Se eu tiver de definir o livro mais importante que li em toda minha vida, esse livro, com toda a certeza será Dom Quixote de Miguel de Cervantes. Se tiver de definir o segundo, ele será “Desvendando os Quadrinhos” (Understanding Comics – The Invisible Art) de Scott McCloud.

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Pode parecer tolo em uma gama de todos os livros já escritos e publicados, como grandes e inquestionáveis gênios de incontáveis nacionalidades com sua soberba análise da psique e condição humanas que estas sejam minhas primeiras duas opções, mas o que posso dizer? Poucos foram os outros livros capazes de produzirem tamanho efeito em mim, de me fazerem uma pessoa completamente diferente após a conclusão da leitura, e, se isso não se aplica a outras pessoas (e livros), bem, paciência.

Ainda assim, caro leitor, esse breve parágrafo não deve ser motivo para você querer ler a obra-prima de McCloud, portanto aqui vai um pequeno esforço.

Publicado originalmente em 1993 (no Brasil só em 2004!), o estudo teórico sobre o universo de quadrinhos em toda sua contextualização proporciona uma longa jornada histórica (dos alicerces que dão origem aos quadrinhos) para estabelecer e legitimar o meio para produção de arte.

O livro tem muito conteúdo, muitas teorias, mas elas são distribuídas aos poucos abusando de sua formação em artes para apresentar técnicas, informação e todo um conteúdo de maneira a discutir o que são os quadrinhos, como definir – e diferenciar – uma arte de outra, e, principalmente, como definir o que é arte?

Parece muito quando é apenas um livro, tratando de uma longa história – na verdade McCloud volta aos primórdios da civilização quando os primeiros homens da caverna começaram a desenvolver o que ele define como arte. Isso sem contar toda a gama do que se caracteriza como histórias em quadrinhos – do mercado americano de ‘comics’ ao ‘mangá’ japonês passado pelo mercado franco-belga (como Tintin, Asterix e Lucky Luke. E claro, ele vai além, entrando em conceitos da iconografia, estruturas e moldes da comunicação visual (e até por isso acabou entrando no rol de leitura de muitos publicitários)

Pode não parecer muito hoje (quando os filmes de maior bilheteria são baseados em franquias nascidas dos universos de quadrinhos e mesmo as maiores cifras de vendas de sites como a Fnac são encadernados, ainda que na maioria de super-heróis), mas o meio teve uma grande luta para se consolidar como McCloud destaca, tanto com a cruzada solitária de Will Eisner para ser reconhecido como artista e não mero cartunista quanto a caça às bruxas dos anos 50 liderada por Fredric Wertham (autor do livro ‘A Sedução do Inocente’ que, entre outras coisas inferia um caso homossexual entre Batman e Robin com o intento de ‘seduzir’ o incauto leitor infantil e perverter sua mente).

E esse é o grande fascínio da obra de McCloud: Ser teórico sem ser pedante. Ensinar sem ser chato.

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O autor expõe uma vastidão de complexos argumentos com bom humor e uma estrutura fluída da qual é realmente difícil enxergar como um livro teórico. Droga, McCloud consegue lidar com números e gráficos e seu livro ainda é divertido!

(Uma breve nota, se você, caro leitor, nunca teve de ler/escrever uma tese ou artigo científico – indiferente do número de folhas – saiba que eles invariavelmente seriam, caso fossem um sabor de gelatina, os textos teóricos seriam a gelatina sem sabor)

McCloud questiona de maneira orgânica convenções que parecem tão naturais e lógicas a primeira vista e fundamenta sua tese de maneira sólida e efetiva. Ler “Desvendando os Quadrinhos”, indiferente de conhecer muitos ou poucos (ou nenhuns) quadrinhos pouco ou nada muda na compreensão da obra de McCloud que não só se sustenta por si só como zarpa com confiança no horizonte das grandes obras.

Vale a pena ler, e, garanto que esse breve texto não é mera rasgação de seda de alguém que quer muito um autógrafo de McCloud no Comic Con Experience (claro que eu ainda assim pretendo pedir o autógrafo, mas não é por isso que fiz o texto – e, também, se alguma alma caridosa quiser me ajudar a conseguir esse autógrafo, também não reclamarei…). Existe uma série de prévias disponíveis na internet, mas eu sempre gostei muito dessa pequena imagem que apresenta o capítulo 2.

É simples e sucinta da forma com que o texto e autor conduzem a narrativa apresentando os fatos e, mais importante, instigando o raciocínio do leitor (o fantástico ‘Right?’ do último quadro com o exato tom de expectativa para apontar ao leitor que acompanhe o raciocínio ao mesmo tempo que trace o próprio e entenda que existe algo além do que já fora apresentado).

Nota? 11/10.

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