tentaram abordar temas controversos (O Homem de Ferro lidou com o alcoolismo no final da década de 70 e coadjuvantes do Homem Aranha e do Arqueiro Verde tiveram problemas com drogas) faltou a estas outras séries de heróis algum peso ao tema (ao ponto que ao final do arco de seis edições o Homem de Ferro se vê completamente livre de seu problema com o álcool!). Além disso com os argumentos mal ajambrados que se vê, a ressurreição de personagens se dá com uma velocidade tão grande que mal se sente algum impacto. Uma obra mais séria sobre o câncer veria a luz do dia posteriormente a Hábitos Perigosos, sob a batuta do ranzinza Harvey Pekar com seu Anti-Herói Americano (American Splendor) na graphic novel de 1994 ‘Our Cancer Year‘ (Nosso ano com câncer, em tradução livre, inédita no Brasil), vencedora do prêmio Harvey no ano de 1995, e que mais tarde seria adaptada para o cinema no filme com Paul Giamatti de 2003.

Com Hellblazer, porém, a situação fica muito e bem real, quando o ritmo gradual e lento da história vai apresentando a John a realidade de sua condição – visitando um hospital em busca de tratamento, conhecendo outros pacientes com o mesmo tipo de problema – e mesmo no universo em que a história se situa, quando a magia se mostra ineficiente para ajudar Constantine – o Esnobe (ou Arcanjo Gabriel) se nega a oferecer auxílio ao mesmo tempo que a súcubo Chantinelle diz que não há nada que possa fazer.

Mais que isso Constantine admite o papel de seus silk cuts (marca de cigarro vagabundo britânico) e sabe que não existe nenhuma grande obra, nenhum plano sinistro, nenhuma outra grande conspiração. Seu corpo está sofrendo da mesma doença que anualmente vitima milhões (dados do instituto Cancer Research UK indicam que só em 2012 foram aproximadamente 8,2 milhões de óbitos e 141 milhões de casos), e o que torna a situação ainda mais palpável é o cínico e simpático paciente Matt que Constantine conhece em sua passada pelo hospital.

Matt, ciente de sua condição sabe que não adianta manter muito otimismo e não abre mão de alguns últimos prazeres (mesmo que advenham do maço de um cigarro), e o papel do personagem ainda que breve é crucial para aferir o devido peso e noção real, do mundo real nesse universo fictício.

Sim, sim, Constantine pode chegar ao final de sua história livre do câncer de pulmão com um truque de mágica único, só não pense por um único minuto que isso significa que não há qualquer preço a pagar.
Inclusive nesse fantástico universo Vertigo onde a magia é menos fantástica e mais visceral.

Menos hocus pocus e mais sangue e entranhas. Tudo tem um preço, tudo é uma troca.
Como dito a pouco, só resta saber o preço a se pagar…

 

Informações bibliográficas:
Hellblazer – Hábitos Perigosos (Vertigo Comics, originalmente publicado em Hellbalzer 41-48 em 1991. Republicação pela Panini Comics, em maio de 2014). 212 páginas.
Roteiros: Garth Ennis
Arte: Will Simpson

Nota: 10/10

 

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